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Logo depois de O SOM AO REDOR, ainda em 2010, fui convidado a trabalhar como ator em ERA UMA VEZ EU, VERÕNICA, do Marcelo Gomes – célebre...

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Logo depois de O SOM AO REDOR, ainda em 2010, fui convidado a trabalhar como ator em ERA UMA VEZ EU, VERÕNICA, do Marcelo Gomes – célebre autor de CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS. Para me preparar e à Hermila Guedes, o jovem cineasta Pedro Freire foi chamado do Rio e teve um trabalho enorme pra que eu deixasse de lado o personagem – gozador rico e abusado – do filme do Kleber Mendonça Filho, pra me tornar o doente terminal que sustentava o curso de medicina da filha com bicos de contador.

1 Santos Dumont, ao construir o 14-bis — não havendo, na época (evidentemente) motores para aviões —, serviu-se de um Antoinette V-8, cri...

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Santos Dumont, ao construir o 14-bis — não havendo, na época (evidentemente) motores para aviões —, serviu-se de um Antoinette V-8, criado por Léon Levasseur, no ano anterior, para barcos de corrida.
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Em 1941, o engenheiro suíço George de Mestral intrigou-se com a forma com que carrapichos grudavam nas pernas de suas calças. A partir de observação ao microscópio, notou que o desgraçado é cheio de pequenos ganchos e, ao atentar para as roupas em que ele sempre... se enganchava, o homem sacou que os tecidos são sempre compostos de enorme quantidade de laços, daí que a hastezinha grudava no pano. E assim surgiu o... velcro.

Eu tinha 13, 14 anos quando meu pai me deu o livro “Primeiro Encontro com a Arte”, da Melhoramentos, do alemão-depois-baiano Karl-Heinz Ha...

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Eu tinha 13, 14 anos quando meu pai me deu o livro “Primeiro Encontro com a Arte”, da Melhoramentos, do alemão-depois-baiano Karl-Heinz Hansen, com fotos de quadros famosos de vários museus do mundo. De repente dou com um autorretrato de Rembrandt, do... Museu de Arte de São Paulo – o MASP, a uma hora de trem ou de ônibus de Sorocaba. De tanto insistir, mandaram minha irmã Wilma - então jovem e muito bonita, que perdi há não muito tempo com 88 anos – que me levasse.

Datilografei meus primeiros romances – nos anos 70 - e algumas peças de teatro – nos anos 80. Os filmes de que participei como ator, naq...

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Datilografei meus primeiros romances – nos anos 70 - e algumas peças de teatro – nos anos 80. Os filmes de que participei como ator, naquele tempo - O Salário da Morte (de 69 ), Fogo Morto e Soledade ( de 76 ) não tiveram som direto, por isso eu e a maioria dos atores fomos dublados no Rio. Os comerciais que criei pra TV eram feitos em 16 milímetros e levados ao Recife, pois não havia o vídeo e não tínhamos emissoras locais.

O quadro " Intervalo" - de Edward Hopper -, que ilustra este texto, capta o vazio que já senti tantas vezes entre duas sessões ...

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O quadro " Intervalo" - de Edward Hopper -, que ilustra este texto, capta o vazio que já senti tantas vezes entre duas sessões de cinema, ansiedade que não conseguiria definir melhor do que Bráulio Tavares num de seus extraordinários artigos do Jornal da Paraíba, que cito de memória:

Não há o que mais me impressione no ser humano do que vê-lo pintando bisontes e mamutes nas paredes e tetos das cavernas, há 15 mil, 30 mi...

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Não há o que mais me impressione no ser humano do que vê-lo pintando bisontes e mamutes nas paredes e tetos das cavernas, há 15 mil, 30 mil anos. Talvez por isso, a primeira forma de arte que encarei tenha sido a pintura e, antes dela, o desenho. Posaram para mim o meu avô, meu pai, mãe e irmãos.

O momento que vivemos no país me levou ao Minory Report , que Spielberg lançou em 2002. O brasileiro Miguel Angelo Laporta Nicoelis , que ...

