(por Odilon Ribeiro Coutinho) Creio que há uma relação misteriosa entre o individuo e a paisagem. Quando andei pelas praderias da Mancha, di...

A “irredutível integridade” de Ângela Bezerra de Castro


(por Odilon Ribeiro Coutinho)

Creio que há uma relação misteriosa entre o individuo e a paisagem. Quando andei pelas praderias da Mancha, diante das planícies que fugiam, céleres, de minha vista até se perderem no horizonte, demarcadas apenas por uma pequena árvore ou simples arbusto, situados a longo intervalo um do outro, apoderou-se de mim uma sensação de espaço intemporal e o imenso vazio que se fez sentir, comunicou-me a impressão de que o espírito ia, aos poucos se desgarrando da terra

Então, compreendi o delírio do fidalgo manchego Alonso Quijano, que não é outro senão D. Quixote. Na Úmbria aconteceu a mesma coisa. A paisagem desse pedaço da terra italiana está impregnada de uma humildade tão doce, que o coração se enternece a ponto de se depurar de todo orgulho.

As suaves colinas que ondulam na Úmbria têm um ar de tanta mansidão, que logo se imagina que São Francisco de Assis se deixou tocar pela doçura e humildade daqueles arredondados montes, marcados nostalgicamente pela presença, no seu macio cimo, de um cipreste solitário.

Curiosamente, D. Quixote foi o primeiro herói literário que conquistou a imaginação de Ângela Bezerra de Castro. Os sonhos e a impávida galhardia com que o heróico manchego defendeu os ideais da Cavalaria, parecem encontrar no espírito da escritora paraibana, semelhanças e afinidades que se revelam na sua admirável vocação para a resistência e na sua irredutível integridade.

E São Francisco, que Chesterton disse ser o único verdadeiro democrata que existiu até hoje, é o santo da paixão de Ângela, que o quer como companheiro em todos os recantos de sua casa, onde há uma dezena de imagens espalhadas por todas as dependências.

Detrás das muralhas de granito, na solidão de um refúgio que lhe oferecia a segurança de uma cidade, confinada, quase tão somente, à convivência do circulo familial, vigiada pela severidade do perfil de rochedos imemoriais, espreitada pelos olhos invisíveis de seres misteriosos que parecem cruzar os ares da Serra da Confusão, a escritora forrou seu ser moral com metais que não se enferrujam.

(Trecho do discurso do escritor Odilon Ribeiro Coutinho para recepção da Professora Ângela Bezerra de Castro à Academia Paraibana de Letras, em 1999)


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