D ele li dois magníficos romances: “Vingança, não” e “Rio Seco”, cuja temática é o sertão. Confesso que essas leituras me exaltaram. E eu fi...

Dele li dois magníficos romances: “Vingança, não” e “Rio Seco”, cuja temática é o sertão. Confesso que essas leituras me exaltaram. E eu fiquei doido para conhecer o seu autor, que, na época, andava pela Europa.

Falo de Francisco Perreira da Nóbrega, cronista, professor, doutor em Teologia, imortal da nossa Academia, onde ocupava a cadeira nº 33, que já deixou este mundo, e nele um grande vazio. Era membro da nossa Academia de Letras. O patrono de sua cadeira, Castro Pinto, foi um estadista paraibano e grande incentivador das Letras. Foi ele quem convidou o genial Carlos D. Fernandes para dirigir A União. O nosso aeroporto tem o seu nome. Será devido aos vôos da inteligência do homenageado?

Mas voltando a Francisco Pereira Nóbrega, não fui de sua intimidade, mas o admirava muito à distância. Até que, um dia, vim a conhecê-lo, numa livraria daqui. Pequeno de estatura, um pouco reservado, franzino, Chico Pereira, como também era chamado, me impressionou pela sua simplicidade e humildade. Depois, ele achou de ministrar um curso em nossa universidade sobre Teilhard de Chardin. Assisti às suas aulas com muito enlevo. Agora era o filósofo que também passava a admirar, o homem de pensamento, senhor de uma forte personalidade.

Daí por diante me desencontrei de Francisco Pereira da Nóbrega para depois voltar a encontrá-lo em suas crônicas diárias, no jornal “Correio da Paraíba”, numa coluna que deixou saudades a muitos leitores.

Chico Pereira não era muito de conversar. E quando conversava, era em tom menor. Jamais seria um político, de viver sorrindo e abraçando todo mundo. O homem era muito contido. Vivia se escondendo dentro de si mesmo, o que não é de estranhar num homem de pensamento. Quem fala muito, pensa pouco.

Católico convicto, mas muito independente em suas atitudes e idéias, o nosso Francisco Pereira da Nóbrega tinha como grande amigo o professor e escritor espírita Waldo Lima do Vale, autor do livro best-seller “Morrer... e depois?” O espiritismo de Waldo não afastou o católico de sua amizade. Ambos se entendiam e se respeitavam.

Na Academia de Letras, Francisco da Nóbrega nunca quis ocupar cargos. Mas sempre cumpriu os seus deveres de imortal.
Outro dia, estive visitando a Livraria do Luiz, que é um modelo de livraria, e com muita alegria revi uma edição do seu romance “Vingança, não”. E me veio um grande desejo de relê-lo. Agora não mais como um jovem verde, mas como um jovem maduro e mais experiente. E é o que vou fazer nestes dias. Reler este romance que deveria ser traduzido para vários idiomas e ganhado o mundo. Este e “Rio Seco” são leituras que exaltam.

Agosto está partindo. Dizem que é mês de muito vento. Gosto muito do vento. O vento que acaricia a minha careca. E ele, às vezes, é tão ...



Agosto está partindo. Dizem que é mês de muito vento. Gosto muito do vento. O vento que acaricia a minha careca. E ele, às vezes, é tão forte que chega a querer jogar fora o meu chapéu….

Sem o vento a vida seria uma tediosa calmaria. Sem ele, como é que Cabral descobriria o nosso país? O vento alegra, limpa, acaricia, enxuga, colabora na germinação das plantas agita o fogo. Outrora, ele era muito indiscreto e inconveniente, quando levantava as saias matando de susto as mulheres. Acontece que hoje, com as calças jeans, não há vento, mesmo em forma de brisa, que se torne inconveniente...

Mas o vento é também uma metáfora. Simboliza o entusiasmo. Com ele as árvores acenam alegres, o mar se enche de ondas, as nuvens são forçadas a descobrir o céu azul, as folhas velhas vão caindo numa triste despedida.

Ah, que tristeza quando o vento tarda ou falta! O homem, então,é forçado a construir cata-ventos, que não resolvem o problema. Outrora, graças ao artesanal abano, fazia-se vento para esquentar a nossa comida.

