O sol bate na janela, e eu me pego pensando na vida. Não na vida que se mede em batimentos cardíacos ou em anos no calendário, mas naquela força que nos empurra para frente, a potência. Essa energia misteriosa que faz uma semente rachar o concreto, uma criança aprender a andar, ou um velho sábio acender os olhos ao falar de amor.
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Filósofos de todos os tempos se debruçaram sobre este rio caudaloso que nos habita, tentando entender suas correntes.
Os gregos antigos, como Aristóteles, falavam em dynamis e energia, a potência como possibilidade latente, esperando o momento certo para se tornar árvore majestosa. Era uma visão teleológica.
A potência da vida estaria nesse impulso interno de florescer, de atingir a plenitude do que se é destinado a ser. Meu avô, sapateiro, diria isso ao ver um bom pedaço de couro: "Tem potência para virar um belo sapato".
Espinosa, no século XVII, revolucionou o pensamento. Para ele, a potência (o conatus) não era um destino, mas o esforço essencial de perseverar no ser. "Cada coisa, enquanto está em si, esforça-se por perseverar em sua existência", escreveu.
A potência da vida é resistência ativa: é o corpo que se cura, a mente que busca compreensão, o desejo que nos move a expandir nossa capacidade de agir e pensar. Não há finalidade externa, a potência é a própria essência da vida,
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uma alegria de existir que se fortalece ao compreendermos as causas que nos afetam. É o rio insistindo em correr, não para chegar ao mar, mas pelo puro prazer de fluir.
Nietzsche pegou essa tocha e a elevou à incandescência. Sua vontade de poder não era sobre dominar outros, mas sobre a potência de crescer, superar-se, criar. A vida verdadeiramente potente, para ele, não se contenta em apenas perseverar, ela almeja a superação, o risco, o dizer "sim" ao desafio, mesmo na dor. É a força que transforma o caos em estrelas, que dança sobre o abismo. Enquanto Espinosa buscava a serenidade na compreensão, Nietzsche exaltava a potência na luta criadora, no "tornar-se quem se é" com audácia trágica.
No século XX, Bergson trouxe o élan vital – o impulso vital. Uma força cósmica, criativa, imprevisível, que atravessa a matéria e impulsiona a evolução. A potência da vida, aqui, é inovação pura, um jorro contínuo que inventa formas novas, que escapa às determinações rígidas.
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E hoje? Num mundo de pressa e exaustão, falamos de resiliência. Mas será apenas sobre aguentar o tranco? Talvez a potência contemporânea seja mais sutil: a capacidade de encontrar significado no efêmero, de tecer conexões autênticas em meio ao ruído, de manter a chama da curiosidade e do cuidado acesa, mesmo quando o vento sopra forte. É a micro-potência do gesto gentil, da pausa para respirar, da semente plantada num vaso na varanda de um apartamento.
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Onde mora, afinal, a potência da vida? Nos genes? Na alma? Na vontade? No impulso cósmico? Talvez ela seja tudo isso e mais: um rio invisível que nos atravessa, feito de desejo, resistência, alegria espinosana, coragem nietzschiana e criatividade bergsoniana. É a força que nos faz levantar após a queda, que nos faz buscar um abraço, que nos faz olhar para as estrelas e sonhar. Ela não garante a felicidade perpétua, mas assegura o movimento, a transformação, o devir.
Ao fim da tarde, vejo um pássaro construir seu ninho, incansável, com palitos minúsculos. Ali está ela: a potência pura, humilde e obstinada. Percebo que nossa grandeza não está em dominar essa força, mas em sintonizar-se com seu fluxo, navegando com consciência, coragem e um pouco de graça, nas águas sempre renovadas desse rio da vida.
E você, onde sente a potência da vida pulsando mais forte?