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O momento que vivemos no país me levou ao Minory Report, que Spielberg lançou em 2002. O brasileiro Miguel Angelo Laporta Nicoelis, que foi o primeiro cientista a receber, no mesmo ano, dois prêmios dos Institutos Nacionais de Saúde estadunidenses, o primeiro brasileiro a ter um artigo publicado na capa da revista Science, e que lidera um grupo de pesquisadores da área de Neurociência na Universidade Duke, Durham (Estados Unidos), disse, ante os mais de 350 mil mortos pela covid 19 no Brasil, que “podemos chegar a 500 mil na metade do ano”.

Minority Report:

“No ano de 2054, há um sistema que permite que crimes sejam previstos com precisão, o que faz com que a taxa de assassinatos caia para zero”.

Nicolelis fala, portanto, como um dos três chamados Precogs, que "previsualizam" crimes , recebendo visões do futuro, uma delas, a de que Anderton (Tom Cruise) vai assassinar um homem chamado Leo Crow – que ele sequer conhece - em 36 horas.

Isso me remete, por sua vez, ao “Édipo Rei”, de Sófocles, em que o oráculo de Delfos prediz que ele matará o pai e se casará com a mãe, o que significa que – em 429 a.C e no ano 2054 – continuamos com o velho problema envolvendo Liberdade e Determinismo.

Anderton, no entanto, fica sabendo que um dos Precogs tem uma visão diferente dos outros dois, um "relatório minoritário" - o Minority Report do título - de um possível futuro alternativo.

A vida imita a arte:

Alessandro Vieira, Jorge Kajuru e outros senadores cobram de Rodrigo Pacheco – presidente do Senado - a instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) , destinada a investigar as ações do governo no combate à pandemia de coronavírus.

Mas…

Pacheco – que deve o cargo a Bolsonaro - reiterou que o momento atual não favoreceria a abertura da comissão parlamentar de inquérito e que aguardaria a posição do STF sobre o pedido apresentado à Corte pelos senadores. E é informado pelo senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) sobre decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, que determinou a instalação da CPI.

Falei em Édipo, em Precog, em Nicolelis, no STF, no Pacheco. Leiam isto:

Mateus 13, 13-15:

- Por essa razão eu lhes falo por parábolas: "Porque vendo, eles não veem e, ouvindo, não ouvem nem entendem”.

Neles se cumpre a profecia de Isaías:

"Ainda que estejam sempre ouvindo, vocês nunca entenderão; ainda que estejam sempre vendo, jamais perceberão. Pois o coração deste povo se tornou insensível; de má vontade ouviram com os seus ouvidos, e fecharam os seus olhos. Se assim não fosse, poderiam ver com os olhos, ouvir com os ouvidos, entender com o coração e converter-se, e eu os curaria”...

No gigantesco poema que é A Catedral de Colônia, o imenso poeta que é o Affonso Romano de Sant´Anna - com todos os seus efes e enes - diz ...

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No gigantesco poema que é A Catedral de Colônia, o imenso poeta que é o Affonso Romano de Sant´Anna - com todos os seus efes e enes - diz ser natural que no país de catedral tão magnífica, florescessem pensadores como Nietzsche, Kant, Heidegger, Schopenhauer. "Mas eu queria/ era ver/ o nada / nascer /do nada". "Queria ver/ era ali/ no Catolé do Rocha e Nanuque".

É fascinante pensar que um grande poeta, cronista e pensador como Affonso Romano de Sant´Anna, que deu aulas sobre o romance de minha auto...

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É fascinante pensar que um grande poeta, cronista e pensador como Affonso Romano de Sant´Anna, que deu aulas sobre o romance de minha autoria "A Verdadeira Estória de Jesus", assistidas pelo nosso Chico Viana, em doutorado no Rio, que leu meu Relato de Prócula enquanto viajava para o Peru, que me estimulou enormemente quando leu meu poema longo "Trigal com Corvos", que vibrou com minhas participações em "O Som ao Redor" e "Era Uma Vez Eu, Verônica", e que até tentou – sem sucesso – conseguir publicação de meus livros na França – escreveu algo como "Barroco – do Quadrado à Elipse"

Sabemos que nossos olhos são sensíveis apenas à faixa estreita do espectro entre o infravermelho e o ultravioleta, que vemos um ângulo d...

