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A rua onde a rapaziada ia em busca de caçar borboleta ficava no centro. As casas se equilibravam em desalinho, roupas estendidas nos v...

cabare bordel nostalgia
A rua onde a rapaziada ia em busca de caçar borboleta ficava no centro. As casas se equilibravam em desalinho, roupas estendidas nos varais, principalmente lençóis encardidos, tomando sol forte ou a fresca do dia seco.

Praticava halterofilismo. Era neto de um campeão de luta livre. Sangue puro. Vencendo as discórdias da família que o queria numa rinha...

cronica conto halterofilista
Praticava halterofilismo. Era neto de um campeão de luta livre. Sangue puro. Vencendo as discórdias da família que o queria numa rinha de paz, insistia em levantar a taça, qual galo de briga criado pelo tio, a fim de fortalecer o moral da raça. Eram pobres, humilhados, embora honestos.

A vida de Bastião não era um poço, mas uma cascata. Sonhava com tudo e em galgar posições restritas a quem já chegara ao topo da pirâmi...

conto relacao pai filho loteria
A vida de Bastião não era um poço, mas uma cascata. Sonhava com tudo e em galgar posições restritas a quem já chegara ao topo da pirâmide social. Nunca se acostumou com o miserê em que se criara.

Era gordo. Nem tão balofo como se pode imaginar. Mas sobrado em banha. Pelo que soubesse, encantado com a cozinha. Empilhara algumas...

sopa higiene culinaria cronica bom humor
Era gordo. Nem tão balofo como se pode imaginar. Mas sobrado em banha. Pelo que soubesse, encantado com a cozinha. Empilhara algumas caçarolas de alumínio, outras de barro paradas no chão batido. Logo após terminar a construção da média barraca de madeira agarrada ao muro exterior da fábrica de refrigerantes, veio nos pedir água e começar a amizade conosco.

Quanto relógio de pulso ou mais antigos, de parede, abrira com percepção cirúrgica! Com o socorro do monóculo ia desvendando com um ...

relogio tempo relojoeiro
Quanto relógio de pulso ou mais antigos, de parede, abrira com percepção cirúrgica! Com o socorro do monóculo ia desvendando com um estilete as entranhas do aparelho de marcar o tempo. Puxava pedacinhos minúsculos, quase invisíveis a olho nu e encontrava o defeito que impedia o bom desempenho do relógio. Sorria feliz. Às vezes, um simples ajuste ou uma pilha vazando, algo simples até o colapso fatal da máquina. “Só outro, meu caro!” O dono quedou tristonho: um presente de aniversário que comemorava cinquenta anos...

Trabalhei com Dr. Lucas Suassuna, irmão do imenso escritor Ariano Suassuna, na Assessoria Jurídica da Universidade Federal da Paraíba...

virtude fusca azul gratidao
Trabalhei com Dr. Lucas Suassuna, irmão do imenso escritor Ariano Suassuna, na Assessoria Jurídica da Universidade Federal da Paraíba (departamento extinto, há tempo). Ele nos considerava colegas, no mesmo nível dele, nosso chefe. E nós, eu, Luiz Graciano Cabral, de saudosa memória, éramos aprendizes, recém- saídos do forno do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais (era o nome oficial e pomposo do Curso de Direito da velha Faculdade, cujo prédio histórico ficava na Praça João Pessoa). Dr. Lucas era um homem simples, sem se deixar coroar por petulância de cargo e outras medíocres miudezas.

Não me venham confundir o papagaio com o “Urubu Malandro” composto por Pixinguinha. O choro do mestre é obra prima. Pixinguinha, como ...

papagaio agiota cronica paraibana
Não me venham confundir o papagaio com o “Urubu Malandro” composto por Pixinguinha. O choro do mestre é obra prima. Pixinguinha, como sabem, faleceu, em estado de graça, ao participar de um batismo. O Brasil lamentou, chorou a perda do grande compositor e músico.

Postava-se à balaustrada do largo terraço. A casa era folgada. Geralmente, usava um vestido amplamente enfeitado de laços, um diadema...

cantora soprano poesia
Postava-se à balaustrada do largo terraço.

A casa era folgada.

