Mostrando postagens com marcador José Leite Guerra. Mostrar todas as postagens

Seu Lau e d. Rita moravam numa ponta de rua sem saída. Menino ainda, eu jogava bola de gude na rua sem calçamento. A turminha do burac...

cronica casal musico relacao conjugal
Seu Lau e d. Rita moravam numa ponta de rua sem saída. Menino ainda, eu jogava bola de gude na rua sem calçamento. A turminha do buraco. Gostávamos do espaço da nesga de rua fronteiriço à casa do casal porque era molhada, fofa por um cano soltando água utilizada por Nevita.

Nem se pensava em saneamento. Vinham detritos (os menos desejados e imundos )que escorriam pela ruela enladeirada na maior naturalidade do mundo. Ninguém era tolo para reclamar. O amante de Nevita puxava o revólver e berrava impropérios contra quem se atravesse a abrir o bico ou ameaçar denúncia.

Ela se encantava com o rosto de uma atriz que aparecia na telinha da tevê. Deixava tudo que tinha a fazer e se postava na poltrona, a ...

inveja vocacao relacionamento casal
Ela se encantava com o rosto de uma atriz que aparecia na telinha da tevê. Deixava tudo que tinha a fazer e se postava na poltrona, a olhar a jovem que estava representando por trás do vídeo.

O marido chegava cansado, entrava no banho, cantava seu bolero, vinha à mesa, punha o café e ela entretida com as cenas nem o percebia. Os olhinhos cravados na imagem, procurava imitar o sorriso, os gestos, uma moganga em repuxar os lábios. Um treino diário de que não abria mão, jamais, cada santo dia.

Houve o modismo musical do acordeão. Rara a menina não frequentadora da Escola “Mário Mascarenhas” que se espremia num daqueles becos...

nostalgia cronica sanfona acordeon
Houve o modismo musical do acordeão. Rara a menina não frequentadora da Escola “Mário Mascarenhas” que se espremia num daqueles becos laterais da Miguel Couto e administrada pela competente d. Ozires Botelho Viana. Minha prima Vitória Maria fazia o curso. Ela e as colegas de geração se uniam, umas nas casas das outras, se alternando, a pauta sobre o tripé, os foles murmurando valsas, forrós, boleros. Lembro-me da marca preferida: “Scandalli”, branco, teclado e baixos manejados com orgulho pelas alunas.

Em cidades da Europa os bondes percorrem paços e ruas estreitas. Não trazem transtornos ao trânsito, seguem vagarosos sobre a rota dos t...

trem bonde joao pessoa paraiba
Em cidades da Europa os bondes percorrem paços e ruas estreitas. Não trazem transtornos ao trânsito, seguem vagarosos sobre a rota dos trilhos. Não há competição, conforme me disseram, entre os automotores e os românticos meios de transporte serenos e ruidosos, sempre apreciados e cheios de passageiros.

No tempo das marmotas circulando pelo Ponto Cem Réis nas manhãs de domingo de Carnaval, havia a espontaneidade marcando o ponto e o pas...

carnaval folia paraiba joao pessoa
No tempo das marmotas circulando pelo Ponto Cem Réis nas manhãs de domingo de Carnaval, havia a espontaneidade marcando o ponto e o passo. E o aguaceiro sacudido mesmo em quem era alérgico à folia. Saíam impropérios e as risadas ecoavam na matinal da irreverência. Faziam mingau de farinha de trigo e sacudiam nas cabeças bem penteadas; papa nos festejos momescos: um mingau improvisado na brincadeira que durava até o meio do dia com entrada na tarde.

Chegou com algumas ferramentas. Em roupas desgastadas, se aproximou de um canteiro da praça: iniciou a labuta. As flores sorridentes pe...

jardim viagem flores
Chegou com algumas ferramentas. Em roupas desgastadas, se aproximou de um canteiro da praça: iniciou a labuta. As flores sorridentes pelo trato. As plantas dançando na chuva dos respingos do aguador. Manhã de sol, gente observando a atitude do jardineiro. Seria algum funcionário da prefeitura local?

Poema para a mulher Às muheres de minha vida: Emília Guerra (minha esposa), Josemília de Fátima, Terezanísia e Hebe (m...

poesia paraibana jose leite guerra
Poema para a mulher
Às muheres de minha vida: Emília Guerra (minha esposa), Josemília de Fátima, Terezanísia e Hebe (minhas filhas) e Maria Emília (neta) com um beijo carinhoso de marido, pai e avô
Para que se escreva Um poema à mulher Necessário se faz Saber a feminilidade Preciso é decifrar A alma feminina Fechada a sete chaves Aberta em sua fina Meiguice sem entraves

Quem poderia supor que página de jornal amassada formasse assunto para se utilizar numa crônica? Você afirmaria? Um coletor de papel, ...