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Sabemos que nossos olhos são sensíveis apenas à faixa estreita do espectro entre o infravermelho e o ultravioleta, que vemos um ângulo dos objetos de cada vez, que nossos parâmetros do que é grande e pequeno são relativos. Sabemos que o resultado é que construímos um mundo fantasma em nossa mente, nada semelhante ao que se poderia chamar de real, distorção de que nos vamos dando conta aos poucos, através dos avanços da ciência e tecnologia, da nanomedicina, dos microscópios iônicos,

A mãe, nenê no ninho, olha, no espelho – com muito carinho – a bela boca nada neutra, pronta pr´outra. quem não vê, numa fábula de Esop...

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A mãe, nenê no ninho, olha, no espelho – com muito carinho – a bela boca nada neutra, pronta pr´outra.

quem não vê, numa fábula de Esopo, a versão... virtual.. de um filme de animação?

Em 1705, Johann Sebastian Bach viajou 400 km, de Arnstadt a Lübeck, a pé, para conhecer seu ídolo Buxtehude, o que mostra que não sou tão ...

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Em 1705, Johann Sebastian Bach viajou 400 km, de Arnstadt a Lübeck, a pé, para conhecer seu ídolo Buxtehude, o que mostra que não sou tão doido, pois em 68 viajei mais do que ele (452 km), de Pombal, no alto sertão paraibano, onde morava, até o Recife, para ver o filme 2001 – a maior das várias obras-primas de Kubrick – mas no meu fusca.

Ao ler a série de contos de “Confissões de um Anjo da Guarda” (Bertrand Brasil, 2008), de Carlos Trigueiro, autor de outras obras marcantes...

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Ao ler a série de contos de “Confissões de um Anjo da Guarda” (Bertrand Brasil, 2008), de Carlos Trigueiro, autor de outras obras marcantes, como o “Livro dos Desmandamentos”, “O Clube dos Feios” e o “Livro dos Ciúmes”, voltei a me encantar com seu estilo denso, amargo, enxuto, sarcástico, e a me intrigar com o que acabei percebendo ser um de seus sestros de notável artífice da palavra: o uso recorrente da enumeração como forma de ampliação visual e conceitual dos relatos.

Enumeração:

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Tom Jobim
Acho que todo mundo conhece o poema “Isso é aquilo”, do livro “Lição das Coisas”, produto de Drummond já maduro, onde ele se limita a uma longa fila de versos que começa com “o fácil o fóssil / o míssil o físsil” e termina com “O cudelume Ulalume / o zunzum de Zeus / o bômbix / o ptyx”. Cada palavra colocada ali tem uma relação sonora com as demais, porém sempre com outro sentido, provocando, pelo acúmulo, um efeito poético extraordinário.

Em Águas de Março, Jobim segue a mesma trilha:

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá candeia, é o Matita-Pereira.

Trigueiro diz, de seu anjo Mahlaliel, que ele se viu obrigado a abrir mão de “trajes, acessórios, espaços, regalias, imagem, invisibilidade, segredos, reputação, poderes, armas e artimanhas”. Mais adiante, especifica: “Recolheram-me asas, vestes, halo, chancas, alabarda, sambuca e aquelas nuvenzinhas precursoras do skate”.

Às vezes Trigueiro me passa a impressão de alguém que faz escrita automática, como a dos surrealistas e dadaístas, ou como o Kubitschek Pinheiro, em suas crônicas paraibanas. Sexo dos anjos? “Hoje tem anjo macho, anjo fêmeo, anjo frígido, anjo esterilizado, anjo siliconado, anjo de programa e os que não estão nem aí para referências sexuais”. A relação dos que Mahlaliel já custodiou?: “profetas, bruxas, rainhas, centuriões, bárbaros, filósofos, diplomatas, reis, conquistadores... e plebeus, bandidos, políticos, jornalistas, desocupados, pintores, músicos, juristas, escritores, grafiteiros, funcionários públicos e os precursores dos blogueiros”.