Geralmente, usava um vestido amplamente enfeitado de laços, um diadema faiscante, enfim indumentária que nos levava a cigana perdida.

Absolutamente normal: aquele desconhecido passa levando o cachorro de estimação e um periquito ao passeio matinal. O cachorro pequerruc...

cachorro praça
Absolutamente normal: aquele desconhecido passa levando o cachorro de estimação e um periquito ao passeio matinal. O cachorro pequerrucho tem o hábito de cheirar o chão, instintivamente, à procura de uma pista. O periquito pousado ao ombro, dormitando, ao balanço das passadas do condutor. Este se mostra feliz em proporcionar aos bichinhos de estimação o sol morno, trajeto pela pracinha.

A última vez que me deparei com Monsenhor Pedro Anísio foi na Igreja de Lourdes, ali nas Trincheiras. Velhinho, abençoando no vazio, na...

joao pessoa antiga
A última vez que me deparei com Monsenhor Pedro Anísio foi na Igreja de Lourdes, ali nas Trincheiras. Velhinho, abençoando no vazio, na tarde quente, os diversos recintos. Balbuciava orações, traçando o sinal da cruz como que a exorcizar. Exorcizar o invisível. O crucifixo grande, Jesus paralisado na imagem de sofrimento: contemplando a pintura ensanguentada, em cada detalhe, silencioso, ele talvez estivesse em exercício penitencial; dobrava o corpo combalido, os joelhos atravancados pela artrose,

Havia o cabide e nele, quais morcegos, as roupas esfarrapadas dependuradas. O relógio marcava o embranquecer da vida em cabeleiras mal...

nostalgia cronica recordacoes
Havia o cabide e nele, quais morcegos, as roupas esfarrapadas dependuradas. O relógio marcava o embranquecer da vida em cabeleiras mal penteadas do casal que perambulava, sem ter o que fazer, pelos recantos da moradia pobre. Casaram-se todos os moleques que tiveram, levaram suas vidas para terras distantes, deixando uma vacuidade. Somente um rádio de pilhas tocava: cantigas de viola, nas tardes que se iam amolecendo até tudo puxar uma escuridão que estendia seu corpo pelo pequeno sítio onde habitavam.

Havia um concerto naquela mulher miudinha. Ela dava aos fregueses de seu trabalho artesanal sorriso quase constante. A risonha meio-ido...

artesanato bordado
Havia um concerto naquela mulher miudinha. Ela dava aos fregueses de seu trabalho artesanal sorriso quase constante. A risonha meio-idosa, simplicidade das flores de prado, trabalhava a criação de universo de arames retorcidos, panelas pintadas, toalhas de mesa bordadas.

Cruzando a 1817, pela parte de cima, colega e amigo de pré-adolescência, eu o vi: quase não reconheci de tão fustigado pela magreza. ...

bem-te-vi cancer amizade encontro
Cruzando a 1817, pela parte de cima, colega e amigo de pré-adolescência, eu o vi: quase não reconheci de tão fustigado pela magreza. Será ele mesmo? Fui ligeiro conferir. Era. Veio alargado em abraço. Portava desagradável surpresa. Baixei os olhos aflitos sobre a calçada, após escutar dele a notícia devastadora. Estava canceroso.

O caderno de desenho sobre a carteira. Tempo de primário, lápis apontados, desenhos por colorir. Figuras diversas: bichos, gente, coisa...

criança escola palhaço
O caderno de desenho sobre a carteira. Tempo de primário, lápis apontados, desenhos por colorir. Figuras diversas: bichos, gente, coisas. Um navio ancorado. A professora, circulando a voz fanhosa entre nós, tocou a ponta da unha no navio ancorado: pinte, menino.

Eis que uns pingos de chuva apanhados por mim me deixaram posto a sossego. O corpo dolorido como se houvera sido surrado, além da chuva...

medicina natural cura
Eis que uns pingos de chuva apanhados por mim me deixaram posto a sossego. O corpo dolorido como se houvera sido surrado, além da chuva travessa, uma tempestade de sola da popa à proa. O jeito foi me render.