Ontem, o vento estava brabo. Se não me engano, ele queria anunciar alguma coisa. Ah, já sei. Ele queria dizer que setembro estava próximo a chegar. E eu adoro esse mês, pois foi nele que se realizou meu primeiro casamento e que viu minha segunda esposa, Alaurinda, abrir os olhos para o mundo. Setembro é para mim o mais simpático dos meses. E é em setembro que também se comemora a nossa independência.

E vamos às metáforas. O vento é a alma da natureza. Sem ele, tudo se imobiliza. Ele é que dá vida à vida. E tem muito de humano. Ora é suave como uma brisa, ora é violento como um furacão. Ora apaga o fogo, ora o agita. É inimigo da rotina, adora tirar as coisas do lugar. E como é belo contemplar a dança das árvores, das flores e das nuvens, graças a ele, que, como o tempo, está sempre renovando e transformando as coisas.

A palavra falada é uma dádiva, uma benção, uma beleza. Ah, os grandes discursos de antigamente! Como eles movimentavam e magnetizavam multi...

A palavra falada é uma dádiva, uma benção, uma beleza. Ah, os grandes discursos de antigamente! Como eles movimentavam e magnetizavam multidões! Digo de antigamente porque hoje a preocupação é mais com a verba do que com o verbo...

Sem me referir aos grandes oradores do passado, gostaria de evocar os daqui da Paraíba. Disse meu pai que o orador paraibano, que mais o impressionou, foi o presidente João Castro Pinto. Informou meu velho que ouviu Castro Pinto no Teatro Santa Rosa, num discurso eletrizante, que o deixou sem dormir.

Dizem que o presidente Epitácio foi outro excelente orador. No seu busto, situado na entrada da avenida que tem o seu nome, vemo-lo, numa tribuna, de dedo em riste apontando para alguma coisa. E esta coisa era justamente o nosso sertão, dominado pela seca e pela fome. Da tribuna do Senado ele chamava a atenção para aquela grande realidade. Era o orador colocando o seu verbo a serviço do nosso esquecido Nordeste.

Mas será que houve orador, pelo menos aqui na Paraíba, maior do que Alcides Carneiro? Ele foi tão grande que o próprio Carlos Lacerda, um artista do verbo, o qualificou como “O Orador do Brasil”. Comício sem a presença do tribuno de Princesa Isabel não era comício. Eu não perdi um. E me lembro quando, certa vez, no adro da Catedral, mal começou seu discurso, desabou uma grande chuva. As palmas estrugiram. Ele, todo molhado, elevou as mãos para o céu e bradou: "Palmas, benção dos homens, chuva, benção de Deus!” Aí foi que bateram palmas. E prosseguiu o discurso dizendo que porta de igreja é para mendigo. E ele estava, ali, mendigando votos aos paraibanos.

Imaginação fértil, Alcides, quando ia fazer um discurso, não ia para a biblioteca, estudar e sim para uma rede se balançar. E ali ficava botando a sua fértil imaginação para funcionar, preparando a sua oração.

Outro orador que movimentou multidões foi José Américo de Almeida. Seus discursos abalaram o país. As frases geniais ficavam ressoando aos nossos ouvidos. Eram verdadeiros “discursos-denúncias”.

Aquele em que ele dizia: “eu sei onde está o dinheiro!”, se aplica até hoje. Agora, com a Lavajato, é que todos sabem... E aquele outro: "Não há maior tragédia do que morrer de fome na Terra de Canaã!", referindo-se ao Brasil... E por fim: "Ninguém se perde na volta”...

Na verdade, aqui pra nós, eu acho que os que não sabem falar é que estão inventando que a oratória está fora de moda...

Q ual a profissão que você escolheria hoje? Eu optaria pela aviação. Lindo aquele uniforme azul do comandante, a caminho da aeronave, levand...

Qual a profissão que você escolheria hoje? Eu optaria pela aviação. Lindo aquele uniforme azul do comandante, a caminho da aeronave, levando sempre um sorriso que imprime confiança aos passageiros. E mais belo ainda quando ele, à entrada da aeronave, dá votos de boas vindas aos que vão entrando no monstro de aço, que faz muita gente temer e tremer.

Depois vem o silêncio, aquele momento meio dramático da decolagem. O avião vai subindo, subindo, até entrar na horizontal, atropelando nuvens e enfrentando o vento. Como deve ser boa a sensação do comandante!

Sim, agora, todos estão dependendo de suas mãos, de seu olhar, de sua competência. Quantas milhas a vencer? Quanta atenção exigida!...