Para se disparar essa metralha vocabular, há que se ter imaginação fervilhante, claro. O recurso, além de abrir a narrativa para uma infinidade de roteiros colaterais, de repente, noutros pontos, dá a elas uma velocidade frenética. No segundo conto, por exemplo, “Miguel enviou o currículo para agências de empregos, head-hunters, consultorias, seguradoras, financeiras, bancos, imobiliárias. Não obtendo resposta, fez promessas para os santos protetores de negócios, rezou, acendeu velas, jejuou, arquivou a libido”. ]

No conto “Obsessão”, o personagem Peterson, que é engenheiro, “se sentia realizado em canteiros de obras, regendo conjunto de bate-estacas, gruas, serras, tornos, empilhadeiras, soldadoras, e sentindo cheiro de cimento, argamassa, cola, tinta, suor de operários, lidando com mestres-de-obras mais sabidos do que mestres”. Essa ironia, machadiana, é exemplar em “O Jornalista”:

“O Mercado é sensível a corrente de ar, vírus de computador, boatos, enchentes, manchetes de jornais, licitação públicas, escutas telefônicas, prêmio de loteria acumulado, horóscopo...”

Numa conversa a respeito de “Confissões de um Anjo da Guarda” que tive com o professor de literatura brasileira da UFPB – poeta Sérgio de Castro Pinto – perguntei-lhe o que lhe lembrava esta declaração do Carlos Trigueiro na estória “Clínica para Normais”:


“A distância custou-lhe vinte e oito libras, três quartos de hora e meia dose de paciência”.

- Ora, Machado de Assis no capítulo XVII do “Memórias Póstumas de Brás Cubas”:

“Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”.

Machadiano. Carlos Trigueiro é machadiano, claro. Observe estes trechos do capítulo XIII de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”:

“... a enfadonha escola, onde aprendi a ler, escrever, contar, dar cacholetas, apanhá-las.”

“Tinha amarguras esse tempo; tinha os ralhos, os castigos, as lições árduas e longas.”

“Um velho mestre, ossudo e calvo, me incutiu no cérebro o alfabeto, a prosódia, a sintaxe, e o mais que ele sabia, benta palmatória.”

“Vejo-te ainda agora entrar na sala, com as tuas chinelas de couro branco, capote, lenço na mão, calva à mostras, barba raspada; vejo-te bufar, grunhir, absorver uma pitada inicial, e chamar-nos depois à lição. E fizeste isto durante vinte e três anos, calado, obscuro, pontual, metido numa casinha da Rua do Piolho.”

A coisa vai longe.

A marca de Carlos Trigueiro, porém, está na exasperação desse expediente. Na forma e no conteúdo. No capítulo 21 do “Livro dos Desmandamentos”, por exemplo, há um parágrafo antológico:

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Carlos Trigueiro
“Sob o império dos atos institucionais, qualquer vacilo, deslize ou equívoco no andar, falar, rezar, cantar, escrever, tocar, pensar, respirar podia acabar mal. Um gaguejo podia ser interpretado como linguagem subversiva codificada. Daí, vinte e dois mil, setecentos e quarenta e oito gagos desapareceram sem terminar o que iam dizer. Outra barbaridade sucedera àqueles que, por causa de um tique nervoso, piscaram na hora errada: nove mil, setecentos e setenta e sete ficaram caolhos.”

Veja-se este excerto do capítulo LXVII do mestre fluminense, em “Quincas Borba”:

“Estirado no gabinete, evocou a cena: o menino, o carro, os cavalos, o grito, o salto que deu, levado de um ímpeto irresistível.”

