Alguém já se referiu à “tirania da moda”, e a expressão não poderia ser mais apropriada. A moda assemelha-se às doenças – pega. Ninguém sabe que moda vai pegar, ou de que vai adoecer. Instalado o processo patológico, no entanto, desfaz-se toda ideia de gratuidade. E a gente trata de se curar, efetivamente, do que mal que está sofrendo. No imenso mar da perplexidade moderna, a moda é a marola que se encrespa mais pelo brilho, mais para se deixar ver ao enorme sol da vaidade, e depois murcha na anônima superfície do tempo. O que é a moda, enfim, senão a eternidade do efêmero?
Unsp
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Há cerca de dez anos, por exemplo, tudo era psicossomático. Uma gripe, uma diarreia ou mesmo um câncer eram o resultado de complexas interações psicológicas e físicas. E não se adoecia do corpo, adoecia-se basicamente da alma. Mas esse tempo passou, leitor perplexo, e de nada adianta continuares indo ao analista. Porque hoje, conforme atroam os meios de comunicação, ressoando a verdade dos laboratórios – hoje tudo é genético. O teu infarto ou a tua psicose maníaco-depressiva estão programados, inexoravelmente inscritos em teus genes, e nada podes fazer para escapar de ti mesmo. Diariamente, os cientistas descobrem um novo gene que comanda alguma coisa. E os cromossomos, ficamos sabendo com estupor, cada vez mais dispõem sobre o nosso destino.
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Tais possibilidades, obviamente, nos angustiam. Se tudo é genético, como fica o problema da consciência e do livre-arbítrio? Então vivemos apenas para realizar um percurso predeterminado, submetidos a um código transcendente aos nossos sonhos, projetos e intenções? E as nossas escolhas, e a nossa liberdade? Calma, leitor. Antes de tudo, reflete que essa tirania da genética também é um modismo. Daqui a algum tempo, vai-se descobrir um “princípio ativo” subjacente ao código genético e capaz de modificá-lo em função das nossas disposições anímicas. Feita essa descoberta, tudo voltará a depender das vicissitudes do nosso psiquismo. Estaremos, pois, de volta à primazia do psicossomático.
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E se falo dessas coisas, leitor paciente, é que esse tipo de assunto – ao contrário das gravatas dos homens ou dos vestidos das mulheres – nunca sai da moda.