Ninguém sabe o nome do comandante, quais os seus problemas... Quais serão os seus pensamentos quando está entre a terra o céu? Suas saudades, seus amores, suas reflexões? Que sensação o domina naquele momento? Ninguém sabe. Todos no avião só estão ocupados e preocupados com os seus problemas. Ninguém pensa no que dirige a aeronave e tem o destino dos passageiros em suas mãos.

Outra profissão que eu escolheria sem pestanejar, é a de maestro. Maestro de uma orquestra sinfônica. Maestro que, a exemplo do comandante, também é um deus. Que sensação divina a de reger uma orquestra! Todos os músicos atentos aos seus gestos, às suas mãos, que lembram borboletas levitando sobre flores num jardim...

Duvido que um maestro entre em depressão, que esteja de mau humor, quando suas mãos começam a despertar os instrumentos para a música, com sua varinha mágica.

Comandante, maestro, muito melhor do que ter sido... Não, não vou comentar profissões prosaicas, rotineiras e tristes... Só sei que a coisa mais importante da vida é a fazer o que gosta, ter prazer na profissão. Não há maior violação a si mesmo do que procurar um meio de vida que não sintonize com o seu temperamento.

A ndei assistindo, um dia desses, à Sinfonia em dó menor, a mais popular das sinfonias de Beethoven, conhecida como a Sinfonia do Destino ou...

Andei assistindo, um dia desses, à Sinfonia em dó menor, a mais popular das sinfonias de Beethoven, conhecida como a Sinfonia do Destino ou a Quinta Sinfonia. Dir-se-ia que essa partitura é uma espécie de biografia do mestre de Bonn, onde ele trava uma luta contra o Destino. Uma luta cruel que termina com a vitória do homem Beethoven, o grande surdo, cuja existência foi um exemplo de coragem e fé.

Ele nunca cruzou os braços diante dos desafios existenciais. Lutou até o fim, sem jamais perder a dignidade que o caracterizava. Disse um escritor que Bach era sereno e Beethoven sério. Disse o grande místico Amiel que Bach era Deus e Beethoven, homem. E a Sinfonia do Destino nada mais é do que a luta do homem diante das intempéries, dos sofrimentos e da dor.

Começa essa partitura com aquelas quatro notas, representando as pancadas do Destino, com o qual o genial compositor trava uma terrível luta, mas que, finalmente, sai vitorioso.

O Beethoven-homem, entretanto, não se afastou do Beethoven-místico, o Beethoven que procurava sintonizar-se com a Divindade, seja na Pastoral, essa idílica sinfonia em que o compositor procurou exaltar o Deus Natureza, a que se refere o filósofo Spinoza, seja quando entoou aquele grito de alegria na Nona Sinfonia, saindo da horizontalidade humana para a verticalidade divina, da terra para o céu, da imanência para a transcendência. A verdade é que a vida de Beethoven transitou entre esses dois pólos: o humano e o divino.

Na Natureza, ele procurava o silêncio de um templo religioso, no tempo em que o templo era um oásis de silêncio. Ali ele esquecia os seus dissabores, as suas dores. Em contato com as árvores, ele encontrava a paz que não encontra entre os homens.

Voltando à quinta Sinfonia, vale a pena ouvi-la, seja no andante heróico, seja no movimento final, verdadeiro grito triunfal de um homem que teve tudo para se suicidar, tudo para desertar da vida, mas que, com admirável heroísmo conseguiu triunfar sobre as limitações que o Destino lhe impôs.

A Sinfonia em Dó menor é a homenagem ao homem, a Sinfonia Pastoral é a homenagem à Natureza e a Nona Sinfonia é a sintonia com a consciência cósmica. É o homem mergulhando no Divino.

Beethoven ainda é a grande referência. Referência que merece toda a nossa reverência. Sua música não é apenas para ser escutada. Mais do que isso. A música do genial compositor nos induz a muitas reflexões. Reflexões sobre a nossa vida, sobre o nosso destino.

C onfesso que gosto de metrô. Transporte limpo, seguro. Pena que seja tão rápido. Rápido como uma bala. Pena que não tenha paisagem. O metrô...

