Sinto necessidade de escrever uma crônica sobre os netos. Tomo emprestado o título de crônica de Carlos Drummond de Andrade, publicada na primeira edição da revista Manchete, edição de 26 de abril de 1952: “Cultive o seu neto”. O poeta mineiro fala da sensação de contemplar ao berço o neto recém-nascido, aconselhando-nos a cultivar os pequenos, porque “é a maneira mais discreta de envelhecer com ternura e dignidade”.
Temos assuntos diversos para escrever, basta olhar ao redor e nos jornais com seus temas palpitantes. Mas, para mim, o assunto maior, imperioso e suave, vem da convivência com os netos. Meninos e meninas, na idade de nove a 12 anos, são presepeiros e contagiam nossa casa.
José Nunes e os netos Acervo pessoal
Com os filhos tivemos as primeiras experiências, perpetuamos nossa existência, alegramo-nos vendo-os desabrochando para a vida. Nos primeiros passos segurando nossas mãos, nas primeiras palavras balbuciadas, no primeiro dia na escola, quando vemos iniciar a longa caminhada até o diploma universitário. Tudo isso é motivo de elevados regozijos.
Maria Angélica e Bernardo / Luana e José Nunes (filha e netos do autor)
Depois vêm os netos, e como os desejamos! Recomendo que desejem netos, muitos. Olhando cada um, vemos a nós mesmos. A mão divina moldando os filhos de nossos filhos. Eles são plantas novas e colunas esculpidas pelas mãos santas como pilares do templo humano. Nos aceitam, do nosso modo, e ensinam muitas coisas, inclusive que não vale a pena brigar por banalidades, não se matar de trabalhar para acumular riquezas, porque tudo é efêmero. Trazem descanso aos olhos e nos afastam dos rios caudalosos. Nos fazem lembrar dos dias de outrora, das obras de nossas mãos, do tempo sem estar presente, junto dos nossos filhos.
Importa não ficarmos atrelados a regulamentos, ao jogo escravizador da vida, quando o sol e a chuva vêm com as riquezas perenes, porque a chuva e o sol dão a glória que nos assemelha aos contemporâneos.
José Nunes e sua neta, Pérola Acervo do autor
Quando nos sentimos vencidos pelo cansaço, nos lembramos das lições gratuitas dos netos, porque as dos filhos vão distantes. Estando ao redor dos netos, nos invade uma irresponsabilidade para com as obrigações adultas porque, em meio a todas obrigações, nossos pequenos nos convidam a temperar a vida
José Nunes e o neto Bernardo Acervo do autor
Cedo nos dão a noção da casa que temos. Descobrimos que a casa dos avôs é feita para os netos.
Repito Drummond: “O neto é a redescoberta, não só da família, mas de nós mesmos”. O poeta de Itabira aconselhou: “Tendes netos”.
Outro dia, vendo o nascer do sol, Bernardo deu a melhor classificação que ouvi para a aurora. “Veja, vovô, o Sol bebê”. Para os netos, já não cantamos as cantigas que moviam nossa imaginação: “Boi, boi, boi/Boi da cara preta/Pega esse menino que tem medo de careta.”
Temos necessidade dos netos porque são como fragrância para nós, criam ambiente alegre com carinhosos abraços. Trazem a brisa fresca para a paisagem da nossa velhice, o entardecer com seus raios sendo encobertos pelas colinas a distância.
Para cada pessoa que me lê, desejo netos. Se ainda não os têm, desejo filhos. Esperem os netos. Esperar é virtude a iluminar nossos passos.