Um impetuoso adeus emerge neste dia: a ponte que construímos ruiu. Meus silêncios nem eu sabia mais o que diziam. Meus gestos contidos...

Folha velha

Um impetuoso adeus emerge neste dia: a ponte que construímos ruiu. Meus silêncios nem eu sabia mais o que diziam. Meus gestos contidos na minha postura lacônica. Você sempre a cobrar um sorriso quando você mesma já o tinha roubado. Eu caminhava sem bússola, sem desejo, porque o seu olhar já não me revelava a vontade de prosseguir em um relacionamento anulado pela possessividade.

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No espelhoLautrec, 1882 ▪ Museu T. Lautrec
Eu não precisava ir embora porque eu já havia sido levado. Você me roubou de mim. Na casa, rodeada de espelhos, não me via refletido. Passei a sorrir a contragosto. Meu tino. Meu desatino. Uma sombra enorme se erguendo diante de mim. Eram minhas lembranças, minhas sadias recordações me cobrindo, sendo maior do que aquele amor que dizíamos sentir. Que me chame de egocêntrico. Tudo bem. Prefiro manter o ego centrado a viver um amor sem rota, roto.

Às vésperas de nos casarmos, eu refletia sobre estar num casulo ao mesmo tempo em que desejava alçar voo por entre uma floresta de versos. Mais uma vez anulado? Tinha pena de mim ou de ti? Seus planos de reunir a sua irreparável família, de chamar os amigos que não tínhamos, apesar da demanda que recaía sobre nós diante da crise financeiro-amorosa. Ah, como eu queria apenas voltar a ser um menino.

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Na camaToulouse-Lautrec, 1893 ▪ Museu d'Orsay, Paris
Eu mirava a noite e era atingido pela impossibilidade de alcançá-la. Seu olhar de tortura me condoendo. Como eu queria os seus (a)braços, fui me rendendo aos seus caprichos. Sempre dizendo que não deveria evitar me conceder um não para apenas querer me agradar, depois me jogaste tudo e lancei tudo para cima, porém toda a parafernália recaiu sobre mim.

Atulhado de medo, mas movido pela liberdade, retrocedi para avançar. Feito filho pródigo, voltei a pedir abrigo. A maior herança que eu almejava era o meu direito à solidão. Era o direito de me pertencer. Ah, desculpe-me,
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Noite de insôniaLautrec, 1882 ▪ Galeria Nacional, Washington
mas também me flagrei tantas vezes furtando o seu jeito de ser – talvez fosse a resposta aos momentos em que o sufocamento já estava sendo assimilado.

Havia mais que um trilema. Contigo não conseguiria unicidade. Contigo nem o plural se harmonizaria, e eu viveria para sempre desconfortável em mim mesmo. Seu perdão nunca viria e meu ódio, por mais que o suplantasse, ficaria como semente incerta, que poderia expandir raízes, esparramando limitações até que explodisse.

Cada dia eu matava um de mim e os corpos ficavam à superfície do meu fígado, causando-me refluxos. Chega. Se escrevo agora, é para fulminar o resto que a minha bile ainda reservava, pois almejo que nas minhas noites você não ressurja com suas variações. E eu continuo aqui, leão, leal aos meus princípios, rugindo na minha selva chamada coração. Não sei se de pedra, mas não estou disposto a apedrejar, senão a fim de ser folha velha solta no tempo até um dia encontrar a função de ser adubo.

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  1. O coração sempre presente nos escritos, ficcionais ou não, do poeta. E poderia haver poeta sem coração? Parabéns, Leo. Francisco Gil Messias.

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  2. Que maravilha de texto, quando o poeta desnuda seu coração. Ratifico as palavras do poeta Gil Messias , "e poderia haver poeta sem coração?"

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