Quando eu era adolescente eu era muito magra, pouco peito e a minha mãe, desavisada, dizia que a minha bunda era grande. Imagina! apena...

Mulheres: outros adjetivos

maturidade velhice tempo
Quando eu era adolescente eu era muito magra, pouco peito e a minha mãe, desavisada, dizia que a minha bunda era grande. Imagina! apenas tomava corpo de mulher. E eu, pré-adolescente, me olhava no espelho e me sentia deslocada. Como a maioria das meninas dessa idade. Para ficar sem forma, eu usava cinta, hã?. Depois, sob o olhar do namorado, que dizia estar tudo lindo, fui me apoderando do meu corpo – aquele que eu tinha, e me achando melhor. Ou seja, precisei do olhar do outro, de um homem, para referendar a minha fina estampa.

maturidade velhice tempo
Ana Adelaide Peixoto
Acervo pessoal
Com o tempo, caminhei olhando para a celulite, para as estrias, o peito pequeno, a bunda que foi me conquistando, mas sem nunca ser a gostosa do pedaço. E nem queria. O encabulamento não me deixava ocupar esse lugar. Depois, aos vinte anos, fui ganhando confiança, mas sempre com algo a menos, ou a mais. Aos trinta, já mãe, e com o corpo magro e de biquini de lacinho, eu me achava em forma. Ágil. Esguia. Amamentado quase um ano o meu filho mais velho. A maternagem me dava poder e cansaço também.

Aos quarenta, uma idade que, a mídia e o mundo, destila que estamos velhas, eu estava bem com as minhas limitações, e com o meu corpo em dia. Nunca fui de ficar olhando muito as dobras, os vincos e as marcas. Mas aos cinquenta e poucos, eis que chegou a tal da Menopausa e o tsunami dos hormônios. Insônias, calores, libido em baixa, ansiedade, impaciência, medo, e o pensamento de que o mundo ia se acabar. Não me reconhecia. E lia, e tomava chás e ia ao médico. Procurava ajuda para me re-conhecer naquele novo corpo que não me obedecia. E a invisibilidade começa agressivamente. E as cobranças. E o nosso próprio etarismo. Cansei de expressões: “Maria é organizada”; “Marília está gorda”; “Fernanda magra”; “Rosângela está caída, desanimada, olheiras, peitos arreados, pescoço enrugado”. “E as mãos? Denunciam tudo e o colo?” Não pode decote. Uma mulher mais velha não pode usar cabelos longos, nem mini saia, nem braços ao léu. Olha a barriga dela! Os braços que balançam ao dizerem “tchau”. “Vovó, seu braço é molinho!” me falou Luísa outro dia carinhosamente. E rimos juntas.

Ana Adelaide e Luísa Acervo pessoal
Dia desses vi um post da Pati Pontalti (jornalista que escreve sobre moda, etarismo, comportamento) que dizia, porque, ao invés de apontarmos o corpo das mulheres como assim e assado, a gente não dá outros adjetivos às mulheres. E fiquei aqui a listar alguns: assertiva, de personalidade marcante, bem humorada, engraçada, divertida, irreverente, alegria saltitante, elegante no gestual e no falar, espontânea, inteligente, sagaz, expert no que faz, dinâmica, certeira, dançarina, ri com os olhos, eloquente, sensual no silêncio. E na fala. Tanta coisa a dizer e a gente se resume às curvas, e/ou aos cabelos brancos, ou a um corpo envelhecido.

Aos sessenta, ultrapassamos todas as linhas do desejável. A tal da terceira idade. Os homens sessentões ficam mais sábios, sedutores, tranquilos, apaziguados com as conquistas da vida. E vão namorar as de 30. A famosa busca eterna da
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Ana Adelaide Peixoto
Acervo pessoal
juventude através de uma mulher jovem para disfarçar a sua própria velhice e acabrunhamento. Tome Viagra para dar conta de uma vida sexual buscada a ferro e fogo. Ás mulheres, são tão exigidas! Quem não fez ainda a sua plástica, diminuiu as bochechas, harmonizou a face, suspendeu os peitos, lipo escultura nas coxas e barriga e cintura fina de pilão, fica na linha do esquecimento do mundo do olhar. Sem falar no cabelo com babyliss, as unhas postiças, os peitos inflamados, as glândulas retiradas, e a vagina e os lábios plastificados. Com perfumes íntimos e cabelos bem aparados. Nada que lembre o corpo primitivo, natural com todos os seus meandros e diferenças. Ô canseira!

No Brasil principalmente. Lugar de praia e corpos exuberantes. Do sol iluminando a saúde, mas não só. Não temos espaço para as mulheres velhas. Particularmente, admiro muito quando vejo uma mulher idosa, para usar outro termo, caminhando e cantando na praia. Com um corpo todo seu, seja ele qual for. Leio a estrada da sua vida e consigo admirar os seus passos mais vagarosos desfrutando cada grão de areia, da beira mar salgada e da sua contemplação ao infinito do verde azul. Uma beleza sem fim.

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  1. Anônimo7/9/23 11:32

    Um texto irretocável. Forte abraço, Regina Lyra

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