1 ▪ Introito “Eu fico estarrecido que algum homem, vendo o quanto um outro se faz de tolo ao dedicar suas atitudes ao amor, ainda ...

Esboço de uma história de amor

conto paixao romance
1 ▪ Introito

“Eu fico estarrecido que algum homem, vendo o quanto um outro se faz de tolo ao dedicar suas atitudes ao amor, ainda possa, após ter rido de tais tolices nos outros, tornar-se motivo de seu próprio desprezo, ficando apaixonado.”
Benedito

Ela desafiou-me: disse que achava interessante o que eu escrevia, mas queria ver-me compor algo sobre o “amor”. Guerras do outro lado do mundo, mazelas sociais, discussões metafísicas...; não, não lha interessam tanto quanto uma tórrida paixão mal resolvida (as bem resolvidas não são dignas de nota). Como gosto de competições – embora saia sempre derrotado delas –, aceitei o desafio. Escreverei uma história de amor.

Não há assunto mais trivial entre os interesses humanos do que o amor. Ainda assim, conquanto seja banalizado na literatura e na música, não é tema com que se possa lidar facilmente; dos tantos que fazem uso desse tema corrente, poucos são os que extraem dele algo de extraordinário. Infelizmente, para meu ego e para paciência do leitor, não sou desses; mas agora estou pelo menos entre aqueles.

Como se escreve uma história de amor? Inicialmente devo escolher o gênero literário: um conto. Sei, sei, não precisa recalcitrar o leitor; dum conto é impossível se extrair uma bela história de amor; sequer uma comédia romântica, quanto mais um drama ou uma tragédia. O tema não combina com a via curta do conto. Todavia, deve entender o leitor que o autor sabe bem das suas limitações intelectuais, bem como da economia com que Deus o agraciou com o dom da arte, que lhe é bastante escasso; se é que, olhe lá, ele esteja [o tal dom] de alguma forma presente em sua personalidade (pois é normal ao pretenso escritor crer que sabe escrever). Limitar-me-ei, assim, a escrever um pequeno conto de amor; está dito.


2 ▪ Os personagens

Trânio: “Eu peço que me diga se é possível / Que o amor grude tanto em um momento”.
Lucrécio: “Ora, Trânio, até ver que era verdade / Eu nunca acreditei que fosse assim. / Mas enquanto eu fiquei sem fazer nada, / Descobri que num nada nasce o amor”.

Ultrapassada a escolha do gênero literário pelo qual esta história de amor se desdobrará, preciso criar os personagens. Tarefa tormentosa esta, pois imaginar reinos, universos, seres fantásticos e deuses não chega perto em dificuldade de se construir o que de mais complexo a natureza pôs sobre a Terra: o ser humano (o ser deve ser humano, haja vista os outros animais não serem suficientemente irracionais para arriscarem-se numa história de amor.
A fugacidade do sexo sem amor é-lhes suportável quando estabelecido o custo-benefício da paixão avassaladora; foi a escolha que fizeram quando da Criação). E não falo de sua anatomia, mas do emaranhado indecifrável e inesgotável das suas emoções. Devo criar um homem e uma mulher... “Epa! – exclamará o leitor. – Por que homem e mulher? Por que gêneros diferentes? Não devemos incentivar a ruptura desses preconceitos? Acho que você já escreveu algo sobre isso. Por que não pessoas do mesmo gênero, homem e homem, mulher e mulher... uma história de amor homossexual?”. Pertinente observação do leitor, a quem agradeço por recordar idéias que defendi alhures; não deixo de notar, vaidoso, que meus textos estão sendo lidos, pelo menos por esse perspicaz leitor. Ocorre, porém, que não tenho a pretensão – legítima, não se há de negar – de inserir neste pequeno texto discussões que exorbitem a “mera” paixão. Por certo que a história de amor – objeto da narrativa – perderia espaço para a discussão psicossocial tão relevante que adviria dum “casal” – entre aspas porque Aurélio chama “casal” o par composto de homem e mulher – que fugisse aos padrões comportamentais mais aceitos pela sociedade, ainda que preconceituosos.