Confesso que gosto de metrô. Transporte limpo, seguro. Pena que seja tão rápido. Rápido como uma bala. Pena que não tenha paisagem. O metrô é um símbolo do homem moderno. Sem tempo, apressado, sem calor humano. Tudo nele é maquinal. Não há a presença humana. Cadê o rapaz ou a moça para a gente entregar o bilhete? Não existe. Na estação pega-se o bilhete e pronto. É verdade que quem dirige o metrô é uma pessoa. Vi, certa vez, uma moça guiando aquele troço. Séria como uma estátua. E em Londres, andei de metrô sem gente dirigindo. O bicho corria sozinho. E sabe que eu tive medo? ...

Diz o ditado que o trem não espera por ninguém. Este ditado se aplica ao metrô. Nunca vi tanta pressa para sair e para chegar. Muito menos de um minuto e ele já está fechando a porta. Se você não tiver cuidado... E o meu medo sempre é de ficar no vagão e me desencontrar dos meus queridos familiares...

Mas que a viagem é excelente, não tenha dúvida. Nenhuma trepidação. E é ótimo para a gente ler. E é o que vemos nesse transporte, muita gente com um livro na mão. O resto das pessoas de cara meio amarrada. Ninguém olha para ninguém e eu doido para ver um sorriso brasileiro...

O metrô é um transporte-símbolo do homem contemporâneo, apressado, estressado, robotizado, eficiente, mas sem calor humano. As pessoas quase não se olham. E se olham, tiram logo a vista.

O metrô não nos mostra a paisagem, vai por debaixo da terra. Você só vê parede. E, como exceção, agora estou me lembrando de um metrô de Lisboa, onde se liam pensamentos de Sócrates... Na estação do museu do Louvre, lá em Paris, veem-se belas réplicas e artísticos cartazes nas paredes.

O que me aborrece no metrô é a sua extrema rapidez. Que diferença de um navio, onde não falta o calor da presença humana. Mal chega numa estação, já está chiando para sair. Nada de conversa, nada de perder tempo. E a porta se fecha com uma rapidez enorme. O homem contemporâneo também é assim. Não para mais a olhar e refletir. Nada de se abrir num sorriso. Fecha-se logo. É o homem-metrô!

Cumprimentar, indagar como você vai, parar um pouquinho? Nada disso. No entanto, esquece o “homem-metrô”, sempre apressado, sempre estressado, que, quando ele fechar os olhos para este mundo, o carro mortuário, que o levará ao cemitério, é devagar e silencioso. Vai, muito lentamente, em direção à pousada onde ficarão os ossos do viajante.

N as agradáveis manhãs deste gostoso inverno o “bom-dia” vem sendo da chuva. E que seja muito bem-vinda a chuva, com seu o cheirinho de terr...

Nas agradáveis manhãs deste gostoso inverno o “bom-dia” vem sendo da chuva. E que seja muito bem-vinda a chuva, com seu o cheirinho de terra molhada. E ainda tem gente que dela não gosta...

Manhãs com pássaros calados, asas encolhidas e escondidas nas brechas dos cachos de coco, mas, as plantas gritando de alegria. Dançando ao vento, celebravam o merecido banho com muita satisfação. Tenho pena de quem pensa que as plantas não riem. Vejo-as pelo vidro da janela, abraçadas, numa ciranda de alegria, todas cantando à chuvinha que cai...

Cai chuva!... molha a terra seca com sede de vida! Enche os açudes, os riachos e as poças, que os sapos e lagartixas querem te beber. Quem não te quer é porque não te merece.

Vai... lava tudo, limpa a poeira, corre e escorre pelos regos desse mundo que sem ti não vive!... Enche e transborda córregos, rios e riachos. Lava a alma desse planeta que, por vezes, se suja até de sangue. Aproveita, e lava também a nossa alma. Para que nos sintamos revigorados, reformados e atentos à mensagem divina que a rica, pródiga e generosa Mãe Natureza nos transmite todos os dias, da alvorada ao crepúsculo.

As chuvas são um presente muito especial de Deus, o Grande Pai, aquele que alguns pensam que tem barbas de nuvens brancas, mas que na verdade não se parece com forma alguma. Não se parece porque se confunde com o Universo, com a Criação, pois, só se começa a entender Deus quando se consegue vê-Lo como Criador e Criatura, começo e fim, preto e branco, triste e alegre.

De nada podemos reclamar. Tudo nos foi provido. Temos flores que nos sorriem na terra, e ondas que nos sorriem no mar. Temos o vento que acaricia e o sol que nos devolve as cores, que dormem nas noite de paz. Paz... é só o que nos falta. Que maravilha seria que o Grande Pai nos surpreendesse com esse maior presente que o mundo poderia ganhar. Já é tempo de paz!...

