“Não há análise sem um enigma formulado pelo analisante sobre ele mesmo”.
Em Análise, de Vera Iaconelli (Zahar, 2025), a escritora e psicanalista envereda pelo relato autobiográfico, permeado por memórias familiares, reflexão psicanalítica profunda, guiada por sua jornada de anos no divã. Um exercício raro de autoanálise literária, costurando memória, teoria e clínica em uma narrativa que combina confissão, reflexão e elaboração.
Em seu percurso de análise pessoal, a autora conta que o motor inicial foi a busca desesperada por um adulto confiável e a tentativa de se aproximar de um irmão falecido, que estudava psicologia. No entanto, Iaconelli rapidamente desmistifica essa narrativa, mostrando
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Iaconelli destrói a expectativa do divã como um "Procon" para queixas ou um lugar de absolvição. O cerne da análise, na sua perspectiva, reside na capacidade do analisando de se implicar em sua própria queixa, cessando a repetição infindável de versões e interpretações sobre o trauma.
No plano literário, Análise se destaca pela construção fragmentada e ensaística, em que as cenas de hospital, infância e consultório se alternam num fluxo de consciência que espelha o próprio trabalho analítico: cada lembrança puxa outra, cada interpretação abre novas camadas.
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Vera Iaconelli, psicanalista e doutora em Psicologia.
Segundo Iaconelli, o fim da análise não traz a utopia de uma "pessoa melhor, mais completa e realizada", mas o "vazio tremendo" e a "decepção necessária". O sujeito se depara com a liberdade de inventar a própria vida, assumindo o risco e o preço de seu desejo, no "olho do furacão".
Análise é um trabalho corajoso, eticamente rigoroso e literariamente envolvente. Não se trata de um manual sobre psicanálise, mas de um testemunho sobre o que significa se colocar em análise, com todas as implicações afetivas, políticas e existenciais que isso envolve. É uma obra para quem busca entender a difícil tarefa de se responsabilizar pelo próprio desejo.























