Brincadeiras, brincar, imaginar, fazer de conta. Como é que se brinca? Por vezes achei que não era boa nisso. Mas, ao mesmo tempo, adorava brincar sozinha com a minha imaginação. E das brincadeiras em movimento: esconde-esconde, pega-pega, pular corda, bambolê (era boa no gingado), amarelinha (academia), ossinho (era mestre em manusear as pedrinhas por entre os dedos, ou carretéis, no chão frio das minhas casas em tantas ruas), cozinhar no quintal ou jogar “31, libertei”. De jogos, era o Banco Imobiliário. Ou as cartas:
Lucas e Ana Adelaide
buraco e sueca, nas tardes frias de julho. Gostava mesmo era de ler gibis e ouvir rádio. Ou ir à casa das amigas, dar risadas (mas aí já adolescente). Andar de bicicleta foi um grande amor, exercício de vento na cara e de liberdade. A rua sempre me fascinou.
Falo disso porque lembro dos meus filhos pequenos (meninos), e eu só queria brincar de histórias, armar casinhas, me deitar com eles na rede para ver desenhos ou brincar no mar. Não era boa em entreter os meninos, confesso. E agora constato isso com a minha neta. Como fazer para brincar? E precisamos de tão pouco... As crianças têm uma imaginação de ouro e tudo o que querem é o faz de conta.
Esta semana, com Luísa por casa, fiquei a pensar: vamos brincar de quê? E ela logo se espalha no sofá. Trouxemos as bonecas de pano – muitas – e logo ela quer que constituamos família, filhas e domesticidade aos núcleos. “Vovó, você é essa e você tem duas filhas. Eu sou essa e tenho essas filhas. Mas preciso de ajuda, pois vou trabalhar. Você quer vir me ajudar?” Qualquer semelhança com a sua realidade não é mera coincidência. Me diverti ao ir puxando conversa, me fazendo de diarista, conversando sobre as filhas imaginárias, e ela se soltando nos assuntos. Uma graça! Depois, fomos pintar as unhas, brincar de manicure com meus esmaltes com glitter. Tudo já ressecado. Unhas roídas não são bem o exemplo que deixarei para essa criança!
Acervo da autora
Luísa é carinhosa, mas também voluntariosa. Tem vontade entusiasmada, e ai de quem a desagradar. Mas, com jeitinho, eu fui levando as coisas. Ela logo trouxe o jogo de xadrez do bisavô, Romero, para a gente jogar. E eu que nunca aprendi... Nem ela. Ficamos a inventar a torre, a rainha, o peão. E eu a rezar por papai, para que ele me iluminasse. Sem mais!
Mudamos para o livro de histórias. Alguns que deixo por aqui. Ela adora. Mas o que me impressionou mesmo foi ela querer pintar – lápis e papel – e depois me pedir para escrever o que ela ditava. “Era uma vez...” – e ia construindo a história em cima dos desenhos que fazia. Tudo com pé e cabeça. Articulada. Pausas. Invenções. Pontuação. Tudo bem encaixado. Fiquei pasma. E fui dando corda, esticando a corda, até ela dizer toda assertiva: “FIM!” Meu Deus! Se eu tivesse tido esses exercícios, acho que hoje minha trajetória de cronista, quem sabe, teria dado outros voos...
Acervo da autora
A gente se preocupa em presentear as crianças com brinquedos caros e sortidos, quando elas, na verdade, se apegam a uma caixa velha, a um copo usado, a um papel, a um apetrecho da estante. Aqui em casa, reconheço, é um parque de diversões: uma estante cheinha de artesanato, arte popular e souvenirs de viagem. Ela ama os tamanquinhos holandeses, o espelhinho colorido (presente de Nelson), as matrioskas de Praga... Sai desencaixotando todas e brincando de mãe e filha (atualmente uma brincadeira preferida, que me faz pensar na construção do gênero e em por que cuidamos tanto). Mas o meu quarto ainda é um quarto todo dela. Se esbalda nas minhas bijuterias: veste os colares, ama os anéis – enormes nas suas mãozinhas delicadas – as pulseiras, e a minha pantufa roxa para os dias de frio, que nunca chegam, mas que ela ama sair arrastando pela casa. São alguns dos achados no meio das coisas.
A geladeira é o grande tesouro a ser descoberto. Quando oferecemos um lanche, pergunta: “O que é que tem? Vamos ver!” E vai direto à porta da geladeira em busca de um chocolate perdido que a avó nunca tem. Nunca compro. E triste de mim se tiver alguma “porcaria” dando sopa. Seus olhos são certeiros. E lá vou eu intermediar essa negociação por entre frutas e doces. Ama sobremesa e sorvete. Trazer a Comida de Verdade, de Rita Lobo, é tarefa hercúlea, ainda mais para uma avó, pois temos, sim, o nosso lugar do interdito... mas não muito.
Luísa e Ana Adelaide Peixoto Acervo da autora
Quebra-cabeça, vestir roupas minhas, fazer bagunça, olhar o céu da varanda, assistir a filminhos com ela me explicando o enredo, comer pipoca e outras guloseimas, e conversar sobre a escola, as letras, os passeios, as amiguinhas, a professora, os seus cachorros, mamãe, papai – não necessariamente nessa ordem – fazem da tarde das férias uma tarde especial.
E eu fico sempre a me achar deslocada e a pensar no meu papel de mãe, de pai, de avó e de tudo nesse mundo em que só sabemos um pouco de cada coisa, a cada tempo.