C arlos Drummond de Andrade, meu xará, é um dos meus ídolos da poesia. A primeira vez que o vi – e já faz tanto tempo! – foi na livraria Leo...

Carlos Drummond de Andrade, meu xará, é um dos meus ídolos da poesia. A primeira vez que o vi – e já faz tanto tempo! – foi na livraria Leonardo da Vinci, no Rio de Janeiro. Ele conversava animadamente com uma senhora, decerto sua leitora e admiradora. E como estava loquaz, o meu comedido poeta, de ordinário, ensimesmado! Ah, como tive vontade de participar daquela conversa! Drummond bem pertinho de mim...

Nesse tempo, o poeta mantinha uma coluna diária, no “Jornal do Brasil”. Que crônicas maravilhosas! Quanta perspicácia, quanto bom humor, quantas lições de vida! Depois ele saiu do matutino carioca. Deixou de dar o seu bom dia aos numerosos leitores. A coluna ficou lembrando uma janela vazia. E em carta, eu lhe disse isto. A resposta veio rápida, em outra carta manuscrita na qual ele agradecia o meu livro “A Dança do Tempo” e, mais adiante, aludia à “janela vazia”. Eis um trecho da carta, datada de 29 de dezembro de 1985, que acabo de encontrar nos velhos papéis, que me deu muita saudade e que guardo, nos meus alfarrábios, como preciosa relíquia.

“Caro Carlos Romero. Obrigado pela oferta de a “Dança do Tempo”, um exemplo do que deve ser um livro de crônicas, na qual a acessibilidade de linguagem deve estar sempre a serviço de um pensamento lúcido”. A “janela vazia” me tocou a sensibilidade, mas continuo achando que a janela se cansou de quem nela se debruçava. O abraço amigo e os votos de um feliz 1986, de seu Carlos Drummond”.

Esta carta, daquele que tanto admirei à distância, agora me enche de saudades, nesta manhã com a chuva lá fora, chorando...
Epara terminar, esta outra carta, em que o poeta maior me agradecia o registro que fiz de seu livro “O Observador”, datada de 17 de janeiro de 1986: “Prezado xará e amigo: o meu “Observador” sentiu-se muito lisonjeado com o seu simpático registro em A União. São palavras de cordial significação, que me tocam. Mais uma vez, foi um comentarista generoso dos meus escritos. Quanto à parte final do artigo, esclareço que continuo a pensar do mesmo modo, no tocante à explosão demográfica, que vai tornando difícil de controlar este pobre mundo... Abraço amigo e agradecido do seu Drummond”.

Quando eu ingressei na Academia Paraibana de Letras, recebi dele este bilhete: “Prezado Carlos Romero: Vai aqui de longe, e cordialmente, meu abraço de felicitações ao novo membro da Academia Paraibana de Letras”.

Fiquemos por aqui. A presença do poeta continua forte na minha saudade e na minha admiração... Como estará o seu busto na praia de Copacabana?... Uma merecida homenagem que lhe prestaram os cariocas. Ele foi, antes de tudo, um exemplo de dignidade humana.

D isse o grande Montaigne: “Meus pensamentos adormecem quando sento. E meu espírito anda melhor quando minhas pernas se movem”. Daí se concl...

Disse o grande Montaigne: “Meus pensamentos adormecem quando sento. E meu espírito anda melhor quando minhas pernas se movem”. Daí se conclui que o caminhar, o movimento do corpo, os exercícios físicos agitam as idéias, acordam os pensamentos.

Os filósofos da antiguidade, a exemplo de Aristóteles, ensinavam andando. Era o método chamado peripatético. Professores ou oradores que se movimentam conseguem fluir melhor as idéias, e prendem mais a atenção do auditório. Duvido que alguém durma com um professor que dá aula pra lá e pra cá.

Estou me lembrando de um mestre meu, de Metafísica, na antiga escola de filosofia, que dava aulas se movimentando, gesticulando. Chegava ao ponto de tirar o paletó, depois a gravata, e o meu medo era que ele viesse a fazer um strip-tease... O professor não é outro senão o nosso Manuel Viana, cujas aulas muito nos empolgavam. A disciplina, conquanto difícil, terminava entrando fácil na nossa cachola.

