É um hábito do menor esforço sair deixando em cada livro da estante o papel ou documento que, na pressa, nunca atino onde guardar. Às vez...

Onde escondi Drummond?

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É um hábito do menor esforço sair deixando em cada livro da estante o papel ou documento que, na pressa, nunca atino onde guardar. Às vezes, se é poema ou citação preciosa de autor com lugar cativo na estante, sei de olhos fechados onde localizar o livro e, lá, deixo o achado.

Anteontem, por exemplo, recebi de William Costa a honrosa missão de escrever um nariz-de-cera para a inserção de Órris Soares em antologia da série que vem sendo publicada pela Editora A União. Sempre que recebo uma encomenda dessa monta recorro a uma cadeira velha que imagino passar a mão na minha cabeça desde a era da General Novilar (anos 1960), uma das primeiras casas de móveis e eletrodomésticos com crediário em João Pessoa.

Veio a euforia rápida da incumbência e, depois de alguns goles do café deixado na xícara, tangida a mosca, começo a avaliar a responsabilidade. Ao mesmo tempo que me reanimo, a lembrança da surpresa emocionante experimentada por um caboclo de 16 anos, virgem de grandes leituras, a se engolfar, passando por cima de algumas palavras, com o elogio célebre que abre o EU de Augusto dos Anjos. Nunca, até hoje, um prefácio me abalou tanto. Outros, e muitos deles, têm valido igual à obra que recomendam, como recordo, sem dificuldade, o que precede as Ilusões Perdidas de Balzac, escrito por um remoto Émile Faguet.

O de Órris Soares, talvez por ser o primeiro a afetar a experiência do adolescente, precisou ser compartilhado na pracinha de minha terra com outros parceiros de leitura, Ze Banjão (José de Aquino), Alcy Araujo Costa e o velho Adauto Graciano, escrivão do Registro Civil, que nos ouvia em sucessivas leituras, cada qual a sua, voltando a página a cada pedra que o poeta botava em nosso caminho.

Das 50 e mais edições do livro, estudado e revisto por cátedras e catedráticos sucessivos das nossas letras, pouquíssimas delas descartam o “elogio” de Órris, contemporâneo do poeta do EU, deambulando com ele pelos batentes da Faculdade do Recife e do jornal que primeiro acolheu aquela estranha poesia, o jornal de Arthur Achilles , órgão independente que influenciou ou fez a geração paraibana de mais evidência cultural e política do século 20. Órris, Carlos Dias, Américo Falcão, Neves Junior, Coriolano, Celso Mariz, Álvaro de Carvalho, Oscar Soares, irmão de Órris.

Estranha poesia, sim, inteiramente outra da que se recitava nos saraus e ocupava o frontispício da 1ª.página dos jornais, sobretudo de A União. É em O Comércio de Arthur Achilles que ingressam os primeiros versos do poeta que o culto e rico Órris, em primeira mão, já nos apresenta em configuração com a sua poesia: “Foi magro meu desventurado amigo, de magreza esquálida, faces reentrantes, olhos fundos, olheiras violáceas e testa descalvada”.

É a preparação para se ingressar, logo de começo, no “Monólogo de uma sombra”, Órris Soares a pegar na mão do leitor como Virgílio no ingresso de Dante e seus seguidores à “selva escura”.

Onde vi isso? Terá sido numa das páginas que Drummond dedica a Órris, a primeira delas sobre a rotina dos seus encontros, uma menção ao Dicionário de Filosofia e a última, como necrológio, realçando a dignidade resguardada na sombra dessa grande vida que enlutava o poeta maior ao retirar-se? Preciso encontrar esse testemunho de Drummond sobre o amigo a quem ele confessa dever grande exemplo, coroamento que não pode faltar como chave de ouro num perfil do grande Órris.

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