A função da poesia é revelar os objetos sob um novo olhar – isso a gente aprende logo nas primeiras aulas de Teoria da Literatura. O signo poético, por sua opacidade, não estabelece um vínculo direto entre o significante e o significado. Constitui uma palavra-coisa, não uma palavra-sinal – para usar a terminologia de Sartre em “O que é a literatura?”.
A essa opacidade, ou ambiguidade, do signo poético deve-se o seu poder de ir além das representações convencionais. Dela nasce a polissemia, que faz com que o signo se enriqueça em função dos novos nexos que estabelece com a realidade.
Carmem Cândido Rodrigues
Ferreira Gullar destaca essa característica na poesia de Augusto dos Anjos em um dos melhores estudos já escritos sobre a estética do paraibano. Evocando o formalista russo Viktor Chklóvski, mostra como a estranheza é um dos fatores que nos fascinam na sua poesia.
A estranheza conduz a uma “dificuldade” perceptiva que, em vez obstacular a compreensão, nos convoca à descoberta de novos enlaces de sentido. Pode-se até discordar da visão de mundo do paraibano, mas é impossível não se sensibilizar com o acerto das suas escolhas verbais.
Annabel
Há uma enorme diferença entre a transfiguração e a desfiguração do real. No primeiro caso, o real nos aparece sob um novo olhar graças à forma inusitada com que nos é apresentado. É quando as imagens mantêm com ele um tipo de vínculo que, de alguma forma, o torna reconhecível ao mesmo tempo que o amplia e enriquece.
No segundo caso (o da desfiguração), a ousadia das imagens compromete aquele mínimo referencial analógico que confere verossimilhança à representação. As imagens parecem nascer de si mesmas, arbitrárias e autônomas, num jogo maneirista em que o leitor se perde por não ver nelas nexo. É uma espécie de surrealismo manco, desconectado das fontes significativas do inconsciente.
Stefan Keller


