Agora veja ação semelhante, desenvolvida num conto de “Confissões de um Anjo da Guarda” – “Anjos Exterminadores” – cujo título, por evocar uma das obras-primas de Buñuel, trai a influência do cinema nessa exacerbação da técnica machadiana. Aí, “o menor C.P.F., vulgo Papelote, sem anjo da guarda”, sobe, depois desce o morro na mesma carreira de assaltante em fuga, e eu chamo a atenção para a velocidade da cena obtida pela enumeração, o... pinturesco de tudo que nela se menciona, a carga cinematográfica dessa disparada de fotogramas:

“Correu, correu, dobrou, direita, esquerda, correu, correu, subiu a escadaria do morro, subiu, saltou vala, pulou muro, mureta, atalhou daqui, dobrou dali, pulou barranco, bicicleta, macumba, chutou cachorro, lata de lixo, vazou birosca, barraco, derrubou porta, pulou janela, cerca, cercado”, etc, e, na página seguinte, a volta: “correu morro abaixo, saltou vala, valeta, pulou muro, mureta, macumba, despacho, farofa, vela de sete dias, garrafa de cachaça, cachorro, gato preto, pinto no lixo, gaiola de curió, pardal esfomeado, arco de barril, virou ali, acolá, subiu, desceu, atalhou, e correu, correu, correu....”

Genial

ambiente de leitura carlos romero cronica poesia literatura paraibana waldemar jose solha tecnica da enumeracao machado de assis carlos trigueiro
Em “Memórias da Liberdade”, criado por Trigueiro no “alvorecer dos anos 1980”, “em Madri”, e que saiu aqui pela 7letras, dei de novo com a técnica da enumeração, tão perfeita quanto antes:
- Passei por coisas, lugares, pessoas. Passei por vivos, mortos e mortos vivos. E fui passando. Passei por matas, águas e glebas. Passei por dunas, desertos, sertões. Passei por campinas, cerrados, montanhas. E fui passando. Passei por tumbas, palácios, pirâmides. Passei por santos, espectros, dragões. Passei por esfinges, aedos, gurus. E fui passando. Passei por nevadas, tormentas, procelas. Passei por nuvens, fumos, poeiras. E fui passando. Passei por legiões brancas, verdes, azuis. Passei por damas, valetes, coringas. Passei. E fui passando.

A enumeração volta na página 136, quando ele fala dos assuntos do Rio, “no último quarto dos anos cinquenta ou limiar dos sessenta:

- Bossa-nova, trocadilhos, Brigitte Bardot, sapato sem meia, aprender violão, rendez-vous, ´cinquenta anos em cinco´, seca no Nordeste, juventude transviada, jogo do bicho, bloco do Bafo da Onça, maconha, Sputnik, vestidos tubinho, rock´n roll, lambreta...

Aí arranjou emprego num sanatório, onde – nova enumeração - “era possível encontrar Napoleão, algum centurião romano, Robin Hood, líderes políticos e sindicais, advogados do diabo, fantasmas perambulantes, pacatos alienados aquém do tempo e além do espaço.(...) Paranóicos, catatônicos, psicópticos, maníacos, alcoólatras, oligofrênicos...”

Trigueiro/Machado. Lembra-me Rafael assumindo a musculatura dos personagens de Miguelângelo e o sfumato de Leonardo. Woody Allen assumindo as encucações de Bergman.

Manet pescando o impressionismo muito antes da hora, de Velásquez.

É assim – mesmo que nada haja de novo debaixo do sol - que tudo vive cheio de novidade.


W. J. Solha é dramaturgo, artista plástico e poeta

Anos atrás, suspendi uma iminente mostra na galeria Gamela, para surpresa de Rosely Garcia. - O que houve?! - Está faltando alguma coi...

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Anos atrás, suspendi uma iminente mostra na galeria Gamela, para surpresa de Rosely Garcia.

- O que houve?!

- Está faltando alguma coisa nesses meus quadros e não vou expô-los assim.

Tenho um amor muito grande pela humanidade de Antonio David Diniz. Por isso foi com encantamento que vi sair, anos atrás, o belo livro com...