Então, deixemos todas essas discussões de lado e continuemos a nossa história de amor. Onde estávamos? Ah, sim, no casal protagonista. E aqui me antecipo ao leitor que esbraveje contra a limitação numérica que impus. Não tenho nada contra orgias, haréns, sociedades poligâmicas, relacionamentos “abertos”;
mas, emprestando as razões esboçadas no parágrafo anterior – para o qual remeto esse leitor, que desconfio seria o mesmo daquele questionamento – vou ficar apenas com um casal protagonizando esta história de amor. Mesmo porque, como já dito, o autor tem suas limitações artísticas, e elaborar personagens é tarefa espinhosa, também já dito. Pois bem, avancemos.

Considerando que tudo que o homem descobre e cria tem base no que outros tantos homens descobriram e criaram, num dinâmico e evolutivo conhecimento empírico – essa regra tem apenas uma exceção: Adão, o grande pioneiro desbravador da sabedoria humana, pois sendo o primeiro homem, não tinha como copiar a idéia dos outros –, temos que tal evolução experimental se aplica à ciência, arte ou a qualquer aspecto do saber humano – e já digo isso fazendo uso dessa lei, porquanto quem não conhece que Newton enxergou longe porque subiu no ombro de gigantes? – Não ria leitor irônico, não pretendo dizer que estou enxergando longe (e muito menos me comparando com o gênio da física), porque do saber sou míope e talvez nem mesmo o Everest me auxiliasse a ver além de palmo do nariz. Ah! finalmente você concordou comigo; pelo menos isso. – Assim, seja o gênio da literatura universal ou o escritor amador – como este que derrama desajeitadamente tinta no papel –, a inspiração para construção de um texto vem, principalmente, das experiências literárias anteriores. Deixando de lado a filosofia barata, não me acanho, então, em buscar meu herói nos clássicos.



3 ▪ Um capítulo extemporâneo

Escrevendo o terceiro capítulo (que já não o é mais, pois coloco em seu lugar este; e não se sabe se será o quarto ou mesmo se existirá), que trata do personagem masculino protagonista deste esboço, resolvi acrescentar detalhe a esta história, o que justifica, pelo menos para mim – não sei se para o leitor – a presente intromissão: o autor do conto também será personagem. Trata-se de um escritor amador, beirando seus trinta anos, que nos seus fins de noite dá-se a escrever histórias, numa quimérica vontade de ser lido, e quem sabe até elogiado, por alguns poucos amigos que têm acesso aos seus textos. Ou melhor, sendo o personagem acima referido o próprio autor, posso escrever: trato-me de um escritor amador, beirando meus trinta anos, que nos meus fins de noite
dou-me a escrever histórias, numa quimérica vontade de ser lido, e quem sabe até elogiado, por alguns poucos amigos que têm acesso aos meus textos.

Não conheço muito dele – ou de mim, se consideramos que o narrador já seja o autor-personagem, e não o autor –, mas o pouco que sei não é digno de ser exposto. O impulso para a criação da presente história, que ele denominou “Esboço de uma História de Amor”, está descrita no capítulo primeiro. Como o autor é personagem-narrador, posso dizer que quem está a escrever este capítulo já seja ele, e não eu. Aliás, sou eu mesmo, o personagem-narrador, pois já sou (ou ele é) o autor desta narrativa. Espero não estar confundindo o leitor, pois eu (o autor) e eu (o autor-personagem) já estamos confusos. A razão para acrescentar esse personagem inusitado deverá ser revelada mais adiante. Se eu esquecer, peço que ma lembre o ledor.


4 ▪ O herói: de Romeu a Pacheco

“Enquanto teus olhos estiverem abertos não há perigo de que eu durma.”
Werther

Após o intrometimento do capítulo anterior, dou curso normal a este rascunho, que já aponta alongamento deveras indevido. Não culpo o leitor que queira deixar de lado esta leitura, apesar de torcer para que não o faça. Aliás, suplico: fique leitor; por favor, fique. Não prometo dar-lhe entretenimento, muito menos oferecer-lhe sentido para as grandes questões da nossa existência; mas me comprometo,
com veemência, a ficar em sua companhia até o fim dessa história insípida. Espero.

