Revisando notas e arquivos recolhidos a escaninhos de memória e outros repositórios, vez por outra encontro registros como este, que lança...

Um cavaleiro literário

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Revisando notas e arquivos recolhidos a escaninhos de memória e outros repositórios, vez por outra encontro registros como este, que lançados, por razões diversas, no baú de esquecimentos, foram submetidas a uma hibernação da qual refluem em momentos impensados, como o que me trouxe, agora, esta recordação.

Pediram-me alguns amigos, dentre os quais o saudoso Wills Leal, que pretendia publicar plaquete com depoimentos sobre o poeta e intelectual Manoel José de Lima, o popular “Caixa D’Água”, cuja morte, há 15 anos, deixou um vazio nas noites da cidade de João Pessoa, cidade que ele amou nas suas andanças e evocou com muita propriedade e sentimento em seu poema Caminho Perdido:

“[...] A cidade sem porta, as ruas brancas de minha infância que não voltam mais.”

Conheci Caixa D’Água nos idos dos anos 60, quando militava diuturnamente no jornalismo de então e aprendia o “saber sabido” dos veteranos que faziam a “universidade de A União”, onde exerci funções diversas, que me fizeram próximo da figura mítica de Virginius da Gama e Melo, ao qual nos acostávamos, inclusive o nosso Manoel, que já naquela época era uma espécie de Sancho Pança virginiano, nas andanças noturnas do “Menestrel” pelas vielas e becos onde o poeta da Ladeira da Borborema era doutor.

PMJP
Afastado um pouco mais do jornalismo cotidiano, ao assumir o magistério na Universidade Federal da Paraíba e levado a percorrer caminhos diversos de suas trilhas, não perdi, por completo, o contato com nosso poeta, notadamente durante os períodos governamentais liderados pelos escritores Ernani Sátyro e Ivan Bichara, de quem fui auxiliar, quando tive oportunidade de testemunhar a aproximação que “Caixa” mantinha com ambos, especialmente com o primeiro, cuja sisudez de homem afeito aos ambientes solenes e formais da alta administração federal e das letras nacionais não opunha restrições à saudação de “nós, intelectuais”, com que era sempre acolhido pelo poeta, nas mais diversas circunstâncias.

Criando uma poesia afinada com padrões intelectuais da modernidade da época, Manoel José de Lima era mais uma afirmação de que a genialidade, embora muitas vezes excêntrica, por fugir aos padrões usuais, independe de formação acadêmica, brotando espontaneamente da natureza humana e representa a grande capacidade do homem, como parte de sua essência, de exteriorizar sentimentos que os comuns dos mortais não se apercebem.

Se tivesse vivido na Bahia, “Caixa D’Água” decerto seria personagem de Jorge Amado, varando noites soteropolitanas em companhia de Pedro Archanjo.

No Rio de Janeiro, provavelmente o nosso poeta cantaria as belezas dos morros cariocas, ao lado de naipes como Ataulfo Alves, Cartola, Nelson Cavaquinho e muitos outros.

Mas... Viveu na Paraíba!

Mais precisamente em João Pessoa. E aqui cantou, a seu modo, as belezas de uma cidade que não o conheceu, como ele a conhecia.

Cavaleiro literário, sempre percorria a “Cidade das Acácias” a pé, com seu característico terno branco e sua pasta de Executivo, cofre que protegia sua obra tornada letra de fôrma com muito esforço e pouco reconhecimento.

E... lá ia o poeta a ver seus sonhos! “[...] Se minha mãe se abruma, se o mar geme, se os mortos não voltam mais, se as matas silenciosas não recebem visitas, se as folhas caem, se os navios param, se o vento norte apagou a lanterna, eu tinha nas minhas mãos somente sonhos. Eu tinha nas minhas mãos somente sonhos.” (De Caminho perdido)

Lembrar Manoel José de Lima, o poeta Caixa D’Água, é lembrar inúmeros personagens de nosso dia-a-dia, que marcaram, de uma forma ou de outra, a própria vida de todos nós, deixando-nos lembranças de fases que se integraram permanentemente ao mosaico de nosso cotidiano, como bem ele lembrava.

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  1. Obrigado por trazer à lembrança esse personagem que junto com Mocidade, Macaxeira e outros conformavam um certo tipo de cultura popular apenas passível de existir em uma cidade provinciana como era nossa Filipéia de 50 ou mais anos atrás.

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