Nas manhãs com o sol rasgando as nuvens, ou quando a lua grande vagava lentamente no céu como uma bola dourada, gostava de ficar no qui...

O cajueiro, a lua e o sol

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Nas manhãs com o sol rasgando as nuvens, ou quando a lua grande vagava lentamente no céu como uma bola dourada, gostava de ficar no quintal de casa observando o sol ou a lua por entre as folhagens do cajueiro existente em minha rua.

Aproveitava para lembrar tempos passados quando, dissimulando a solidão que carregava nos gestos de camponês, olhava para os caminhos invisíveis que tentava identificar e, identificados como me foi permitido, construí os caminhos que haveria de trilhar.

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De todas as árvores que povoaram minha infância — os pés de laranja-cravo e mino-do-céu, as mangueiras, as pitombeiras, araçazeiros e jaqueiras — foram os cajueiros que mais penetraram no meu sentimento de pertença.

Quando, há mais de quatro décadas, passei a morar nesta casa, este cajueiro era meu lenitivo. Dava a impressão de que eu estava diante de uma pequena floresta, vendo nascer entre os galhos a lua ou o sol.

Mas cortaram o cajueiro que me dava uma visão deslumbrante da lua e do sol e me fazia lembrar minha terra e a paisagem que carrego comigo.

Ouvindo os pássaros em sinfonia nos finais de tarde ou aos primeiros raios do sol, bem cedo pela manhã, recordava minha infância.

Este cajueiro, mesmo sendo de outro dono, me pertencia de visão. Quando poesia imaginei escrever, olhava a lua por entre as folhas. Até tentei poetar uns versos que saíram à
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semelhança do que Bentinho, de Dom Casmurro, escreveu: “Oh! flor do céu! Oh! flor cândida e ouro”!

Quantas imagens guardo desses momentos. Uma vez, em minha imaginação, lembrando a exuberante Beatriz de Dante, a poética luz da lua formou por entre os galhos a imagem de uma bela mulher. Foi algo impressionante. Nenhum escultor ou pintor seria capaz de modelar algo semelhante.

Mas os pardais e as rolinhas, seus noturnos habitantes, ficaram atordoados, sem espaço para seus repousos.

Os pardais, mais atrevidos, sorrateiramente vêm pousar em uma pequena árvore do meu quintal, o que não deixa de ser agradável.

Não há nada de ruim que aconteça que não traga algo de bom. Se perdemos a bonita visão de olhar a rua pelas folhas do cajueiro — o
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único que ainda existia na nossa rua — temos, agora, como olhar a lua cheia a descoberto.

Este cajueiro do vizinho, que de minha casa admirei durante mais de quatro anos, era diferenciado. Produzia flores e pedúnculos sem cessar. Saborosos em forma de doces, passados ou consumidos in natura. Bom para tira-gosto. Presenciava, na calçada, uns pinguços degustando cachaça com talagada de caju melado com sal.

Seus antigos donos relatavam que plantaram a árvore quando ali chegaram, no final do ano de 1979. Quando cheguei para residir neste bairro, o cajueiro já era imponente; as folhas passavam da casa. De longe avistávamos sua folhagem e, no tempo oportuno, dava muitos frutos.

Mas cortaram o cajueiro. Fiquei sem a paisagem de sua copa, sem os raios da lua e do sol que construíam a poesia que somente a natureza possibilita surgir.

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O cajueiro da rua onde morou o autor, em Serraria-PB, que foi cortado e inspirou o textoJosé Nunes

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