Será possível amar alguém mais do que a si mesmo; mais do que a própria vida? Quem se meta a compor o personagem masculino de uma história de amor não tem como não se inspirar no jovem Montecchio e no furor de sua paixão pela bela Capuleto. O enamorado Romeu não vacilou em seguir sua amada pelas ruas caliginosas do lugar de onde ninguém jamais voltou; ser-nos-ia compreensível fazê-lo? A realidade imitaria a ficção genial de Shakespeare? Ah! Quantos corações já suspiraram pelos versos do apaixonado veronês: “Que dama é aquela que enriquece o braço / Daquele jovem?”, “Amei eu antes? Meu olhar contesta: / Só vi o que é beleza nesta festa”. O que para nós é sublime na ficção, geralmente não passa de desatino na vida real.

Ou posso seguir, na concepção do meu herói, pelo caminho do amor insensato do jovem Werther, criação do não menos magistral Goethe, que, ao deparar-se com a virtuosa Carlota, dizia não saber mais se fazia dia ou noite, e que era, a partir de então, indiferente ao próprio universo. É isso? A paixão nos tolhe os sentidos? Será o amor um elixir inebriante, que turva as emoções que dele não partam?

Nessa criação, tenho paradigma também nas lendas, como a de Aberlard, o teólogo apaixonado que, ao confrontar seu voto de celibato com os úmidos lábios de Heloise, optou – sensatamente, digo – por esses; e que ainda hoje entusiasma padres a despir-se da batina – também literalmente (aliás, convenhamos, na maioria das vezes apenas literalmente) – e correr atrás da mulher amada. Posso fazer uso da História também: que tal o príncipe Eduardo – depois Conde de Windsor –, que abdicou ao trono britânico pelo amor de sua “maculada” amada divorciada? Romeu, Werther, Aberlard, Eduardo... consigo agora pensar em meu herói: chama-lo-ei Pacheco.

Sandoval da Silva Pacheco era funcionário público e trabalhava na repartição que cuidava do abastecimento de água da cidade. Homem de compleição pouco esbelta, cuja barriga protuberante denunciava a vida sedentária,
calva que avançava inclemente, ele era um homem aprazível, apesar de taciturno. Das coisas do amor, desconfio não soubesse muito; nunca se viu com namorada. Diz-se por aí que talvez ele sequer conhecesse os prazeres carnais, porquanto jamais fora visto em nenhuma das casas de tolerância da cidade, fosse no Bar de Maria Gorda ou na boate Raio do Luar. Isso, após já ter transposto a porta dos “trinta”. Fosse verdade ou puro despeito da solteirona da esquina, que lhe arrastava asas com o descarado intuito de juntar as duas solidões, fosse ou não fosse, não posso afiançar tais suspeitas. Morava sozinho, e ninguém (entre os quais me incluo) sabia de família que tivesse. Chegou por lá há uns bons doze anos; foi transferido sabe-se lá de onde, e foi ficando, ficando... Já fazia parte da cidade. Eis o meu herói.


5 ▪ Em defesa do herói

Fui muito cruel com nosso protagonista, é verdade. Nunca ter namorado! Dante não conceberia círculo infernal com castigo tão tormentoso. Acho que foi o pensamento mais desumano que tive em toda minha vida! E olhe que os tenho muitos. Andei imaginando como seria uma tal pessoa que com seus trinta e poucos anos ainda não tivesse tocado, com os seus, os lábios de outra, e cheguei à conclusão de que sua personalidade e suas emoções seriam tão complexas que só poderiam ser descritas por um Dostoievski;
não por mim, limitado escritor amador. Por isso, para minorar os riscos da mediocridade deste trabalho, já que não saberia lidar com este intricado personagem, retifico a história de nosso herói, para torná-la acessível às minhas letras, acrescentando uma namorada em seu passado. Trata-se de Josefina, filha da costureira Adelaide. A menina enamorou-se dele logo de sua chegada na cidade. Bilhetinhos para cá, bombons para lá; mantiveram um namorico de alguns meses, que não rendeu frutos, não sei bem o porquê; e prefiro não me alongar nesse ponto, pois Josefina entra nesta história de amor – que não é a sua – apenas em razão do problema Dostoievski. Que não se melindrem as feministas; se o equívoco tivesse acontecido com a personagem feminina, poderia muito bem Josefina ser Josefino.

