Creio que, se a memória não vier me falhar, eu deveria estar lá pelos meus 27 invernos e outras tantas primaveras quando me apresentar...

Augusto, o esquecido

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Creio que, se a memória não vier me falhar, eu deveria estar lá pelos meus 27 invernos e outras tantas primaveras quando me apresentaram Augusto. Ele, não houvesse deixado essas dimensões em 1914 aos 30 anos, estaria completando 93 quando eu o conheci. E como foi essa tal apresentação?

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Avenida Paulista, 1970s /// Fonte: SPAntiga
Já lecionando há alguns anos, lá naquelas priscas eras, eu e uma tropinha de uns quatro ou cinco, depois da faina matinal de seis aulas, íamos todas as quintas-feiras tirar o pó de giz grudado na garganta; isso em um restaurante, o Everest, que ficava ali nas imediações da Av. Paulista, a capital dos bandeirantes. Era nosso momento de descontração, quando a prosa eventualmente poderia ir do futebol à literatura, das Leis de Newton aos Diálogos de Platão, mas o ponto alto daquele cavaco era o humor, os causos, as mentiras e outras lengalengas.

Esse “Clube-do-Bolinha” já comemorara o primeiro aniversário quando aceitou com muito entusiasmo a primeira presença feminina a se integrar àquela pequena grei.

Foi Cibele. Bonitona que só vendo. Familiarizou-se fácil ao grupo. Ensinava Literatura na mesma escola em que lecionávamos. Com o tempo depois do “bife à parmegiana” (a especialidade da casa) e do terceiro copo,
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nossa musa começava recitar Augusto. Fazia com muita eloquência, declamava no estrito sentido da palavra (o que é bem diferente de vomitar um texto decorado).

Foi ali e assim que fui conhecer esse formidável poeta. Não posso esquecer de uma quinta-feira, fria, e a costumeira garoa paulistana se derramando sobre a cidade quando nossa musa começou daquela vez com “Meu coração tem catedrais imensas,/Tempos de priscas em longíquas datas;”... Por aí foi. Então, resolveu me interpelar: Conhece esse? Peguntou-me. Nem esse, nem os outros, foi o que respondi. Não sabe o que está perdendo. Rebateu, minha interlecutora.

Com a chegada de Cibele, cada encontro tornara-se um ritual: depois do primeiro copo, Augusto. Sempre um soneto do filho de Sapé. Foi assim que conheci nosso poeta. E por que estou ocupando este espaço para falar de quem não há mais quase nada a se dizer a respeito? Bem, quanto a obra nada a acrescentar, mas me incomoda como a memória desse poeta considerado, não por poucos, como maior poeta da língua portuguesa é tratado pelos seus conterrâneos. É triste de se ver.

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Do poder público ganhou um busto no centro da cidade, escondido numa galeria que leva seu nome. O pequeno monumento não vive às traças porque esses insetos não têm os mausoléus no cardápio, mas vive à sanha dos pombos com seus intestinos descontrolados. Aquele espaço vive ao abandono, carente de manutenção e reformas. Augusto merece um monumento bem visível, em local de destaque para que nossa gente não esqueça e os turistas saibam que a Paraíba é o seu berço.

Não bastasse, não ser protegido pelas instâncias dos diversos poderes, Augusto é olvidado por quem mais deveria cultuá-lo: nossos bardos,
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Estátua de Augusto dos Anjos na APL / Imagem: Milton Marques Junior
vates, escritores, gente das letras e de outras artes. Então tomo este espaço para deixar pública minha indignação com tamanho descaso.

Há aqueles que remam contra a corrente, e tentam algumas iniciativas, mas estas não recebem a atenção que merecem. Sábado, 3 de maio, a APL promoveu um encontro para se comemorar o aniversário do poeta que ocorrera em 20 de abril. Algumas instituições presentes, mas muito aquém do que merecia essa louvável iniciativa do professor Milton Marques. Presentes, se tanto, uns quarenta gatos-pingados.

Mais decepcionante foi no sábado anterior, 26 de abril, quando na Livraria do Luiz, a Editora Tamarindo (editora da própria livraria) lançou o “Eu e outras poesias”, uma edição primorosa. E o que tivemos? Um público menor ainda. Cá entre nós, o que não falta em João Pessoa e redondezas é farmácia e academia de letras, mas somente duas instituições estiveram presentes: A UBE e a ASLAC de Sapé.


Enfim, por aqui, reclama-se muito e faz-se pouco. Mas há gente resiliente, que persiste. Parabéns Ricardo Pinheiro e Milton Marques pelas iniciativas. Estão lançando sementes em solo árido, mas algum dia há de chover aos pés de nossos tamarindos.

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