O ofício do escritor é geralmente vinculado a uma atividade de extremo esforço e/ou de recursos mágicos para a produção do texto. Embor...

A reescrita criativa

poesia literatura escrita criativa
O ofício do escritor é geralmente vinculado a uma atividade de extremo esforço e/ou de recursos mágicos para a produção do texto. Embora para escrever não existam fórmulas infalíveis, dado que é necessário que o redator esteja ao menos dotado de proficiência em sua língua, é relevante a existência de manuais que o auxiliem. Isso porque o que diferencia um usuário comum da língua de um mais competente é a consciência dos recursos
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que temos no universo da língua(gem), dando-lhe maior performance.

Nesse sentido, o livro “Escrita criativa – da ideia ao texto”, de Rubens Marchioni (Contexto, 2018) nos conduz a retirar as ideias da cabeça e a inseri-las no papel, apontando-nos diversos exemplos de procedimentos, de tal forma que é quase impossível sair dessa leitura sem nos identificarmos com algum método utilizado por escritores. É recorrente nos depararmos com pessoas de diversas profissões que se sentem temerosas diante da folha ou da tela em branco. O medo de escrever está vinculado ao da autoavaliação tanto quanto ao do crivo alheio.

Como ser conciso, elegante, claro, como não tropeçar na gama de letras e na (im)possibilidade do dizer? Como encontrar o tom da comunicação? Talvez você mesmo tenha tentado algumas vezes escrever uma história, mas nem ao menos sabe sobre qual tema e/ou gênero quer se debruçar. Porém, atenção: Marchioni nos relembra de que é imprescindível a humildade do redator para que se entenda que deve haver mais reescritores do que escritores. A inquieta pena deve depois
Rubens Marchioni, professor, redator, jornalista e escritor paulista.
ser aquietada pelo texto que, conforme afirma o dramaturgo e poeta Bertolt Brecht, precisa “descansar”. A lei do afastamento tende a reduzir a vaidade e a euforia daquele que escreve. Passado um tempo, será hora de revisitar o escrito e fazer sua lapidação.

Ademais, é válido refletir sobre o termo “escrita criativa” se podemos pensar que ao produzirmos um texto naturalmente já trabalhamos com a criatividade. Pois bem. Aponta-se que não há nada mais triste que o comentário de “não é preciso assinatura, isto é de X!”, revelando que estar preso aos mesmos recursos é uma forma de se autoplagiar. É importante, então, reinventar-se. Talvez seja essa a dinâmica do verdadeiro escritor – essa incessante busca por refazer-se, não ceder à mesmice e não se deixar ser devorado pela esfinge da rotina improdutiva.

Esse é um desafio cada vez maior em um mundo que constantemente nos convoca, mas não nos dá tempo de preparo. Assim, o clichê vira a ordem e a desordem, a arbitrariedade da urgência que rouba a oportunidade de sermos mais autênticos. Escrever é lidar com situações-problema.
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E ler, estudar, é uma forma de nos prepararmos para enfrentá-las. De acordo com Stephen Koch em Oficina de escritores (Martins Fontes, 2008), como escritor devemos escolher aquilo que vamos sacrificar. A figura do artista recluso não é por acaso, porque é pouco provável que uma obra seja gestada em meio a uma multidão. É preciso tempo, espaço e, geralmente, silêncio e a preciosa solidão para que eclodam ideias e estas amadureçam.

Costumamos valorizar um atleta que dedica horas, anos de intenso treinamento para que possa alcançar seu desempenho. No entanto, esquecemos, por vezes, que um escritor que se preze também deverá abdicar de algumas tarefas e momentos em prol do desenvolvimento da sua escrita. Desconfio muito de pessoas impulsionadas a produzir uma obra sem antes sequer ter ideia de qual será o gênero textual, qual o teor da história e, principalmente, quando o/a aspirante não tem de fato amor pelos livros, pois um escritor deve ser antes de tudo um leitor.

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Cottonbro Std
O fato é que “a literatura nos mostra o homem com uma veracidade que as ciências talvez não tenham. Ela é o documento espontâneo da vida em trânsito. É o depoimento vivo”, diz a poeta Cecília Meireles. E o escritor é aquele que ousa e insiste em transitar, em nadar contra a corrente para cantar a sua aldeia – seja esta geográfica ou metafísica. No entanto, não podemos limitar sua redação apenas à capacidade de cantar e espalhar a melodia por meio do texto literário. O texto teórico-investigativo também merece todo o apreço. Lutar com palavras não é aventura vã. É uma grande ventura para a qual devemos constantemente nos preparar.

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  1. Colocações importantes, Léo. Parabéns. Francisco Gil Messias.

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