Um dos mais longevos, em escala planetária. É o que se pode dizer do noticioso que começou, em 1935, com o título de “Programa Nacional”, ganhou, três anos depois, o nome de “Hora do Brasil” para hoje se manter no ar como “A Voz do Brasil”. Desde Getúlio Vargas até agora, as transmissões somam 90 anos e dão-se, ininterruptamente, das segundas às sextas-feiras. Minto, houve uma breve interrupção: aquela ocasionada pela tomada das nossas ruas
O jornal A Noite, edição do dia 31.07.1935, divulga a inauguração do programa Hora do Brasil ▪ Fonte: BN
e nossas vidas pelos tanques e baionetas de 1964. A suspensão serviria à adaptação aos novos mandos.
O vovozinho da radiofonia nacional soprou velinhas na última terça-feira com notas e vídeos em páginas físicas e eletrônicas. Mas conta-se que, em sua homenagem, o Congresso Nacional já mandou limpar o Plenário Ulysses Guimarães para sessão solene, às 11 horas, no próximo dia 5. Tardia, a festa conterá discursos dos presidentes dos Três Poderes. Acho que as falas tomarão como mote o caráter histórico do aniversariante.
E fica a pergunta: será que vai dar certo? Sei lá... De repente, aqueles senadores e deputados podem estragar tudo, podem partir para ataques pessoais como têm feito no dia a dia da atividade parlamentar. Não me surpreenderão se envergonharem o velhinho. Tomara que não.
A Voz do Brasil, edição em podcast do dia 24.07.2025.
Ninguém pense que o nonagenário de agora veste pijama e usa bengala. Ao contrário, porta-se como um garotão e anda na moda. Produzido pela Empresa Brasil de Comunicação, a EBC, surfa ondas além das do rádio. Também é encontrado em plataformas digitais, a exemplo da Amazon, Apple Podcast, Castbox e Spotify. Tem emissão às 19 horas, mas pode sofrer variações ao sabor, geralmente, de eventos oficiais que, ao revés, os produtores julguem importantes.
Luiz Jatobá (1915—1982), médico, locutor e jornalista alagoano, um dos narradores da emissão Hora do Brasil (A Voz do Brasil) ▪ Fonte: Wikimedia
Leio que foi ao ar pela primeira vez em 22 de julho de 1935, na voz de Luiz Jatobá, o famoso locutor alagoano. À época, sua produção estava a cargo do Departamento de Propaganda e Difusão Cultural. Virou “Hora do Brasil”, em 1938 sob nova chefia, a do Departamento Nacional de Propaganda. Tinha, já na ocasião, transmissão obrigatória por todas as emissoras nacionais, das 19 às 20 horas. Veio o ano de 1939 e, com ele, nova coordenação, a do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP. Muito chefe para pouco índio, entendamos assim.
Gazeta de Notícias, Rio, edição do dia 21.07.1935 ▪ Fonte: BN
Naqueles idos, a “Hora do Brasil” também trazia a boa música brasileira, comentários sobre pontos turísticos, radioteatro e arte popular. Outro quadro, este com temas cívicos, exaltava feitos da nacionalidade, ao que me conta a Wikipédia. Eurico Gaspar Dutra matou o DIP em 1946, ano em que fez surgir a Agência Nacional. “A Voz do Brasil” foi nome ganho em 1962, ano da vigência do Código Brasileiro de Telecomunicações e da participação do Poder Legislativo na segunda metade do noticiário. O Judiciário e o Tribunal de Contas da União, evidentemente, não pretendiam ficar de fora. E não ficaram. Agência Nacional, EBN,
Getúlio Vargas (1882—1954) discursa em programa de rádio da Agência Nacional ▪ Fonte: BN
Radiobrás e a atual EBC pouco modificaram a motivação do noticioso criado por Armando Campos, um amigo de infância de Getúlio.
“O Guarani”, a ópera de Carlos Gomes baseada no romance homônimo de José de Alencar, entrou, saiu e reingressou na abertura desse programa. Em 1972, o general Médici preferiu o “Hino da Independência”, com notas de Pedro I. Dizem, não sei se é verdade, que a parceria do letrista Evaristo da Veiga foi aceita depois que este apontou a inconveniência dos primeiros versos imaginados pelo Imperador: “Já podeis filhos da pátria ver contente a mãe gentil”. Não pegava bem e a frase foi invertida.
Quem chegou aos 90 anos, a exemplo do programa de rádio ingresso no Guiness Book em razão da antiguidade, viu o fim da República Velha, a instituição do salário mínimo, a moda feminina da década de 1940 influenciada por estrelas de Hollywood, o suicídio de Getúlio Vargas, o aumento significativo da população das cidades em função do êxodo rural, o início do processo da industrialização nacional, a implantação e popularização da tevê, a primeira Copa do Mundo de Futebol (e as seguintes, é claro) afora a sucessão de eventos políticos que moldou a história do País.
Moda feminina em ilustrações de Alceu Penna, publicadas em edições da revista O Cruzeiro, na década de 1940 ▪ Fonte: BN
Antes que eu me esqueça, o 28 de agosto vem aí com outro aniversariante cultuado, também, no ramo da radiofonia: o “Repórter Esso”, a testemunha ocular da história, de acordo com o slogan famoso. Ele mesmo, “o primeiro a dar as últimas”. A estreia, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, data de 1941.
Terá homenagens póstumas, pois sua derradeira transmissão ocorreu em 31 de dezembro de 1968 com agonia e lágrimas. Roberto Figueiredo não conseguiu ler o resumo das principais notícias divulgadas no transcurso dos 27 anos daquele que foi o mais difundido jornal falado do País. Salvou-o, por um momento, o locutor reserva.
Patrocinado pela Standard Oil of Brazil, levou, como nenhum outro, as batalhas da Segunda Grande Guerra a todos os rincões do País. O fim do conflito teve o badalar de sinos e a voz emocionada de Heron Domingues: “Acabou a guerra, acabou a guerra, acabou a guerra”...
Pode-se dizer que o “Repórter Esso” revolucionou o jornalismo radiofônico brasileiro, ao contratar jornalistas profissionais e utilizar despachos de agências de notícias. Com ele o radiojornalismo abandonava a “Tesoura Press”, termo que debocha da leitura na cabine de recortes de revistas e jornais impressos.
É claro que tudo seguia o modelo e a inspiração político-ideológica da matriz com seu “Your Esso Reporter”. A grande audiência e a credibilidade, apesar dos pesares, o levariam, também, à televisão. A Tupi o apresentou de 10 de abril de 1952 até o fim de dezembro de 1970.
Ao longo dos anos, o “Repórter Esso” teve as locuções de nomes icônicos aos quais se somam Gontijo Teodoro, Kalil Filho, Dalmácio Jordão e o já citado Jatobá. Em meio à profusão de acontecimentos do ruidoso Século 20, a enorme audiência soube, ainda, por seu intermédio, do Plano Marshall (destinado à recuperação da Europa no pós-guerra), da popularização do swing graças a orquestras como a de Glenn Miller, da Guerra da Coreia, do agravamento da Guerra Fria, da revolução industrial, dos avanços da ciência e da tecnologia. Enfim, de mudanças e acontecimentos marcantes em escala mundial. Os mais adentrados decerto lembram da vinheta feita de clarins e da corrida ao pé do rádio a cada transmissão, quando menos, em dois horários principais: às 8 da manhã e às 12h55. Tempos idos.