Quem poderia supor que página de jornal amassada formasse assunto para se utilizar numa crônica? Você afirmaria? Um coletor de papel, suado em suas dificuldades, roupa por lavar, barba grande; achou de mexer em uma lixeira quando se deparou com um saco plástico inchado de papelório. Para ele, como se fora ouro: assegurava seu sustento.

Pôs-se a retirar as folhas impressas. Antes de levar os papéis para vender na reciclagem, em casa, lia as notícias, crônicas, artigos, até uma vista pelos chamados “pequenos anúncios”.

Tinha um cacoete. Sacudia a cabeça, fungava, e dava um berro de cabra. Muitos o consideravam louco, outros catimbozeiro. Servidor púb...

janio quadros atrapalhado
Tinha um cacoete. Sacudia a cabeça, fungava, e dava um berro de cabra. Muitos o consideravam louco, outros catimbozeiro.

Servidor público aposentado, vivia pelas ruas centrais, Ponto Cem Réis. Dizia ter sido chefe da casa civil do presidente Jânio Quadros. Puxava a miniatura de uma vassoura, símbolo marcante da campanha do folclórico Chefe da Nação Brasileira de mandato meteórico. Forças ocultas, como disse no discurso de despedida, não o deixaram continuar.

Escutei o soar do triângulo e corri a ver. Carregando ao lado do ombro um tambor, avisando a passagem pela rua dominical de uma saudad...

cavaco chines nostalgia gastronomia popular
Escutei o soar do triângulo e corri a ver. Carregando ao lado do ombro um tambor, avisando a passagem pela rua dominical de uma saudade da infância. Aquela sonoridade que acabou, pensava eu, volta resistente pelo corredor despido de pessoas, naquela tarde fagueira sem laranjais.

Não tive a honra e o prazer de ser aluno do Prof. Flóscolo da Nóbrega. Cheguei a conhecê-lo abatido, magérrimo, mumificado em vida. Logo d...

floscolo nobrega edgardo soares faculdade direito paraiba cronica nostalgia humor
Não tive a honra e o prazer de ser aluno do Prof. Flóscolo da Nóbrega. Cheguei a conhecê-lo abatido, magérrimo, mumificado em vida. Logo depois, partiu e deixou um vácuo no ensino da “Introdução ao Direito”.

Saída da calourada, nossa turma foi recebida pelo inesquecível Prof. Edigardo Soares que andava ereto, postura elegante. Conforme ele mesmo dizia, era por conta de um desvio na coluna. Foi o próprio saudoso Prof. Edigardo Soares que nos contou, num desses saborosos amenos, no recreio, duas passagens antológicas do velho e respeitado Flóscolo da Nóbrega. Este sisudo, reservado, ateu e admirador de Santo Agostinho.

Um vendaval soprou na vida dele. Começou a rever, no reflexo e reflexão da sua maior intimidade dentro da qual somente Deus tinha acesso, ...

conto solidao crespusculo jose leite guerra
Um vendaval soprou na vida dele. Começou a rever, no reflexo e reflexão da sua maior intimidade dentro da qual somente Deus tinha acesso, que tudo se desata. Ficava observando as perdas e ganhos. Os meninos soltavam pipas (ainda sem o uso do cerol assassino), os papagaios devassando em cores variadas no céu claro. Ele contava histórias de lobisomem e o dinheiro guardado na carteira. Tudo se desata: antes, ainda criança, jovem, moço, despedia os aconselhamentos da avó.

A casa na Almirante Barroso, abrigo do médico, humanista, culto, simples. Cheguei por lá, em verde juventude, o abraço largo. Nas prazer...

oscar de castro
A casa na Almirante Barroso, abrigo do médico, humanista, culto, simples.

Cheguei por lá, em verde juventude, o abraço largo. Nas prazerosas cadeiras de balanço, começamos a conversa. Havia nele uma dimensão de transcendência e de acolhimento naturais encarnados em seu ser de agradável cosmopolitismo que se espraiava pelos problemas gerais. A noite esplêndida, enxuta: no céu o fruto branco da lua madura.

Os sinos mudos e a rabeca de Elísio soltando notas gaguejadas. A igreja pequena onde fora batizado e recebera outros sacramentos, incluind...

lapinha namoro folclore conto cronica
Os sinos mudos e a rabeca de Elísio soltando notas gaguejadas. A igreja pequena onde fora batizado e recebera outros sacramentos, incluindo o matrimônio celebrado quando o noivo havia dobrado o cabo das tormentas com a noiva paciente. O templo antigo, em ruínas, o mato subindo pelas paredes rasgadas por estragos do tempo. O casal estava cansado, morando na mesma casa, herança do pai de Zizinha, sem atropelos de inventário mastigado, pois ela, a herdeira era filha única.

