Há os que pensem ser invencionice minha os causos que rabisco nesta longeva e respeitável gazeta. Há uns que sim, raro...

A procissão das meninas

cronica cotidiano itabaiana trem
Há os que pensem ser invencionice minha os causos que rabisco nesta longeva e respeitável gazeta. Há uns que sim, raros, é bom que saibam. A maioria vou descobrindo em conversas de pé-de-ouvido entre uma talagada e outra, como ocorre algumas vezes no bar do Lulinha, ou os descubro rascunhados pelos muros da vida. É assim.

O de hoje vem lá de Itabaiana, e ouvi quando Valdo e Zé Nilton puxaram linha do novelo de suas recordações, lá na Livraria do Luiz. Zé Nilton frequentou a cidade e muito sabe das historias daquela gente. Já Valdo, é filho de lá, onde trabalhou nos Correios, foi um brilhante lateral direito do glorioso Vila Nova, esquadrão muito respeitado e temido em todo semiárido paraibano. Além disso, Valdo morou nos tempos de sua solteirice num ambiente incomum para um mocetão que acabara de sair do seminário e depois dar baixa no Tiro de Guerra:
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Seu endereço foi por uns tempos na Rua do Carretel, mais propriamente no cabaré de Dona Nevinha.

Cabem aqui duas explicações. A primeira é que essa rua, cujo nome oficial é ainda 13 de Maio, começa (ou termina) junto à estrada de ferro. Já devem ter entendido. Se está encangada com a “linha” de trem, que nome mais apropriado do que “Carretel” para uma via pública? Já a segunda, tem a ver com o nome do estabelecimento de Dona Nevinha. Nossa cortesã, recebeu na pia o nome daquela que seria a santa de sua devoção. Daí resolveu fazer uma homenagem à sua padroeira e batizou o lupanar com a pomposa denominação de “Boate Nossa Senhora das Neves”. Para que não pensem ser um paradoxo esse batismo, reforçou suas intenções de urbanidade e respeito com uma plaqueta bem legível na entrada da boate: AMBIENTE FAMILIAR.

Nessas priscas eras, o dia mais celebrado da semana naquele canto de mundo era a terça, quando ocorria a famosa “Feira do Gado de Itabaiana”. A cidade ficava assim de gente. Noitinha de segunda chegava o trem vindo do Recife. E o que trazia? Gado para a venda, troca e até para os leilões. Mas não era só boi e vaca que eram despejados na estação. O trem embarcara nas bandas de Pernambuco as meninas que iriam trabalhar segunda e terça no cabaré de Dona Nevinha. E que meninas! Umas princesas! Reforçava Valdo (o Enxuto).

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Aquela boate tinha seus momentos de Moulin Rouge quando Itabaiana fazia pose de Paris. Pelo menos é que um contava e outro confirmava ali no “Café Literário”. Eu, é claro, não poderia duvidar daquelas duas octogenárias figuras.

E o que mais? Perguntava eu. O mais bonito era quando chegava o trem. Explicava Enxuto. E olhando para mim esticava a prosa. E foi contando: Era uma lindeza a chegada das meninas! Saiam do trem e iam em procissão da estação até a boate de Dona Nevinha. Ela as recebia com pompa e circunstâncias. Minhas “anjinhas”, dizia a cafetina.

Vejam o que mais ele me contou.

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Naquelas duas noites, Dona Nevinha faturava alto. Tudo às mil maravilhas. Mas como não se derrama bênçãos sobre safadezas, a cizânia também andou atrapalhando o negócio de nossa empresária do pecado e também a farra de vaqueiros e pecuaristas. E o que foi?

Primeiro vamos lembrar que a cidade tinha sua banda, responsável por retretas muito concorridas no adro da Paróquia Nossa Senhora da Conceição.

A banda, que o pessoal de Dona Nevinha, apelidara de “Furiosa”, esperava a chegada do trem para recepcionar as ilustres visitantes. Grande parte da população, estava ali, não para ver a qualidade do gado, mas para darem uma espiada nas raparigas. Os músicos com seus galões sobre os ombros e tangendo os instrumentos, iam à frente da inusitada procissão executando o dobrado “Janjão” (quem não ouviu?). Uma festa para ninguém botar defeito com as meninas, na Rua do Carretel, acenando para o pessoal nas calçadas e a banda firme nos seus dó-ré-mis, dando um ar de celebração àquele momento digno de uma fita de Fellini.

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Quem não acabou gostando foi o prefeito. Proibiu a banda de participar daquela festança, afinal a Furiosa era mantida com dinheiro público e não era justo ficar toda segunda- feira, fim de tarde, à disposição de Dona Nevinha. Acabou a palhaçada! Teria dito ele. Os músicos fizeram greve. Aí quem não gostou foi o padre. E as retretas na paróquia? E a procissão no dia da padroeira? Quem iria tocar? Sua Excelência? Com medo de perder votos, dos paroquianos, dos boêmios e dos cachaceiros, e de...E de Dona Nevinha, o prefeito cedeu.

Assim, por anos a fio Itabaiana ganhou notoriedade no mundo do entretenimento pela Procissão das Meninas. Quem duvidar, procure Valdo, ou Zé Nilton. Eles vão confirmar.

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