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Tenho um amor muito grande pela humanidade de Antonio David Diniz. Por isso foi com encantamento que vi sair, anos atrás, o belo livro com seu nome seguido do subtítulo “30 anos de fotojornalismo”, numa caprichada edição da UFPB.

As obras de arte às vezes nos levam a Lilliput, às vezes a Brobdingnag. O que importa é se são perfeitas. Sobre os poemas de Sérgio de Ca...

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As obras de arte às vezes nos levam a Lilliput, às vezes a Brobdingnag. O que importa é se são perfeitas.

Sobre os poemas de Sérgio de Castro Pinto foi dito que são claros, ágeis, nítidos, suficientes (Câmara Cascudo); escritos com maestria e senso de humor (Ferreira Gullar); têm uma concisão que beira com frequência à lapidaridade (José Paulo Paes); coisa de quem monta o mundo em pelo (Lygia Fagundes Telles); têm o dom de captar o incaptável e de ver o invisível (Hildeberto Barbosa Filho); são a reinvenção da metáfora (José Louzeiro); obra de um poeta com astúcia verbal (Fábio Lucas).

Tornou-se lugar-comum, na imprensa, reportar desastres previsíveis como “tragédias anunciadas”, influência evidente do belo título que é o ...

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Tornou-se lugar-comum, na imprensa, reportar desastres previsíveis como “tragédias anunciadas”, influência evidente do belo título que é o Crônica de uma Morte Anunciada, de Gabriel García Márquez. Claro que isso não é de hoje. Todo sujeito ciumento é um “Otelo”, desde que Shakespeare escreveu a peça a respeito do suplício do Mouro de Veneza. Todo homem excepcionalmente forte é um “Hércules”, desde que Eurípedes encenou a tragédia Heracles entre os gregos, Sêneca levou ao palco o Hércules sobre o Eta, entre os romanos.

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Do mesmo modo, toda viagem ou percurso repleto de percalços passou a ser “uma odisséia”, desde que Homero escreveu a história de Ulisses, cujo nome grego era Odisseu. Daí 2001 – Uma Odisséia no Espaço, o filme de Stanley Kubrik – daí Ulisses, o famoso romance de James Joyce, que consome cerca de 800 páginas pra contar o que foi um dia – 16 de junho de 1904 - na vida de um certo Leopold Bloom andando em Dublin.

Se esse caminho, porém, é de mais sofrimento do que aventura, o rótulo é o de “via-sacra”, “via-crúcis” ou “calvário”, por conta do peso do texto evangélico que transformou, também, todo traidor em “judas”, toda vítima em “cristo”, todo homem caridoso em “bom samaritano”, todo fim do mundo em “apocalipse”.

De igual modo, abrindo para o Velho Testamento, todo começo de qualquer coisa é “gênesis”, todo assassino é um “Caim”, todo lugar maravilhoso é um “paraíso”, toda debandada é um “êxodo”, toda enchente é um “dilúvio”, todo vidente é um “profeta”, toda figura com salvadora liderança é “messiânica”, toda decisão sábia é “salomônica”, todo embate desproporcional, tipo camundongo Jerry contra o gato Tom, Oliveiros contra Ferrabrás, Vietnã versus Estados Unidos, é uma luta de “Davi e Golias”.

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Quem nunca classificou alguma cena terrível de “dantesca”, por conta da Divina Comédia de Dante? Quem nunca chamou o herói de uma causa perdida – como Vitorino Papa Rabo, de Zé Lins; ou o Príncipe Michkin, de Dostoiévsky - de “quixotesco” devido à obra de Cervantes? Quem nunca disse que um sujeito em dúvida terrível é “hamletiano”? E não chamou um sofredor voluntário de “masoquista”, devido ao romance A Vênus de Peles , de Leopold Ritter von Sacher-Masoch, no qual um personagem somente chega ao orgasmo depois de surrado pelo amante da esposa? Claro que você acaba de se lembrar de que “sádico”, se deve ao Marquês de Sade e a seus romances – como Os 120 Dias de Sodoma.

