Depois de percorrer as apertadas ruas de Olinda, de muitas imagens guardadas de leituras e visitas em redor do Mosteiro de São Bento, meu genro me convidou para um passeio pelo Recife antigo, pelo que resta da Veneza Brasileira de outros tempos.
Nos anos de 1970, perdido nas ruas movimentadas, percorri os antigos cenários cantados pelos poetas, recolhendo na memória a paisagem captada pela visão. Todos apressados e de passagem, mas sempre seguindo os passos de Augusto dos Anjos pela Ponte Buarque de Macedo, passeando com Manoel Bandeira pelas Ruas da Concórdia e da Aurora, observando as águas do Capibaribe de João Cabral. Tudo muito poético enchia os olhos do jovem alimentado pelas paisagens de Serraria.
Rua da Aurora (Recife-PE) Unicap/UFPE
Cruzamos ruas e passamos em frente de antigas igrejas, como as do Recife e de Olinda, povoadas de templos religiosos erguidos no período colonial, quase todas agora com pouca movimentação. Chegamos aos redores da modesta Igreja das Fronteiras, espaço sagrado de dimensões místicas inumeráveis. Lugar que nos aproxima do líder religioso Dom Hélder Câmara, onde suas raízes crescem aguadas pelas lembranças de sua atuação na disseminação do Evangelho e em favor dos pobres.
Estátua de Dom Hélder (Igreja das Fronteiras - Olinda-PE) Junancy B Wanderley Jr
Perseguido pelos militares, que montaram cerco à igreja e à sua pequena acomodação aos fundos da sacristia, na tentativa de isolamento do líder religioso, não conseguiram silenciar nosso pastor. As imagens de tanques diante da igreja, para impedir sua saída às ruas, silenciaram a minha mente.
Memorial Dom Hélder (Recife-PE) Ministério da Cultura
À tarde, cheguei perto de Dom Hélder para dele recolher lições. Recordo que em 1979 observava, a certa distância, sua presença na apresentação da “Cantata pra Alagamar”, no ano de 1979, São Francisco. Depois, participei de missa na Igreja das Fronteiras e, na companhia de meu cunhado, seu conhecido, fomos estar com ele nas suas acomodações, sala ornada com esmero, composta de mesa e cadeiras estilo colonial. Como repórter, captei impressões sobre a medalha internacional concedida a Dom Marcelo Carvalheira, em Guarabira, em reconhecimento à sua luta em defesa da vida.
Dom Marcelo Carvalheira e Dom Hélder Arquidiocese de Olinda/Recife
Contemplando a silenciosa igreja pintada da cor da paz, na manhã do domingo Dia das Mães, como num hino salomônico, a voz mansa de Dom Hélder chegava aos meus ouvidos. Era um grito abraâmico que se juntava ao clamor dos camponeses e dos ribeirinhos.