Haverá desejo mais profundamente humano do que a busca pela felicidade? Esse ideal incerto, com seus resultados frágeis e impermanent...

Felicidade

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Haverá desejo mais profundamente humano do que a busca pela felicidade? Esse ideal incerto, com seus resultados frágeis e impermanentes, semelhantes às delicadas flores de cerejeira que flutuam ao sabor do vento, nos chama das profundezas de nossos corações sonhadores, impulsionando-nos ao longo da existência. Cada ação que tomamos, cada passo que damos, é um avanço em direção a esse objetivo abstrato e profundamente pessoal que chamamos de felicidade. O sonho muda de acordo com o estágio da vida, único para cada indivíduo,
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parecendo sempre além do alcance. Uma busca antiga como o tempo, perpetuamente renovada.

Alguns a buscam em posses materiais, em relacionamentos, sucesso e riqueza. Outros a procuram em emoções passageiras, enquanto os mais sábios entre nós se esforçam para encontrá-la dentro de si mesmos.

Há milênios, a humanidade tem sido impulsionada por sonhos de felicidade, mas nossa existência moderna é assolada por uma avalanche de desejos, expectativas e ambições. A vida na Terra tornou-se cacofônica, inundada não apenas pelo clamor da realidade física, mas também pelo tumulto incessante do mundo virtual. Estamos submersos em um dilúvio de informações, cada notificação gerando ansiedade, cada momento consumido por distrações triviais. Passamos horas contemplando vidas alheias, assistindo a vídeos e lendo mensagens das quais não nos recordaremos. Boa parte desse caleidoscópio de informações é transformada em desejos efêmeros: de ser, de ter, de poder. À parte, segue a vida real, outra incessante fonte de obrigações e expectativas. Os dias escorrem, ligeiros, e entre pressa e vertigem nos vemos exaustos, com as mentes agitadas pela falsa necessidade de tudo saber, de opinar, de acompanhar os detalhes de situações desimportantes.

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Em meio a esse turbilhão, corremos o risco de perder o contato com os ritmos do mundo natural que uma vez nos definiram. Esquecida está nossa conexão inata com a terra e seus ciclos de renovação, uma perda profundamente sentida enquanto navegamos pelas complexidades da vida moderna.

Nos momentos de ruído urbano avassalador, busco conforto nos simples presentes oferecidos pela natureza — uma flor desabrochando, uma criaturinha em sua rotina diária, o céu pintado de rosa ao amanhecer. No abraço gentil da natureza, a alma encontra alívio e o coração alcança alguma paz. É como retornar ao útero materno, uma alegria que transcende os prazeres passageiros, enraizada na tranquilidade do pensamento e no contentamento mais singelo.

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Bem sei, entretanto, que a natureza por si só não pode aliviar as inquietudes que carrego. Assim, em meio ao caos da vida cotidiana, reservo tempo para ouvir o suave chamado, gentil e bom, da felicidade simples e possível. Silencio o ruído externo e visito o santuário da tranquilidade interior.

Há quase dois milênios, o imperador-filósofo Marco Aurelio escreveu uma de minhas frases favoritas: "A felicidade de sua vida depende da qualidade de seus pensamentos." Suas palavras ressoam profundamente em mim, lembrando-me de não sucumbir ao desespero, nem permitir que circunstâncias externas ditem o curso
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da minha felicidade. Em vez disso, elas me instigam a cultivar autocontrole, coragem e resiliência a fim de transcender os desafios da vida.

O contato com a filosofia aumentou minha consciência da natureza transitória da existência humana. A morte pode estar a um passo. Hoje, já me desfaço dos excessos e me preparo para minha partida — não com morbidez ou tristeza, mas com praticidade e serenidade. Quando minha caminhada chegar ao fim, espero recebê-la com a mesma doce calma com que alguém retorna para o colo amoroso de onde veio. Devolverei o corpo que me serviu bem, grata pelas lições aprendidas. Sem rancores, sem lamentar coisa alguma. Mesmo nas profundezas da dor, as experiências me tornaram mais humana e ciente de minhas muitas limitações.

Até que esse dia chegue, sigo buscando em mim mesma e na natureza o bálsamo que preciso. Talvez exista um anseio ancestral, um sentimento de conexão que transcende a existência individual, lembrando-nos de nosso lugar no vasto cosmos, parentes que somos das estrelas e dos pássaros. Nesse sentimento reside minha felicidade — não um objetivo distante, mas uma realidade presente, tecida na trama da minha jornada, nas experiências que vivo, no amor que ofereço e na cadência suave da minha respiração. É o suficiente.


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