Quando, com salário insuficiente, trabalhei também com publicidade, colecionava publicidade impressa. Um anúncio dos anos 70, 80, reco...

O que eles tinham que você não tem?

Quando, com salário insuficiente, trabalhei também com publicidade, colecionava publicidade impressa. Um anúncio dos anos 70, 80, recortado de uma revista Visão ou Veja, me chamou atenção: o da nova Olivetti – máquina de escrever a caminho do computador - , em que essa provocativa chamada “O que eles tinham que você não tem?” vinha com retratos de Einstein, Leonardo e Freud.

Resposta:

software,

como o daqueles gênios ... e do adiantamento do futuro, em que já havia alguma capacidade de armazenar informações e de associá-las.

Claro:

Freud fora buscar uma de suas principais sacadas sobre a família no grande clássico do teatro grego, o “Édipo Rei”, de Sófocles.

Einstein juntara duas teorias aparentemente irreconciliáveis: a da luz expandindo-se como ondas – conforme Maxwell, e como corpúsculos – segundo Planck – acertando em cheio, conforme confirmado pela tecnologia já disponível.

Leonardo fizera dissecações em cadáveres, proibidas na época, para pintar anjos, e “a divina proporção”, que utilizava em sua arte, devia muito ao conhecimento da matemática grega.

OK.

Tintoretto:

juntara as cores de Ticiano com as figuras em forma de chamas de El Greco, para criar seu estilo.

Newton:

dizia que vira mais longe, porque subira em ombros de gigantes - como Kepler, Galileu e Tycho Brahe.

“Águas de Março”, de Jobim, muito deveu ao “Águas do Céu”, da compositora Inara, e a um ponto de macumba que dizia, mais ou menos,

“é pau, é pedra, é seixo miúdo,

roda baiana por cima de tudo”.

Ponto.

Mesmo sem um pingo de genialidade, tive a sorte de usar esse processo a vida toda. Meu romance “A Canga” veio ao mundo porque fui chefe da carteira agrícola da agência do Banco do Brasil em Pombal, no alto sertão paraibano, por quatro anos, numa época em que estávamos em plena ditadura: o jugo de bois aplicado nos filhos de meu protagonista – que vivi no teatro quando jovem e, velho, no filme do Marcus Vilar - me veio naturalmente como símbolo de opressão.

“A Verdadeira Estória de Jesus” me veio da leitura dos “Diálogos” de Platão, associada à de uma Bíblia comentada, em 16 volumes, e a um conhecimento anterior, dela, que vinha das passagens bíblicas narradas por meu pai, que era muito católico, quando eu era menino.

“A Ceia” - que pintei para o Sindicato dos Bancários em 89 - , me ocorreu criar ao ver a parede à minha frente vazia, no restaurante em que almoçava, e associá-la à do refeitório do convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão, onde Leonardo pintara seu Cenáculo, ao que me acudiu uma outra comparação - a que acabara de ler em Bertrand Russell - entre os judeus Jesus e Marx, mais seus respectivos discípulos. Meu “rimance” A Engenhosa Tragédia de Dulcineia e Trancoso deriva do libreto da ópera Dulcineia e Trancoso, que escrevera para o maestro Eli-Eri, ópera armorial e por isso centrada em Ariano... e seu grande ídolo, Cervantes, em torno de um de seus principais temas, o da Pedra do Reino, com o da lenda derivada do sebastianismo português.
Daí Dulcineia (por causa de Quixote) e Trancoso (por causa do autor renascentista português Gonçalo Fernandes Trancoso e suas histórias mirabolantes).

Ainda agora comentava com Saulo Londres, aqui neste espaço, a respeito de um quadro que fiz ao ver, de cabeça para baixo, a foto de uma igreja renascentista italiana, sentindo o céu, de repente embaixo, como um abismo sem fundo, que me remeteu ao vazio existencial que dominou a pintura de Edward Hopper. Olhei as colunas do terraço dessa obra histórica e me lembrei daquelas do quadro Summertime, pelo que reproduzi, numa tela de tamanho médio, a igreja invertida, com... a personagem feminina da obra do americano, o vazio dele acrescentado com o meu, visivelmente maior.

O QUE ELES TINHAM QUE VOCÊ NÃO TEM?

Zé Américo – inconscientemente ou não – com seu... software... trouxe Édipo e Hamlet para o Brejo paraibano, nA Bagaceira.

Joyce levou a Odisseia para seu Ulisses,

a mesma Odisséia que Kubrick levaria ao espaço, em “2001”.

Tolstoi foi buscar em Stendhal e Victor Hugo a batalha napoleônica – que eles vinham visto, mas a que ele não assistira, para seu Guerra e Paz.

Spielberg lança agora o remake de West Side Story – um clássico do cinema, que nos trouxera, 40 anos atrás, o Romeu e Julieta que Shakespeare criara no final do século XVI,

e o realismo mágico do Gabo nos deu de volta o “clima” surreal dO Asno de Ouro, de Apuleio, de dois mil anos antes.

SOFTWARE.

SEMPRE.

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