Receio que o leitor – mais precisamente a leitora –, se acaso existir, não esteja muito empolgado com nosso protagonista. Seu perfil não é dos grandes amantes das fábulas; não lhe fora emprestada exuberante beleza, ainda menos fino trato para com as mulheres – conquanto não fosse feio ou grosseirão, vale dizer. Ora, e quem disse que o amor é sentimento exclusivo dos belos? Teria a Providência criado esse sentimento apenas para um seleto grupo de garbosos homens?
A vida parece que se arrastava ali, sem pressa de chegar ao abismo escuro que a finda. A igreja, a praça, os anciãos a tagarelar para esquecer o término que se aproxima inclemente...
Quasímodo houvera de responder negativamente. Por isso bato pé: não confiro, em nenhuma hipótese, predicado de deus grego ao nosso Sandoval. Não lhe acrescento cabelo na calva nem lhe diminuo centímetro na cintura. E digo isso da distância que me impõe a beleza que me acompanha desde sempre. Não posso deixar de registrar tal fato, atestador da minha imparcialidade, da minha falta de interesse na defesa dos menos formosos. Como percebe o leitor, é menos o pernosticismo e mais o meu senso de justiça que me força abrir mão da modéstia neste parágrafo. [dada repercussão destas palavras, que podem de alguma forma me atingir, peço licença ao leitor para recordá-lo quem escreve este texto].

Com a polêmica que possa causar o parágrafo anterior, e resolvido o problema Dostoievski, passo ao capítulo seguinte, dos mais importantes deste esboço.


6 ▪ Uma mulher

Catarina: “Amo-o loucamente; que não me ame, não me importa, contente-se em ser meu marido. Não se espante, não o incomodarei em nada; serei um de seus móveis, o tapete sobre o qual você anda... Quero amá-lo eternamente”.

Labor hercúleo esse o de criar a protagonista feminina de uma história de amor; pois quem, senão a mulher, realmente vive uma história de amor? Pobre homem, mero coadjuvante nas coisas da paixão; ama, não se nega, mas só o percebe quando o amor repousa longe no passado intátil. A mulher não; vive-o em seu presente, acontece com ele; melhor, confunde-se com ele. As histórias de amor são antes histórias de mulheres, onde o homem entra como mera formalidade, ainda que necessária. “Que importa a morte?
Chamas-me, queres-me, vou”, disse Isolda, intrépida, quando requisitada por seu amante, Tristão, destemendo o fim da própria vida na lâmina da espada do marido traído. Mulher e paixão são as duas faces da mesma moeda.

Uma mulher... Devo imaginar uma mulher; sim, uma bela e intelectual aristocrata, cosmopolita, admiradora da poesia e do vinho francês, conhecedora de história e de arte, elegante, de humor requintado... Que não seja nobre, então. Uma formosa e esperta campesina plantadora de verduras, de temperamento forte, mas sem disparates, que mesmo sem estudos – por faltar-lhe oportunidade, frise-se – não se deixa ludibriar. Veja bem, leitor, abro mão da fidalguia e da opulência, mas não da beleza e da inteligência. Essa imprescindibilidade da formosura pode ser contraditória com o que foi dito no capítulo anterior, sim; mas a vida não é um poço de paradoxos? Não é o mesmo cristão que descrê do curupira e acredita no despertar de Lázaro? Incoerências, meu caro leitor, o homem é feito de incoerências. E eu não sou diferente. Ademais, sou eu o autor deste esboço e não devo maiores explicações; é a liberdade artística, da qual não prescindo; quando ma é conveniente, óbvio.


7 ▪ Num cenário, numa época

Ora, uma bela história de amor tem de acontecer num belo cenário. Não sei se esta história de amor será bela; aprecemo-nos então com o cenário. Pensei em ambientar o conto que nascerá deste esboço em estreitas ruas históricas de uma cidade européia, com seus cafés e teatros, pontes
e verdes parques, tudo propício à germinação de uma paixão, pois nada como a efusividade da urbe para colaborar com encontros; ou ainda numa fria e montanhosa cidadezinha norte-americana, ali na fronteira com o Canadá, com monótonas florestas de pinheiros a balançarem sob o vento gélido cortante, como num conto de Hemingway. Colocar-se-ia um casal naquele inverno tristonho, que o conhaque sobre o tapete em frente à lareira e a necessidade do aquecimento mútuo cuidariam do resto; seria muito cômodo. E minha imaginação foi mais longe – coisa rara! –, pois pensei também numa exótica metrópole oriental, onde a tradição mistura-se ao moderno, o velho ao novo. Seria ambiente ideal para a diferença de idades e idéias de nossos protagonistas. Mas no final das contas tudo é relativo, como o próprio amor, que é hoje e pode não ser amanhã. Já observara aquele inglês de Stratford-upon-Avon (adoro esse nome):

