A esperança é um sentimento que transcende o ser humano, e também se manifesta entre os animais. É a sensação de possível realização de que algo agradável vai tornar a acontecer. Portanto, sempre representa a sensação de que algo bom irá novamente ocorrer conosco.
É um nobre sentimento. Está representado em todas as culturas, sob a forma de estátuas, quadros, ícones. É tão nobre que se tornou antropônimo dado a muitas das nossas meninas ao nascerem.
Em frente ao Santuário de Bom Jesus do Monte, na cidade de Braga, Portugal, existe uma belíssima escadaria.
O segundo é o Escadório dos Cinco Sentidos: as fontes da Visão, da Audição, do Tato, do Olfato e do Paladar. Todas as fontes jorram água. No terceiro Escadório, das Três Virtudes, encontramos as Fontes da Fé, da Esperança e da Caridade.
A Fonte da Esperança, caracterizada por uma Arca de Noé sob a qual escorre a água, apresenta em latim as palavras “Arca na qual se salvaram almas”, e as esculturas de duas crianças: a Confiança e a Glória.
O complexo desce por 116 metros até a base do monte, compondo uma estrutura arquitetônica de rara beleza.
Mas Esperança é um sentimento que pode ser realmente encontrado em diversos contextos. Principalmente em situações adversas, como num regime de exceção.
Muitos inocentes também sofreram perseguição e foram assassinados na cadeia, casos do jornalista Wladimir Herzog e do operário Mário Fiel Filho, torturados e assassinados quando estavam presos sem culpa nenhuma.
Chico Buarque foi quem mais produziu sentimentos cantantes que traduziam a alma do brasileiro. Com ele, Milton Nascimento, João Bosco e Aldir Blanc, Ivan Lins. Lembro-me bem de clássicos, como O Bêbado e a Equilibrista, Geni , Vai Passar, Cálice.
Menos comum entre sambistas, canções de protesto também podem ser encontradas no meio deles. É o caso de Juízo Final, canção do compositor Nelson Cavaquinho.
Crescido no meio de músicos, Nelson recebeu o apelido, Cavaquinho, pela maneira peculiar de tocar o instrumento: com apenas dois dedos. Trabalhando como pedreiro, compôs a sua primeira música,
Em 1931 casou-se na delegacia, onde fora levado pelo pai da moça, com a jovem Alice Neves. Com ela teve quatro filhos. Ingressado pelo sogro na Cavalaria da Polícia Militar, patrulhava o Morro da Mangueira montado no seu cavalo Vovô.
Lá no Morro da Mangueira fez amizade com os sambistas Carlos Cachaça e Zé Com Fome. Certo dia conheceu Cartola na Quadra da Mangueira. Depois que Vovô voltou sozinho para o Batalhão, Nelson foi preso mais uma vez. Aliás, ficar detido devido à boemia tornou-se tão corriqueiro que ele comentou: “Eu ia tantas vezes em cana que já estava até me acostumando com o xadrez. Era tranqüilo, ficava lá compondo. Entre as músicas que fiz no xadrez está 'Entre a cruz e a espada'“.
No ano de 1938, antes de ser expulso da corporação, conseguiu dar baixa da Policia Militar. Separado da esposa e dos filhos, mudou-se definitivamente para o Morro da Mangueira, onde pôde dedicar-se à música e à boemia. Vício do tempo em que foi cavaquinista na juventude, ele também tocava violão de forma esquisita, usando apenas dois dedos.
Segundo Silvio Osias, que é uma verdadeira enciclopédia musical, Nelson Cavaquinho compôs mais de quatrocentas músicas. Porém só gravou dois LPs: Série Documento, de 1972, pelo Selo RCA. E Nelson Cavaquinho, de 1973, pela Odeon.
A letra impressiona pela força, e revela a preocupação dos seus autores com o Brasil daquele momento: quando viu tanto horror, iniqüidade, tomar conta do Brasil político, em Juízo Final Nelson Cavaquinho exprime a esperança de que a semente do mal, a serpente que deixou o ovo em 1968, seja queimada. Que a luz do sol brilhe no coração dos brasileiros. E que o amor vença, e seja eterno novamente, pois um dia havia deixado de sê-lo. Vale a pena ouvi-la e acompanhá-la:
Juízo Final
Nelson Cavaquinho ▪ Élcio Soares
O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
O mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente
É o juízo final
A história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecer
É o juízo final
A história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecer
O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
O mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente
O amor será eterno novamente
O amor será eterno novamente
Olhando hoje em torno, tanto horror e iniqüidade manifestando-se, dá vontade de fazer surgir brilhante, entre nuvens flutuantes, um enorme Zeppelin. É quando vemos que os versos de Juízo Final estão se tornando atualizados como não se via desde a redemocratização há pouco mais de três décadas, despertando o sentimento nacional da esperança de que a semente, o ovo da serpente, seja queimada antes que ela nasça.