Eu, historicamente, sujeito à amigdalite crônica, comecei a padecer a febre em braseiro, a rouquidão me fazendo assoviar pelas cordas vocais. Não quis incomodar o saudoso Ugo Guimarães , nem meu ex-colega de bancos ginasianos, o competente otorrinolaringologista Antônio Carvalho.

Nunca executara aquela cantiga do bom ouvir em planícies nem desertos. Porque o cantar já não lhe apetecia ou o uivo imenso de um lobo ...

cronica paraibana velhice solidao
Nunca executara aquela cantiga do bom ouvir em planícies nem desertos. Porque o cantar já não lhe apetecia ou o uivo imenso de um lobo isolado em suas meditações impedia imitar o passarinho engaiolado perto do quarto. O quarto onde curtia dores martelando na bigorna de seus ferimentos. Tanto trabalhara no roçado, as mãos inchadas, os pés rachados, a face riscada de rugas pela inclemência do sol. Escutava, ao longe, a sanfona tocada pelo compadre, o fole puxando o forró que ficara famoso nos fins de semana.

Na lateral do edifício revestido de pastilhas verdes, umas plantas ornamentais na calçada lateral. Bonitas: esparramadas, em forma de ...

jardinagem condominio
Na lateral do edifício revestido de pastilhas verdes, umas plantas ornamentais na calçada lateral. Bonitas: esparramadas, em forma de flechas pontiagudas. Traziam problemas, posto crescerem rapidamente, e serem abrigo de ratos vadios e cobras. Foi encontrada uma coral perigosa. Um dos moradores sugeriu substituí-las por outra: “comigo-ninguém-pode”. Logo se opuseram; ninguém evitou o desmaio de uma das moradoras. Perdeu o filho caçula, menino ainda, que mastigou pedaço da folha assassina. Passado o alvoroço, os demais condôminos concordaram em desistir da pretendida e molesta substituição. Ficaram silenciosos por falta de descobrir a sucessora herbácea decorativa.

As desativadas estações ferroviárias do interior. Cachos de matos assanhados, flores tímidas, montanhas feitas pelas formigas entre as...

historia paraiba rede ferroviaria abandono
As desativadas estações ferroviárias do interior. Cachos de matos assanhados, flores tímidas, montanhas feitas pelas formigas entre as paralelas dos trilhos calados. Pela plataforma, sopram ventos indefinidos quais fantasmas de antigos passageiros que arrepiam as horas do sininho que comandava a partida eletrizante dos vagões. A correria dos que chegavam apressados carregando suas emoções nas maletas e embrulhos de jornal. A saudade ainda aguarda que os trens voltem a animar os carregadores com seus chapéus cocos, os chapeados.

Sob a marquise, espalhados em trajes maltratados, o homem, a mulher e os filhos. Um pano estirado sobre a calçada. Havia respingos a...

maternidade desigualdade
Sob a marquise, espalhados em trajes maltratados, o homem, a mulher e os filhos. Um pano estirado sobre a calçada. Havia respingos a chorar a diminuição do temporal que se abatera sobre a cidade. Comeram um pão dividido entre todos, canecas de alumínio de café frio. As crianças sujas, chorando de fome, não se satisfizeram com o desjejum.

Não tive coragem de me aproximar, mas o dono da pequena loja protegida pela aba da marquise me contou que os deixara ali porque os outros comerciantes os rejeitaram. Muitos protestavam pela falta de higiene,

Faz bem se ele resolver sair, nesta chuva que escorre rápida pelos regos e açoita vidraças. Precisa comprar o presente para o aniversár...

conto perda fatalidade
Faz bem se ele resolver sair, nesta chuva que escorre rápida pelos regos e açoita vidraças. Precisa comprar o presente para o aniversário do próximo sábado. A bota que gostava de usar está com cicatrizes de remendos. Ainda trocou o pijama azul pelo casaco de couro, ficou pestanejando, a olhar as bátegas caírem com estrondo, enquanto a mulher, o rapaz e a moça, friorentos, se agasalhavam nos quartos e nos cobertores. Ninguém desejava que ele saísse numa tarde daquelas balançada pelo toró ameaçador em permanecer noite adentro. Não queria deitar-se, embora escutasse o apelo da família enrodilhada nos abrigos domésticos.