Foi para mim gratificante ir à posse de Gil Messias na APL. O evento do último dia 2 constituiu uma justa homenagem a quem há anos se ...

Uma escolha de escol

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Foi para mim gratificante ir à posse de Gil Messias na APL. O evento do último dia 2 constituiu uma justa homenagem a quem há anos se dedica à literatura com seriedade e rigor. O resultado dessa entrega tem se traduzido em crônicas (algumas com o formato de miniensaios) e poemas em que, ao veio confessional, associa-se o testemunho da confiança no ser humano em um mundo que tende a valorizar o poder, o dinheiro, e a depreciar os valores do espírito.

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Gil Messias Messina Palmeira
Gil se diz (e é) modesto. Costuma se designar como um escriba da aldeia – termo que lhe é frequente e caro. A aldeia como uma versão amorável da província e onde se exercita o convívio sem a agressiva dispersão presente nos grandes centros. Ele se diz da aldeia também para enfatizar a percepção dos próprios limites (me lembra Mário Quintana, que nos dá a lição de que o essencial para cada um é cuidar bem do seu jardim). E nisso revela uma humildade que chega a estar em desproporção com o seu valor. A produção literária do novo acadêmico mostra um escritor intelectualmente preparado e dotado estilisticamente de uma elegância e de uma clareza que tornam prazerosa a leitura dos seus textos. Prazerosa e edificante.

Um aspecto da sua escrita que a robustece e nos convida à leitura é a experiência do leitor, que nela fartamente se evidencia. Hildeberto Barbosa Filho chamou a atenção para isso no belo e enfático texto com que o recepcionou. Gil é um curioso da nossa história literária, da qual ilustra tanto o brilho dos clássicos, quanto os pequenos episódios que a permeiam e dão, contra as expectativas idealizantes, a dimensão do humano. Talvez esse gosto lhe venha da leitura de Antonio Carlos Villaça, uma de suas grandes influências, que na obra memorialística aponta, por vezes com um malicioso sarcasmo, aspectos triviais e mundanos da experiência no mosteiro. Não dariam porventura os escritores, quando congregados em “igrejinhas”, um testemunho do que há de pouco nobre no ser humano?

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Antonio Carlos Villaça @albertolopesleiloeiro
Tive o prazer de escrever sobre dois livros de Gil – “A medida do possível”, de poesia, e “Um dedo de prosa”. Na apresentação que fiz para o primeiro, ressalto o poeta de linhagem drummondiana, que tem no rigor, na economia e na simplicidade os traços essenciais do seu artesanato. Nele a melancolia se alterna com uma madura percepção da passagem do tempo, que varre os amores e os ideais. Como afirmo em determinada passagem da apresentação, trata-se de um “livro de maturidade, de encontro com os próprios limites, de reflexão acerca dos desafios que a existência impõe. Nele, parece que palavra e vida se confundem, o que redunda na negação do retoricismo e na fuga aos malabarismos vanguardistas que comumente mascaram a expressão”.

Em “Um dedo de prosa”, Gil como que justifica o seu compromisso com a aldeia. Escreve ele em nota introdutória:

“...num país onde a vida cultural parece existir em apena duas apenas cidades (Rio de Janeiro e São Paulo), acho importante assumir a presença e a possível influência da província (a que eu chamo afetivamente de aldeia) nos meus escritos”.
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Francisco Gil Messias Messina Palmeira
Obedecendo a essa diretriz, perfila figuras locais mas sem deixar de lado os questionamentos que comumente se põem ao seu espírito; ninguém pode, afinal, escapar de si mesmo. E o limitado espaço das crônicas não é empecilho a que reflita sobre o sentido da história, as opções políticas e o significado da morte num mundo em que tantos perderam a crença religiosa; há em Gil uma nostalgia mística, que explica o incômodo com esse tipo de comportamento.

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Chico Viana e Gil Messias
Em seu discurso de posse, pronunciado com visível emoção, ele reiterou o compromisso com as ideias que lhe nortearam a formação jurídica, a atividade profissional e o exercício da literatura. Em todos esses domínios, teve como foco o ser humano e as escolhas que o definem – efeito da liberdade propiciada pela consciência. Lembrou-me nesse aspecto a visão existencialista de um Sartre, para quem o homem está condenado a ser livre, e sobretudo de um Camus, exaustivamente estudado por alguém que muito o marcou e a quem Gil rendeu um comovido tributo – o professor José Jackson de Carvalho.

O empossado, como é de sua índole, mostrou-se discreto na comemoração do evento que ocorreu naquela noite. Chegou a comentar que não era merecedor – um juízo desmentido pelos inúmeros aplausos que interromperam o seu discurso, nos quais se expressava o reconhecimento de que a academia tinha feito a escolha certa.

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  1. Anônimo9/9/25 12:33

    Muito obrigado, Chico. Suas generosas palavras revelam mais de você que de mim. Fiquei honrado com sua presença em minha posse e fico novamente com este texto magnânimo. Quem sabe, um dia estarei recebendo-o na APL, lugar de valores como você. Mil vezes gratidão, amigo. Afetuoso abraço.

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