A arte, no pensamento do sociólogo e filósofo alemão Herbert Marcuse (1898-1979), representa uma forma de resistência às estruturas de dominação impostas pela sociedade industrial. Em obras como Eros e Civilização (1955), A Ideologia da Sociedade Industrial (1964) e A Dimensão Estética (1979), o pensador desenvolve uma reflexão sobre o impacto emancipador da estética frente à exploração econômica da obra de arte e sua relação com a formação de uma consciência crítica. Nesse contexto, a arte não se limita a uma expressão individual de sentimentos ou a um instrumento decorativo: ela constitui uma forma de análise e crítica da racionalidade instrumental que domina o mundo moderno — isto é, o uso da razão como instrumento de controle da natureza e dos seres humanos, desconsiderando questões éticas e morais. Diante disso, a função da arte é revelar as contradições e injustiças da realidade social e defender os ideais de uma sociedade livre de repressão e alienação.
No pensamento marcuseano, a função crítica da arte manifesta-se em sua autonomia estética, na capacidade de desvelar o sofrimento, as injustiças e as contradições que a ideologia dominante — sustentada pela racionalidade instrumental e pela lógica da dominação — tenta encobrir sob discursos de progresso e normalidade. Ao tornar visíveis as fissuras da ordem social, a arte desmascara a repressão e a falsa felicidade engendradas pela compulsão ao consumo e pela submissão da subjetividade às exigências da técnica. Nesse movimento, a experiência estética instaura uma distância crítica entre o real e o possível, permitindo ao indivíduo reconhecer a distância entre o ser e o dever-ser, entre a realidade empírica e a promessa de uma existência livre, digna e emancipada. A potência crítica da arte, portanto, consiste em romper com a unidimensionalidade — conceito fundamental em Marcuse — isto é, com a forma de consciência adaptada, acrítica e conformista que internaliza os valores da racionalidade técnica e do capitalismo avançado.
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Em A Ideologia da Sociedade Industrial, Marcuse elabora o conceito de “homem unidimensional”, expressão que designa o sujeito conformado à lógica totalizante do sistema tecnológico e produtivo. Tal configuração social resulta da integração entre indivíduo e estrutura, na qual necessidades, desejos e modos de pensamento são moldados segundo os imperativos da racionalidade instrumental. Nesse fenômeno, a consciência crítica é neutralizada, e o pensamento tende à adaptação e à reprodução dos valores hegemônicos, perpetuando relações de dominação.
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Desse modo, a arte assume, no pensamento marcuseano, uma função eminentemente política e emancipadora: configura-se como espaço de resistência simbólica e contestação ao conformismo social, reafirmando o potencial crítico da sensibilidade contra a alienação e a repressão do homem unidimensional.
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Marcuse adverte que, quando submetida à lógica mercantil e incorporada ao circuito da produção e do consumo, a arte perde sua dimensão negativa e emancipadora, tornando-se instrumento de integração social e conformismo. Para que a arte preserve seu poder de contestação, é imprescindível que mantenha sua autonomia estética frente ao poder econômico e político. Essa autonomia não significa isolamento, mas a defesa de um espaço simbólico em que a forma artística resista à instrumentalização e afirme valores éticos e humanos incompatíveis com a racionalidade utilitarista.
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Assim, a arte anuncia — no horizonte marcuseano — a promessa de uma civilização não repressiva: a possibilidade de uma existência em que o princípio do prazer harmonize-se com o princípio da razão e em que a liberdade estética antecipe a liberdade histórica.








 








 
 
 
 
 





