Este texto contém spoiler Um menino de treze anos, de rosto doce e olhar assustado, é acusado de matar uma colega de escola. A série...

Adolescência e a comoção

minisserie adolescencia
Este texto contém spoiler

Um menino de treze anos, de rosto doce e olhar assustado, é acusado de matar uma colega de escola. A série Adolescência, que narra esse drama, tornou-se a mais assistida do mundo — não apenas por sua qualidade impecável, mas porque expôs feridas que fingíamos não ver.

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Não vou entrar nos detalhes técnicos da produção esmerada, do elenco afiado e da direção segura. Muitos já escreveram sobre isso.

O que me interessa neste texto é a comoção causada por uma obra de arte. Tenho cá as minhas teses.

A primeira delas se refere à escolha do ator para protagonizar Jamie Miller. O estreante Owen Cooper não é o que a nossa mente condicionada espera de um acusado de assassinato. Ele é franzino, com um jeito ainda infantil, responde educadamente às perguntas dos policiais, chora, tem medo de agulha e urina de medo. Ele é o retrato vivo do sobrinho que amamos, do filho do amigo e da nossa própria criança que dias antes lambuzava a cara de sorvete e brincava no parquinho.

Eis porque tantos se frustraram por não ter ocorrido nenhuma reviravolta de última hora; um milagre que provasse a inocência de Jamie. É uma projeção da esperança que temos quando os nossos meninos se envolvem em situações chocantes, particularmente crimes. Não pode ser verdade, repetimos, agarrados a impossibilidades. A negação é nosso escudo.

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Jamie (Owen Cooper) e seu pai, Edie Miller (Stephen Graham), em Adolescência (2025), Netflix, via Imdb ▪ Div.
Não criamos filhos para matarem e serem mortos. Quando eles surgem no mundo, trazem consigo promessas de alegria. A natureza os reveste de um ar adorável e de uma vulnerabilidade que nos inclina a protegê-los. Filhotinhos — de cães, de gatos, de humanos — têm essa propriedade de nos despertar os instintos de proteção. A cabeça proporcionalmente grande em relação ao corpo, os olhos maiores, o nariz e a boca pequenos, as bochechas arredondadas e os movimentos descoordenados ativam um mecanismo instintivo de cuidado nos adultos,
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Jamie (Owen Cooper) / Adolescência (2025), Netflix
inclusive entre membros de outras espécies (note como reagimos à visão e até vídeos dos filhotes de animais). Jamie é exatamente assim. Até o episódio três, em que já vemos a transição entre a criança que foi e o adolescente que é, nós desejamos protegê-lo daquilo que "só pode ser equívoco".

Mas talvez o que mais nos choca, além da figura frágil de Jamie, seja o espelho que a série nos estende: ele revela a ausência de atenção e de comunicação intrafamiliar. Por comodismo ou medo de confrontar, acomodamo-nos a olhar de longe os filhos se aproximarem do mundo adulto, com suas linguagens novas, códigos secretos e o aparato deste universo bruto e desconhecido que criamos e nutrimos nos últimos anos.

Sair da infância sempre representou entrar em um imenso e desafiador mundo novo, mas até então os pais e avós tinham noção do terreno. Hoje, não mais. Todos estamos adentrando juntos o território áspero de internet, celulares e redes sociais. E ele é rude e desconhecido. Se de um lado é profundamente sedutor, de outro é campo fértil para todas as sementes da violência. O problema é que não desvendamos tudo isso juntos, como família e sociedade. Cada um está trancado em sua própria tela.

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Jamie (Owen Cooper) conversa com a psicóloga Briony Ariston (Erin Doherty) em Adolescência (2025), minisserie criada por Stephen Graham / Jack Thorne ▪ Netflix, Div.
Antes disso, encontramos desculpas para não educá-los apropriadamente, hesitamos em dizer "não" aos seus caprichos, trememos diante da possibilidade (absurda) de eles não mais nos amarem porque impusemos limites. São tolices da nossa insegurança.

As falhas que cometemos nos pesam nos ombros e são múltiplas. Suas razões também são várias. Em Adolescência, por exemplo, o pai de Jamie — espancado quando criança — jurou que seria diferente com ele. É uma promessa muito comum que nos fazemos: "Comigo será diferente".
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Stephen Graham (Eddie) / Adolescência (2025), Netflix
E a corda da viola, que antes julgávamos muito apertada, torna-se frouxa demais. Pois — como se repete incessantemente — não há fórmulas. No fundo, tateamos sem rumo, tentando acertar. Às vezes funciona; outras vezes resulta em desastre. É como uma daquelas maldições antigas: temos medo de errar e assim mesmo erramos. Falha trágica do herói, diriam os velhos gregos.

Só muito tempo depois da tragédia nos culpamos pelo abandono involuntário daqueles que juramos proteger. É cômodo acreditar que os filhos estão protegidos nos seus quartos. Esquecemos que celulares e computadores são janelas para o abismo. Os monstros entram nos quartos mesmo com portas e janelas fechadas.

A chamada à responsabilidade e a explosão emocional chegam juntas no capítulo final. Neste, a esperança também se mostra na imagem da filha a dizer: "Jamie é nosso". O mesmo útero que trouxe ao mundo um assassino também carregou a menina que ampara os pais.


Filhos podem ser epifania ou cruz pesada. O caminho que trilhamos com eles é feito de vidro fino. Qualquer pisada em falso pode terminar em susto, queda ou morte. Há de se estudar o terreno, pisar com cuidado, analisar a rota.

Eles estarão conosco até o fim da jornada comum.

E mesmo que um dia se afastem, deslizem, ou se quebrem, continuarão sendo nossos.

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