Também me lembro do grande professor de Filosofia do Direito, Miguel Reale, que vinha de São Paulo nos ensinar aquela difícil matéria nos cursos de especialização de nossa Faculdade de Direito. Muito loquaz, de estatura média, o homem andava pela sala de uma ponta a outra, atraindo a atenção de todos nós. Culto, erudito, ele tinha uma didática admirável. Seria horrível se ele ministrasse as aulas sentado...

Mas é preciso lembrar que o silêncio também é recomendável à produção de idéias. Quem fala muito pensa pouco.

Os grandes filósofos gostavam de caminhar. O velho Immanuel Kant, cuja cidade onde nasceu e viveu, o meu filho Carlos Augusto acabou de conhecer, costumava, todas as tardes, dar um passeio pela sua Königsberg, hoje chamada Kaliningrado. E saía de casa na hora certa. A cidade toda acertava seus relógios pelo pontualíssimo horário da caminhada do filósofo da Razão Pura, e da sabedoria peripatética.

Parece filme de ficção científica. No deserto escaldante da Austrália, aproximadamente 3.000 habitantes do pequeno vilarejo de Coober Pedy ...


Parece filme de ficção científica. No deserto escaldante da Austrália, aproximadamente 3.000 habitantes do pequeno vilarejo de Coober Pedy residem literalmente sob a superfície terrestre.

Quando se trata de letras mudas na Língua Portuguesa, o H reina praticamente absoluto. Humano. Haver. Hábito. Homem. Bahia. Ah! Ihh! Uhhh...

letras não pronunciadas em inglês


Quando se trata de letras mudas na Língua Portuguesa, o H reina praticamente absoluto. Humano. Haver. Hábito. Homem. Bahia. Ah! Ihh! Uhhh! Nessas expressões, ele entra mudo e sai calado.

F iquei feliz em saber que o meu amigo, jornalista Hélio Zenaide, hoje afastado da imprensa, onde atuou com tanto brilho, elegância e objeti...

Fiquei feliz em saber que o meu amigo, jornalista Hélio Zenaide, hoje afastado da imprensa, onde atuou com tanto brilho, elegância e objetividade, está se recuperando de um problema recente de saúde. Aos pouquinhos, já consciente e em casa, com o carinho de seus 4 filhos, ele vai se restabelecendo.

Hélio é o que pode-se chamar de um verdadeiro homem de jornal. Bom na reportagem, excelente no comentário político e arguto analista dos fatos, ninguém melhor do que Hélio para escrever um belo editorial, coisa que, como jornalista, nunca fui capaz de fazer.

Filho de Alagoa Grande, ele nasceu para escrever. Esta sua maior aptidão. Escreve com uma facilidade admirável, num estilo simples e objetivo. Seu pai, Heretiano Zenaide, foi pioneiro da ecologia em nossa terra. Escreveu vários livros cujo tema predileto era a Natureza. Livros que mereciam ser reeditados em face de seu valor didático. Portanto, esse gosto de Hélio pelas letras veio de seu pai.

De religião, o nosso jornalista sempre manteve distância. Seu temperamento cético estava mais preocupado com as coisas cá de baixo. Mas um dia – aí é que começa a sua outra história – Hélio, pela mão de sua filha Valéria, termina dentro de uma sala mediúnica do Centro Espírita Leopoldo Cirne, onde se comunica com os espíritos e se surpreende com o que o que viu e ouviu.

Convenceu-se da proposta espírita, tornando-se um convicto profitente. Daí em diante, não quis mais escrever sobre outra coisa. A Doutrina o fascinou. No tradicional jornal A União manteve, por muito tempo, uma coluna diária, abordando temas sobre mediunidade, reencarnação, e moral evangélica.

Por motivo de saúde, com problema de visão, ele hoje quase que não sai de casa, ao lado dos livros, da esposa, dos filhos e dos netinhos. Assim mesmo, continua lendo com o apoio de uma lupa.

Sempre tive muita alegria em ouvir Hélio Zenaide proferindo palestras no Centro Espírita sore Leopoldo Cirne, falando em alto e bom som, segurando a lupa e numa voz bem postada

Hélio é um homem em paz de consciência, feliz com a sua família, feliz com a religião que é hoje sua maior motivação na vida. Sua vida é uma grande lição. Lição de coragem e fé. Modéstia à parte, ele é um grande mestre.

C om tantas atenções voltadas para Brasília, que apareceu por esses dias, na TV e nos jornais ameaçada de depredação, nas manifestações de v...

