Ao chegar em casa, ele notou que alguma coisa estava errada. A mulher e um dos filhos, em pé na sala, empunhavam cartazes. O do rapaz dizia: “Agora é tudo ou nada! Aumento na mesada!”. A esposa não fizera por menos: “Basta de ladainha. Homem também cozinha!”. Tudo rimado, para soar mais forte.
– Que é que está havendo?! Isso é brincadeira?
– Brincadeira coisa nenhuma! Nunca falamos tão sério! – gritou um dos adolescentes, que tinha o rosto pintado de verde e amarelo.
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– Calma, pessoal. Vamos conversar.
– De conversa estamos cheios! – rebateu a garota, que tingira parte dos cabelos de azul e mandara colocar um piercing na orelha esquerda – para simbolizar as algemas em que se sentia aprisionada. Uma de suas reivindicações era viajar sozinha com o namorado, o que o pai terminantemente proibira.
– Está bem, vou pensar no assunto. Mas vocês não acham que a gente devia primeiro consultar outros membros da família? Seus avós, por exemplo. Eles têm experiência.
– Um plebiscito familiar? – protestou o rapaz. – Nunca! Isso é uma manobra diversionista, um expediente protelatório para enfraquecer nossas reivindicações. O senhor tem que nos responder agora.
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Quando o mais velho começou a falar, ouviu-se uma barulheira infernal no quarto do caçula. Correram para ver o que era. Lá se depararam com uma cena inédita naquele cenário até então doméstico e ordeiro: cama virada, roupas pelo chão, sapatos empilhados fora da sapateira, e no centro o menino segurando um cartaz onde se lia: “Fora Barrabás! Castigo nunca mais!”.
Elvira ficou desesperada ao ver o quarto todo revirado. Quem iria arrumar?! Os mais velhos também não concordavam com aquilo. O pai aproveitou a deixa:
– Acabou-se! Não vou mais ouvir nem atender ninguém.
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– É verdade, pai. Foi um ato solitário. Zequinha é um vândalo, não faz parte do nosso movimento. Merecia até ser dispersado com gás lacrimogêneo – disse em tom de piada, que geralmente alivia a tensão comum nesse tipo de entrevero.
– Gás lacrimogêneo?! Ele vai chorar, sim, mas por outra razão.
Dito isso, foi ao quarto pegar o chinelo. Antes de ir se entender com o caçula, fez questão de dizer bem alto para que os outros ouvissem:
– Por enquanto as manifestações estão suspensas. Até segunda ordem!