Em dias lindos há, por vezes, nuvens; E no fim do verão sempre aparece, Com seu frio cortante, o inverno estéril; Dor e alegria são como estações
Henrique VI

Então, chego a conclusão de que não existe cenário menos ou mais propício a uma história de amor. Fico, portanto, e por comodidade, pois me poupo de empenhar-me em pesquisas sobre terras alheias, como cenário da paixão que há de aparecer neste texto,
com uma pequena cidade do sertão brasileiro; afinal o sertanejo é forte antes de tudo, como já constatara Euclides, e precisa-se ser forte para enveredar-se numa história de amor. A cidadezinha, como tantas outras da região, tinha nome de santo; ou era de velho político, cuja lembrança dos grandes feitos, se é que existiram, enterrara-se com seus contemporâneos? Não sei, e isso não importa para o amor que nascerá deste rascunho, pois ele é indiferente a tudo. A vida parece que se arrastava ali, sem pressa de chegar ao abismo escuro que a finda. A igreja, a praça, os anciãos a tagarelar para esquecer o término que se aproxima inclemente, e os meninos a traquinar, alheios a esses detalhes, eternos que são. Assim era o cenário. A época? Era 2004, do mundo cristão.


8 ▪ Um amor inusitado...
... porque compete ao amor ser inusitado

“Estou apaixonado”. Tal frase é inevitável numa história de amor, mas não se tratam estas de palavras dirigidas a Aretusa, saídas com delicadeza da boca trêmula do apaixonado Sandoval, em algum diálogo deste texto – pois deverá haver algum diálogo neste texto, não é?! Uma história de amor sem adocicados diálogos não se imagina –, nem mesmo pensamento dele no desvario da noite infindável após o arrebatamento do amor; antes fosse. A expressão aqui lançada não tem nenhum desses propósitos; não é a paixão de Pacheco e Aretusa que abordo neste capítulo,
apesar de abordá-la, a paixão. Não, leitor, quem diz estas palavras não é outro senão o próprio autor deste rascunho. Sim, estou apaixonado! já não me contenho em dizê-lo, apesar de envergonhar-me deveras. Por que me acanhar de tão belo sentimento, me pergunta você. Ora, o que dizer da paixão fadada ao fracasso, destinada a não germinar, qual uma semente infértil? Como suportar a mãe a gestação de um filho que sabe não sobreviverá? Acaricia-se o ventre crescido, sente-se o leite ansioso por nutrir vida, agradece-se os mimos oferecidos à graça do novo ser, mas vida não haverá. Não comparo o que experimento a tão terrível sentimento, porquanto dor maior não fora inventada pelo Criador; mas de semelhante mal estou acometido, meu caro leitor. Enamorei-me de uma linda moça, talvez a mais bela entre todas elas, mas que não posso tê-la em meus braços para acariciar sua alva pele, nem lhe beijar os lábios rosados olvidando de iguaria mais saborosa, nem mesmo deleitar-me com a visão de seus cabelos esvoaçando à toa, ou ouvir, ainda que de longe, o tom suave de sua voz; sequer posso perceber o olor agradável de seu discreto perfume. Ela é inacessível a cada um dos sentidos com os quais fui agraciado pela natureza, como a luz que jamais alegra os habitantes das profundezas oceânicas.

Sim, leitor, estou apaixonado por Aretusa, a bela que não habita mundo senão este encarcerado em minha mente, e que talvez agora esteja também preso na sua, acaso você tenha, com muito penar, ultrapassado o primeiro capítulo deste esboço. Um mundo de sonhos onde personagens pululam num universo inacessível ao seu próprio criador. Qual a finalidade deste capítulo? Nenhuma, a não ser a de confidenciar-lhe minha paixão, pois o apaixonado é assim, um falastrão; necessita expandir seu amor, de divulgá-lo aos quatro cantos, mesmo aquele enamorado retraído, pois no silêncio imposto pela timidez, os olhos falam o que a boca cala. Não se preocupe, dedicado ledor, meus sentimentos não influirão no desenrolar dos fatos a serem narrados, não sabotarei o amor ainda por nascer entre nossos protagonistas.

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  1. 🧵🪡✂️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️

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