Com tantas atenções voltadas para Brasília, que apareceu por esses dias, na TV e nos jornais ameaçada de depredação, nas manifestações de violência em nome da política, veio-me a lembrança o grande Oscar Niemeyer, um dos maiores arquitetos do mundo, o homem que projetou a capital, em um plano urbanístico que tem a forma de um avião. O único avião de que ele não teve medo, pois não consegue decolar.

Como eu gostaria de tê-lo conhecido pessoalmente. Não para falar-lhe. Gostaria, apenas, de contemplá-lo, mesmo que fosse à distância.

Sua distração quando viajava de automóvel era olhar as nuvens no firmamento. E era nesse contemplar de nuvens, que ele se inspirava para a sua arquitetura.

O presidente Kubistchek, o maior presidente que nós tivemos, logo que assumiu o governo, foi procurar o genial artista para cuidar da arquitetura de Brasília, pois já conhecia seu trabalho desde quando era prefeito de Belo Horizonte.

O que mais admirava em Oscar Niemeyer era sua integridade. Humanitário, incapaz de um deslize moral. E tanta corrupção por aí! Tanta falta de caráter! O nosso arquiteto, porém, soube fazer de sua vida também uma obra de arte. Uma admirável arquitetura existencial. Sua vida é um exemplo para todos nós.

Certa vez, declarou que “teria vergonha se fosse um homem rico. Que guardava duas coisas com satisfação: o desinteresse pelo dinheiro, que manteve por toda vida; e a vontade de ajudar as pessoas, ser-lhes útil, dividir.

Seus olhos não viam apenas as nuvens, mas também os meninos de rua, para os quais tinha profunda compaixão. Impressionante esta sua reflexão, com que encerro a crônica: “No dia em que o homem compreender que é filho da natureza, irmão dos bichos da terra, dos pássaros do céu e dos peixes do mar, nesse dia ele compreenderá sua própria insignificância e será mais humano, mais simples e mais solidário”.

Q uando o homem vem ao mundo, sua primeira pousada é o útero materno. Eis aí um espaço de muito silêncio. A gestação do feto vai se processa...

Quando o homem vem ao mundo, sua primeira pousada é o útero materno. Eis aí um espaço de muito silêncio. A gestação do feto vai se processando sem o mínimo ruído. E tinha de ser, assim, porquanto no barulho, seria impossível a vida em formação.

Se olharmos a Natureza, onde é que está o barulho? As árvores são silenciosas e os pássaros que nelas se aninham só fazem cantar, suavemente. As flores se desabrocham no maior silêncio, e no fundo do mar, nem se fala. E que dizer desta usina que nos fornece luz, o dia inteiro, o sol? Trabalha num saudável mutismo. Não polui a atmosfera, nem agride os ouvidos. Da mesma maneira, as estrelas que surgem para enfeitar o firmamento. Dir-se-ia que o silêncio é a voz de Deus.

Falei do útero, do sol, das estrelas, das plantas, do fundo do mar, e já ia me esquecendo o nosso corpo, este santuário divino. O coração, esta bomba extraordinária, trabalha em silêncio, e o sangue, este rio vermelho, flui calmamente levando alimentos para as mais distantes células. Também os pulmões, o estômago, o fígado, funcionam caladinhos sem perturbar o ambiente. O mar não produz barulho, mas marulho, que é diferente. Nada mais apaziguador do que ficar ouvindo a voz do mar...

Aí dirá você: e o trovão? O trovão não agride os ouvidos, o trovão produz um som macio, grave, um som terapêutico e místico, que nos leva a reflexões...

Mas, afinal, quem é que faz barulho, neste mundo? O cachorro e o homem. Talvez seja essa a razão porque ambos são tão amigos...

O pior é que o barulho humano está cada vez mais se intensificando. Não há mais respeito ao silêncio, como em alguns países civilizados, onde as leis do silêncio ainda funcionam. Mas, aqui, nesta nossa capital, o barulho se tornou um escândalo, uma falta de vergonha, um desrespeito ao direito alheio. E a barulheira progride em lugares que foram criados para a paz, a exemplo das praias.

Até através dos telefones celulares, surgem, vez por outra, pessoas falando alto, fazendo desses instrumentos verdadeiros microfones. Resultado: muita gente está ficando surda. E quem é surdo costuma falar alto.