O que mais me inquietava (talvez mais do que a ele) era a postura na cadeira de rodas. Em pleno passeio e caminhadas na praça. Cooper, o c...

convivio urbano praca cadeirante portador necessidade
O que mais me inquietava (talvez mais do que a ele) era a postura na cadeira de rodas. Em pleno passeio e caminhadas na praça. Cooper, o cientista idealizador do exercício em bater pernas sem destino certo, marcando o passo na passarela do relógio ou cronômetro, duas, três voltas circulantes ou dispersas por becos e ruas, não pensou nos imobilizados.

Quando somos crianças, as horas são preguiçosas. O tempo é imperceptível. Armamos nossos presentes com arcos e pedaços de invisíveis faze...

infancia brincadeira infantil desigualdade injustica social
Quando somos crianças, as horas são preguiçosas. O tempo é imperceptível. Armamos nossos presentes com arcos e pedaços de invisíveis fazeres. Não temos a constante preocupação que embaraça os adultos, os maduros, que se vergam à cronometragem de afazeres. Nossos espaços são longos. Em quaisquer classes sociais, a infância é um brinquedo; a vida parece não correr e o sono noturno traz a tranquilidade deitada em sonhos.

Quanta coisa boba pode gerar um texto! A lembrança de meu gato de infância. É raro quem, durante os rápidos verdes anos, não tenha pos...

gato mascote nostalgia amor animais
Quanta coisa boba pode gerar um texto! A lembrança de meu gato de infância. É raro quem, durante os rápidos verdes anos, não tenha possuído um talismã vivo: gato, cachorro, papagaio.

Meu gato ou o bichano da casa era negrinho, retinto como se pintado de piche. Os olhos amarelos, flutuantes, invasivos. Um miado estranho. Certamente era poliglota, pois a tonalidade variava, e, não sei se por fantasia infantil ou besteira de criança, conversava comigo.

Nunca mais vi Nadege. Nome pouco comum, não? Pois a conheci, há tempo; morava no final da Rua da República. Foi ela a responsável pela ave...

cronica nostalgia escrever poemas
Nunca mais vi Nadege. Nome pouco comum, não? Pois a conheci, há tempo; morava no final da Rua da República. Foi ela a responsável pela aventura, digamos oficial ou oficiosa, da erupção de meu primeiro poema.

Erupção mesmo, posto haver um vácuo profundo, uma cratera de criatividade que nunca explorara. Somente lia os augustos anjos versejadores, dentro do paraíso ou parnaso literário dos livros didáticos.

Nem todos entendem florinês. Dialogar com as flores viventes em plurais recantos onde elas habitam, pequeninos jarros, entre rachões de mu...

Nem todos entendem florinês. Dialogar com as flores viventes em plurais recantos onde elas habitam, pequeninos jarros, entre rachões de muros e pedras do assoalho das ruas. O jardineiro sabe segredos em plantá-las, apalpa o solo e sente quando bronco, petrificado, com calombos repelentes a raízes.

Minha tia Nininha sublimava a solteira, fazendo brotar o instinto materno nas florinhas e plantas que sua mão tocava. Parecia fada com vara de condão: plantou, pegou. Enchia ela de multicolores variações áridas áreas esturricadas: terras despidas, virginais, onde um sapo ou invasoras formigas se estabeleciam. Sobre elas despejava os fios d’água saídas pelos orifícios miúdos dos regadores. As flores sorriam alegres, criavam alma nova. Ou existe alguém duvidando da alma de flores? A fragrância delas é transcendente. As flores são vivas saídas de um suspiro de Deus sobre a Criação infinitamente derramada. Quem olhar com o espírito aberto à harmonia, certamente confundirá estrelas com flores prateadas pisca-piscantes.

Fácil capturar uma borboleta ou apanhar uma flor. Marisa vivia naquele mundo. Nunca se interessara por estudar: as irmãs, fazendo pós-grad...

literatura paraibana poesia rivalidade relacionamento inveja familiar irmaos sucesso vida
Fácil capturar uma borboleta ou apanhar uma flor. Marisa vivia naquele mundo. Nunca se interessara por estudar: as irmãs, fazendo pós-graduação, levavam grossos volumes, consultavam internet, passavam noites acordadas para subirem na vida.

Elogiadas pela família, o pai vendera uma fazenda, a fim de vê-las no cume. Marisa era o patinho feio, considerada uma medíocre, dada a receitas culinárias anotadas num caderno, preparando o bolo do fim de semana. No dia em que as estudiosas alcançaram o diploma, foi festa até o clarear do dia. Muita gente compareceu para cumprimentos, elogios, exaltações.