Igualmente, “pantagruélico” é o comilão por excelência, desde que Rabelais escreveu seu romance Gargântua e Pantagruel, e “acaciana” é sempre uma figura pública tipo Conselheiro Acácio, pseudo-intelectual pomposo, desde que Eça de Queirós escreveu o romance O Primo Basílio.

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A quanto mulherengo já demos o nome de “casanova”, devido ao libertino escritor Giácomo Casanova, que – segundo afirma nos vinte e oito volumes de suas memórias – enumerou cento e vinte e duas mulheres que possuiu ao longo da vida! Ou de “Don Juan”, por causa do personagem fictício que, por suas inúmeras conquistas amorosas, compareceu em várias obras de arte, como a peça Don Juan Tenório, de José Zorrilla, e a ópera Don Giovanni, de Mozart! Quem já não disse que no meio do caminho há uma pedra e não se perguntou “e agora, José?”, graças a Drummond? Ou “que país é este?”, graças ao Affonso Romano de Sant'Anna?

Um dos casos mais famosos de apropriação desse tipo é o de Freud, que viu no personagem clássico de Sófocles – Édipo Rei – o protótipo do portador do complexo emocional que envolve amor e ódio na relação filho-mãe-pai, tendo Gustav Jung estabelecido a mesma relação filha-pai-mãe no Complexo de Electra, partindo das peças de Sófocles e Eurípedes que contam como essa personagem matou a mãe, Clitemnestra, pra vingar a morte do pai, Agamênon.

Quanta História por trás de cada palavra!


W. J. Solha é dramaturgo, artista plástico e poeta

Com o toque de Midas de Bráulio Tavares e do autor de “ O Auto da Compadecid a”, eis o "ABC de Ariano Suassuna". Tenho esse li...

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Com o toque de Midas de Bráulio Tavares e do autor de “O Auto da Compadecida”, eis o "ABC de Ariano Suassuna".

Tenho esse livro — lançado pela José Olympio Editora – entre algumas preciosidades, como: "O Escorpião Encalacrado", de Davi Arrigucci Jr. (sobre a obra de Cortázar); "Hamlet e o Complexo de Édipo", de Ernest Jones (que aplica a teoria freudiana no príncipe da Dinamarca e no próprio Shakespeare);
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"Como se Faz um Filme", de Eisenstein (em que ele conta como criou “O Encouraçado Potenkin”); "A Filosofia da Composição", de Edgar Allan Poe (sobre o surgimento e evolução de seu célebre poema "O Corvo") e "Signo e imagem em Castro Pinto", de João Batista B. de Brito.

Como intelectual enciclopédico que é, tão fissurado pelas artes quanto pela ciência e tecnologia, avesso a todo mistério e segredo — se desvendável —, Bráulio revela que foi buscar a ideia estrutural desse perfil biográfico de Ariano em obras como o "ABC de Castro Alves", de Jorge Amado, e o “ABC de Jesuíno Brilhante”, de autor anônimo (reproduzido em "Heróis e Bandidos", de Rodrigues de Carvalho). Mas esse seu livro me remete diretamente, também, ao "Dicionário Khazar", de Milorad Pavić, um romance sérvio que marcou época nos anos 80.

O resultado de todas essas influências é o retrato cubista, por sua fragmentação temporal, espacial e temática, de um personagem fascinante (Suassuna), que nasceu num palácio, o da Redenção, teve o pai assassinado no Rio, viveu a infância e a adolescência em Taperoá, sertão paraibano, estudou Direito e Filosofia no Recife, ficou famoso por suas aulas-espetáculos, por seus ensaios, por uma peça de teatro (O "Auto da Compadecida"), por um romance de título estranho ("A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta"), por suas incursões nas artes plásticas e na poesia, por ter fundado o Movimento Armorial etc etc... e bote etc nisso! Entrou na Academia Brasileira de Letras. Foi tema, no carnaval carioca, do samba-enredo "Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino". Foi assunto do documentário "O Senhor do Castelo", de Marcus Vilar. Foi nomeado – aos oitenta anos – secretário de cultura do governo do estado de Pernambuco e – consagrado – seguiu de rota batida para a imortalidade, devidamente coroado pelos louros do plim-plim.

