Devido ao impacto da morte de Lorenzo de Medici em 1492, Michelangelo saiu de Florença, passando por Veneza, Bolonha, regressando a Florença cinco anos depois em 1497, mas rumando imediatamente até Roma. No ano de 1497 o cardeal francês Jean Bilhères de Lagraulas encomendou ao escultor sua obra mais famosa “La Pietà” esculpida em mármore para ser instalada na Basílica de São Pedro no Vaticano. Esta obra, executada entre os anos de 1498 e 1499, está excepcionalmente polida e acabada, e com ela talvez Michelangelo tenha alcançado a verdadeira perfeição. O artista sentiu-se tão orgulhoso desta escultura que esculpiu a sua assinatura na fita que divide o peito da Virgem Maria (é o único mármore assinado pelo autor).
Em 1501 Michelangelo regressa a Florença e no ano seguinte começa a esculpir a estátua do herói bíblico Davi, uma escultura em mármore com 5,17 metros de altura, concluída em 1504. É um fascinante modelo escolhido pelo artista com um nu completo, mostrando a turbulência interior que a figura deixa transparecer. A estátua de Davi tornou-se um símbolo de Florença mostrando o triunfo da democracia contra o poder dos Medici.
Quatro anos depois da conclusão de Davi, Michelangelo foi contratado em 1508 pelo Papa Júlio II para pintar os afrescos da Capela Sistina na Basílica de São Pedro no Vaticano. Por incrível que pareça, Michelangelo detestava a pintura (talvez, para não competir com Leonardo). Por esse motivo, antes de aceitar a obra, redigiu várias cartas demonstrando seu descontentamento. O teto da Capela Sistina mede 40m x 14m e foi pintado no período entre 1508 a 1512.
Os turistas que visitam a Capela Sistina, ficam impressionados com as fantásticas ilustrações da pintura da abóbada, porém não imaginam o sacrifício e o sofrimento que o artista teve que passar para concluí-lo.
Não apenas sua visão era surpreendentemente ambiciosa, mas o esforço físico de realmente pintar o teto era punitivo. Teve que construir seu próprio andaime e ficar pendurado olhando para cima no alto da capela por horas a fio, ano após ano. A certa altura, escreve a seu pai:
"Levo uma existência miserável ... nem de vida, nem de honra ... vivo fatigado por trabalhos estupendos e atormentado por mil ansiedades ... nunca tive uma hora de felicidade".
Dessas agonias emergem as maiores obras de arte da história humana. Segundo o historiador Simon Sebag Montefiore, no livro “Written in History – Letters that changed the world”, da editora Weidenfield & Nicolson, 2018, um ano após a criação da obra, ele envia esta carta em versos desesperadores para seu amigo Giovanni da Pistoia, detalhando alguns dos tormentos que enfrentou:
Voltando à estátua de Davi, foi publicado em (08/10) no jornal “O Estadão”, uma reportagem sobre a construção de uma réplica dessa estátua em tamanho original por um grupo de engenheiros, técnicos, artesãos e restauradores italianos. O monumento faz parte da Galeria da Academia de Belas Artes de Florença, também conhecida como o Museu de Michelangelo.
Há cerca de vinte anos, técnicos do departamento de computação gráfica da Universidade Stanford na Califórnia digitalizaram a estátua de Davi em miniatura e imprimiram uma cópia 3D usando tecnologias de prototipagem rápida que permitiram a produção de “réplicas precisas em escala reduzida”.
Os dados serão processados e, usados para criar a reprodução com “a maior impressora 3D do mundo”, junto com “materiais inovadores” e resinas, embora a equipe italiana haja se recusado a especificar quais tipos de materiais serão usados.
A estátua será então polida – à máquina e depois manualmente – para alcançar uma superfície mais lisa, e os restauradores darão os retoques finais, incluindo colorir a cópia para refletir as tonalidades no mármore e para dar ao trabalho um aspecto agradável do ponto de vista estético.
O processo criará um tesouro de dados que os técnicos passarão para a Galleria dell’Accademia, o museu de Florença que Davi chama de lar desde 1873, e que poderá ser inestimável caso algo aconteça com a original. Essa possibilidade causou nova preocupação há vários anos, quando cientistas italianos publicaram um artigo sugerindo que colocar qualquer pressão em seus tornozelos já rachados poderia derrubar a obra-prima.
A réplica seria, então, a peça central do Pavilhão da Itália na próxima feira internacional Expo 2020 Dubai, que estava originalmente programada para começar no fim deste ano, mas que foi adiada para outubro de 2021 devido à pandemia atual. A reprodução deverá retornar à Itália assim que a exposição terminar, porém seu destino, por enquanto, é desconhecido.
Que diria Michelangelo se acordasse de repente e verificasse que sua querida estátua com 5,17 metros de altura, estaria saindo da boca de um enorme monstro?
Sérgio Rolim Mendonça é Engenheiro Sanitarista e Ambiental