Por coincidência ou por artes do destino, ele nasceu exatamente no dia primeiro de maio, dia dos trabalhadores. E foi o primeiro ...

Martinho Leal Campos, o revolucionário cordial

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Por coincidência ou por artes do destino, ele nasceu exatamente no dia primeiro de maio, dia dos trabalhadores. E foi o primeiro menino a nascer na antiga Maternidade Frei Martinho, em Jaguaribe, daí seu nome, cujo diminutivo combina tanto com suas naturais doçura e cordialidade, sem prejuízo da coragem e do brio nos momentos necessários. Pois é um bravo, como bem sabem os que o conhecem mais de perto.

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Maternidade Frei MartinhoRosa Wanderley
Um bravo, sim, que não temeu, com todos os riscos implicados, engajar-se na luta pela redemocratização do país a partir de 1964, tendo pagado um alto preço pela coragem e pelo idealismo, duras experiências de que não faz propaganda e que certamente muito marcaram sua personalidade, seu pensamento e sua, digamos, psicologia, já que ninguém sobrevive incólume após passar pelo que ele passou. Teria, pois, fartos motivos para ser amargo e/ou revoltado, como alguns dos seus companheiros da época, mas não. Pelo contrário, é um homem sereno e aparentemente em paz com o que fez e deixou de fazer, não esquece o passado mas não vive nele, tem senso crítico, não faz proselitismo, não é fundamentalista e cultiva como poucos a sábia e difícil arte de conviver civilizadamente com os contrários. Se não bastasse, é um apreciador de vinhos, não necessariamente dos mais refinados, e da boa e descompromissada conversa que normalmente surge ao redor de uma garrafa. Ao seu modo, um cavalheiro, um lorde que preserva elegantemente a discrição e a modéstia dos verdadeiros fidalgos.

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Lira Mare
Literalmente, apanhou muito da vida (e de seus eventuais algozes também), mas não renunciou aos seus altos ideais humanitários, a despeito das decepções e frustrações acumuladas, tanto as decorrentes das ideias, como as resultantes da prática de pessoas e instituições com quem se relacionou ao longo do caminho. Hoje, imagino que tenha bem nítida no pensamento a real medida do possível, de modo a não mais se apegar romanticamente – e talvez inutilmente – a metas inexequíveis – ou utópicas. Não que tenha deixado de sonhar com um mundo mais fraterno e mais justo, aquele com que sonha as verdadeiras pessoas de bem, independentemente de ideologias, de religiões e de tudo o mais. Economista de formação, trabalhou no SEBRAE-PB e prestou assessoria parlamentar ao ex-senador Humberto Lucena, de quem muito se aproximou, ao ponto de ter criado e desenvolvido uma admiração que se mantém. Estas foram, sem dúvida, experiências ricas, não só do ponto de vista profissional como humano. Trabalhar em Brasília muito lhe ensinou, em todos os aspectos. Principalmente lhe deu uma visão da política nacional e seu funcionamento pelo lado de dentro, privilégio concedido a poucos – e que poucos aproveitam, no bom sentido da palavra, aquele do aprendizado do mundo e da vida, que é o que pode nos amadurecer existencialmente e agregar a respectiva sabedoria.

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Martinho Leal Campos André Resende
É homem mais de ouvir que de falar, o que já diz muito de si. Tem lido bastante, visto muitos filmes, ouvido boa música e apreciado as artes plásticas, dentro do possível. Ele próprio é um notável artista, um talento inato para o desenho, base de tudo nessa área. Nas reuniões das manhãs de sábado, em torno da grande e generosa mesa de Mirabeau Dias, ele vai silenciosamente traçando as linhas de sua obra daquele dia, ao final recolhida pelo anfitrião atencioso, cônscio do pequeno tesouro que vem acumulando semanalmente. Seus confrades, reverentes, observam esse mudo labor do artista sabático.

Em sua já longa caminhada, teve a oportunidade de conhecer figuras importantes da política e da cultura, a exemplo de Celso Furtado, Francisco Julião e Paulo Pontes. Tem, portanto, muito a contar sobre esses “encontros” com notáveis da segunda metade do século XX. De certa forma, esse material constitui um livro
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Martinho Leal CamposALSP
que ele nos deve e que torcemos para que venha à luz. Depoimentos e testemunhos desse tipo contribuem muitíssimo para a história e o conhecimento fidedigno, por parte do público leitor, de acontecimentos e pessoas relevantes.

Muito do que fez, faria novamente, penso eu. Não por simples teimosia, pois só os tolos e as crianças são teimosos, mas por convicção mesmo. Suas escolhas foram exigentes do ponto de vista pessoal, mas ele deve achar que valeu a pena. E valeu. E nessa sofrida coerência está a beleza de seu percurso existencial. E é nessa fidelidade a si mesmo que ele se mostra admirável, tal como o Quixote cervantino.

Com a garra de sempre, assiste ao outono chegar, com a paz e a resignação dos ascetas. Em si traz a primavera guardada, não raro o ardente verão. Na floresta igual, é uma árvore imensa, de alta copa e fundas raízes, personalíssima. As tempestades a respeitam, conhecem sua provada resistência. Martinho Leal Campos, que carrega a lealdade no sobrenome, é tudo isso - e muito mais. De fato, é um valioso patrimônio humano da Paraíba.


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  1. Parabéns Gil por traçar em pouco espaço um perfil fidedigno do amigo Martinho. Os que o conhecem completam o que a nesga de espaço nega, e os que não provaram de sua amizade têm a partir de sua síntese uma noção da grandeza, da bondade e da inteireza de quem viveu por muitos e não perdeu a ternura jamais. Francisco Albuquerque

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  2. Excelente, Gil, essa justa homenagem ao nosso bravo Martinho. JBB.

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  3. Preciso, oportuno e justo perfil do leal Martinho e de sua trajetória nos Campos da vida. Muito apropriadamente, o "Revolucionário Cordial", assinala duas características marcantes desse bravo Guerreiro. Parabéns, Gil!!!
    Humberto Espinola





    notáveis desse bravo Guerreiro.

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  4. Obrigado, João.

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  5. Obrigado, Humberto.

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  6. Obrigado, Francisco.

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