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Claro que na ficha catalográfica do ABC consta “Biografia”. Claro que na d“Os Sertões” de Euclides da Cunha não há registro de um "romance". Mas é como eu li todos dois. Com mais ou menos apego à realidade nua e crua, tem surgido toda uma série de famosos romances-verdade, nonfiction novels ou romans-a-clé, como "A Sangue Frio" ("In Cold Blood"), de Truman Capote, "Pé na Estrada" (“On the Road”), de Jack Kerouac, e "Coração das Trevas" ("Heart of Darkness"), de Conrad, e até eu parti para a mesma senda na parte intitulada “A Gigantesca Morgue” na obra "História Universal da Angústia", ao juntar — numa série de contos de extrema violência —, a condensação de 126 reportagens nessa linha, colhidas num período de dez anos. Esse artifício leva o leitor a receber a experiência da realidade com uma força extraordinária. No "ABC", a densa conjunção de solidez, argúcia, clareza e beleza faz com que o livro salte – no meu entender – do terreno simplesmente biográfico para o romanesco. Há um momento em que o próprio Bráulio diz, nesse seu trabalho:

Quanto mais verdadeira uma coisa, mais bela.

Cita Keats:

Beauty is truth, truth Beauty.
Beleza é verdade, verdade, Beleza.

E a Beleza, segundo Plotino (citado por Ariano, idem por Bráulio), é… os seres em máximo de ser.

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O livro mostra como Suassuna, que diz ser feio desde menino, mas apaixonado pela beleza, torna-se, com o tempo, um ser "em máximo de ser", dotado, portanto, de enorme beleza, pelo que passou a ser intensamente amado por todo o país. "A década de 1990 – diz Bráulio – trouxe-lhe notoriedade pessoal de um modo que ninguém seria capaz de supor”. A tal ponto, anota, que surgiu "um grau de impaciência do autor com a quantidade de compromissos a que é submetido". De fato, ele viveu, no final, numa roda-viva "de aulas, feiras-de-ciência, artigos, mesas-redondas, programas de televisão, homenagens, semanas culturais, entrevistas para jornais, orelhas de livros, depoimentos para vídeos e filmes ou revistas, cartas de recomendação para instituições culturais, apresentação em catálogos de exposições”, e a lista prossegue, interminável.

Como diz a raposa ao nosso distante Pequeno Príncipe:

“Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé.

— O que é apprivoisé? — pergunta-lhe o menino.

Apprivoiser é "domesticar, domar, amansar”, diz o dicionário francês-português. Mas a tradução corrente da frase, é "Tu te tornas responsável para sempre por aquilo que cativaste". E o eco responde "domesticaste, dominaste, amansaste”. Parece que Ariano conseguiu, na verdade, em sua luta pela preservação de nossa cultura burro-xucra, domá-la, dominá-la, monopolizá-la – apesar do massacre alienígena. Não só pelo seu trabalho de autor, como pelas influências que exerceu e exerce.

O "ABC de Ariano Suassuna" foi dado à luz ao sol da onça caetana. Louvado seja ele, além de seu autor e de seu tema.


W. J. Solha é dramaturgo, artista plástico e poeta

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No livro “Quartas Histórias” — ed. Garamond 2006, organizado por Rinaldo de Fernandes, em homenagem a Guimarães Rosa — há uma história curta, minha, “Sarapalha”, em que meu personagem, professor de Literatura Brasileira da UFPB, é convidado, por uma organização secreta, a participar do aperfeiçoamento coletivo da obra do grande escritor mineiro, a partir desse conto, que era o de que ele menos gostava.

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Picasso disse – e com toda razão – que a inspiração existe, pero tiene que encontrarte trabajando. Não sou modelo pra ninguém, mas de alguma coisa deve servir a experiência.