É preciso mais controle das autoridades para evitar a lastimável e iminente morte do silêncio.

Q uando os homens da limpeza púbica aparecerem à sua frente, faça uma ligeira reflexão. Lembre-se que eles limpam a sujeira que você produz....



Quando os homens da limpeza púbica aparecerem à sua frente, faça uma ligeira reflexão. Lembre-se que eles limpam a sujeira que você produz. Merecem todo o nosso respeito e admiração. E à noite, enquanto você passeia, vai às festas, restaurantes, se diverte, eles trabalham.

Outrora, eram chamados homens do lixo. Ora, vejam só... Homens do lixo somos nós que sujamos as ruas, as praças, e a praia. Eles são homens da limpeza.

Preste atenção ao trabalho deles. Veja como é duro coletar o lixo. Muito diferente desse meu trabalho macio em que as mãos digitam as teclas deste computador. Um trabalho sem suor. Mas os garis suam por todos os poros. E quase não conversam. Trabalham em silêncio.

Graças a estes agentes da limpeza pública, tudo é recolhido, tudo fica livre da sujeira. E como eles dão duro no serviço! Só em olhá-los trabalhando deixa a gente cansada.

Os nossos agentes da limpeza pública vestem-se de vermelho. Seria alguma alusão ao vermelho da nossa bandeira revolucionária, que ostenta um “Négo”?...

Só sei que eles chamam logo a nossa atenção com a cor de suas vestes. Cor de sangue. Pena que ganhem tão pouco. Nada de gratificações extraordinárias, de gordas aposentadorias e muito menos de mensalões ou propina da Friboi. Acho que, à noite, quando vão se deitar, o corpo todo deve estar dolorido. Quanto cansaço, meu Deus do céu!

Também me veio à lembrança uma greve, lá na bela Amsterdam, que, de uma hora para outra virou um monturo só. Por pouco os urubus não pousaram nas suas praças, avenidas e pontes para decepção de Rembrandt e Van Gogh. Os homens da limpeza pública resolveram cruzar os braços. Foi um Deus nos acuda... Que eles nunca mais precisem cruzar os braços.

E no Natal, será que eles têm uma confraternização. Isto fica para os de cima, os produtores do lixo. Lixo que eles recolhem com muito trabalho.

Q uando estou para viajar, sempre me vem à lembrança a recomendação de Érico Veríssimo: “Sábio é o turista que viaja com bagagem pequena e a...

Quando estou para viajar, sempre me vem à lembrança a recomendação de Érico Veríssimo: “Sábio é o turista que viaja com bagagem pequena e alma grande”.

Ele foi o autor predileto de minha juventude. Começou com “Clarissa”, que tanto mexeu com minha sensibilidade. Depois vieram outros: “Olhai os lírios do campo”, “Um lugar ao sol”, “Música ao longe”, “O resto é silêncio, “Caminhos Cruzados”, e assim por diante. E eu admirava também os títulos de seus livros. Por fim, vieram “Incidente de Antares” e as memórias com “Solo de Clarineta”

Érico também foi um bom escritor de viagens. Seu primeiro livro, neste gênero, “Gato Preto em Campo de Neve”, em que narra sua primeira visita aos Estados Unidos, é uma beleza pela sua argúcia de viajante. Há outros, no gênero, a exemplo de sua viagem ao México, e “Israel em abril”, que reencontrei aqui na biblioteca cheiinho de anotações a mão.

Vejam algumas: “O perfume dos laranjais é tão intenso que chega a ter um corpo, um peso, quase uma forma visível.” E que dizer deste trecho, quando ele se defrontou com o Mar da Galiléia e começou a fazer conjecturas líricas: “... ontem Jesus saiu de Nazaré, sozinho e a pé, na direção deste lago. Dormiu à noite debaixo de uma oliveira, cujos frutos comeu ao raiar do dia...” E mais adiante: “O Jesus de que te falo é um homem que transpira, que suja os pés na poeira dos caminhos e que os lacera nas pedras do chão”.

Doido por árvores, ele chega a este desabafo: “Alegra-me a idéia de que desde o princípio do Estado de Israel seu governo já fez plantar mais de setenta milhões de árvores no território nacional.

Quando estive em Porto Alegre, fiz questão de visitar a antiga Livraria Globo, onde vi o seu retrato sorrindo para mim... Pouco mais, a caminho da Alemanha, minha bagagem será pequena e alma, muito grande. Até a volta!