A surpresa é um ótimo tempero da emoção. Tem sabor diferente daquela que buscamos sob o afã da boa saudade, digamos, de uma emoção desejada...

A casa no meio do bosque


A surpresa é um ótimo tempero da emoção. Tem sabor diferente daquela que buscamos sob o afã da boa saudade, digamos, de uma emoção desejada, planejada. A que vem subitamente, imprevisível, e nos arrebata ao sentimento inebriante, é mais intensa.

Ainda garoto, entre 10 e 12 anos de idade, percebi uma grande empatia com a música de Chopin. Sobretudo dos prelúdios e noturnos para piano vinha-me uma nostalgia longínqua, sentida como um déjà-vu de antigas experiências encarnatórias. Na coleção completa da Abril Cultural, os discos chegavam encartados em álbuns muito bem redigidos e ilustrados num contexto biográfico, cenográfico e musical da vida e obra do compositor. Imergia-me por inteiro naqueles álbuns, vendo-os e ouvindo-os.

jose alberto kaplan
Maestro J. A. Kaplan
Penso que foi daí que nasceu o estímulo para estudar piano e desfrutar dos doces anos de pré-adolescência na melodiosa convivência do Conservatório Paraibano de Música, Escola Anthenor Navarro e posterior Instituto Superior de Educação Artística. Experiência que, anos mais tarde, me arrebataria de volta ao ambiente acadêmico, já arquiteto, para uma inesquecível comunhão com um aprendizado mais apurado, durante cinco anos consecutivos, sob a classe do professor e maestro José Alberto Kaplan. Ainda hoje sinto saudades da atmosfera mágica que exalava dos corredores do Departamento de Música da UFPB, pelas frestas das portas, em fragmentos melódicos, escalas e arpejos dos vários instrumentos ali estudados. Como se estivessem eternamente ensaiando e se afinando para um grande concerto…

Quando entramos na sala onde estava o piano, não consegui controlar o choro quase soluçado
Graças à intimidade com a Música, desde a tenra infância, tendo como pai e mãe grandes apaixonados pela divina arte, e, talvez, também a traços avocados de outras encarnações, foi com natural espontaneidade que sintonizei com as grandes obras, ainda criança.

Com Chopin, havia algo diferente. Um sentimento que me rebuscava a memória inconsciente, de onde surgia com absoluta clarividência o que sua música queria dizer à “minha”. Parecia cristalina a nitidez que havia naquelas peças cheias de sutilezas, de melodias que dialogavam e se permutavam em variados registros, uma dentro da outra, do plano mais agudo ao mais grave, compondo um tecido estupendamente bem lapidado com a mais perfeita harmonia. Era definitivamente um compositor que me dizia coisas muito particulares.

Chopin por Delacroix
Chopin por Delacroix
Anos mais tarde, em uma viagem à Polônia, assim que entramos no saguão do hotel Mercure Frederyk Chopin, em Varsóvia, lá estava ele. Enorme, num painel que varava a altura do piso a teto, em uma reprodução ampliada da célebre tela de Delacroix. Começaram aí as surpresas polonesas.

Nos dias seguintes, ao perceber que o compositor pulverizava sua imagem em vários recantos da cidade, desde o aeroporto internacional, que também leva o seu nome, aos postais de bancas de revista, descobrimos que a sua cidade natal, com o inusitado nome de Żelazowa Wola, ficava a apenas uma hora da bela capital. E para lá rumamos, na manhã seguinte, de olho no mapa de papel, pois não havia GPS. Eu, Deives, papai e a amada boadrasta, Alaurinda. Já da estrada efervesciam-me os princípios da emoção que nos aguardava, só em pensar que Chopin, um dia, pusera os olhos naquelas paragens ora vistas do carro, ao som de sua música.

frederic chopin
Casa onde nasceu Chopin
Numa esquina de um bairro muito arborizado, à sombra de belas copas verde-oliva, ei-la: A casa onde ele nascera. Em silêncio introspectiva e naturalmente estabelecido, descemos. Após resolvidos os protocolos de acesso, adentramos o lindo recinto, muito bem conservado, com uma arquitetura nobre de paredes e janelas de molduras brancas, telhados escuros, bem no meio de um bosque.

Lá dentro, a sonorização do ambiente com suas obras dava alma àquela casa, aos móveis, a tudo. Quando entramos na sala onde estava o piano, não consegui controlar o choro quase soluçado, broto de profunda emoção. Ao perceberem-me às lágrimas, meus queridos familiares me envolveram em um dos mais significativos abraços, inebriado por um dos noturnos preferidos do grande Frédéric.

Depois, no bosque atrás da casa, à frente de um riacho que corria por dentro da relva ondulada, igualmente sonorizado, pude, em prece, agradecer-lhe pela obra imortalizada, que até hoje encanta o inesgotável mundo das artes.


Germano Romero é arquiteto e bacharel em música


COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Me encanta as palavras sábias do texto, refletindo toda a sua sensibilidade pelo amor à música de um dos mais importantes compositores do romantismo musical ! Aplausos!!! <3

    ResponderExcluir

leia também