É nas profundezas onde o mar guarda seus segredos mais ocultos. Quem visse, percebia como estava agitado o sono de Cilgin. Era um ser em sofrimento. Ele se contorcia, gemia, abria os braços e se encolhia. E quem fosse capaz de entrar em seu sonho, poderia testemunhar alguém penando com um pesadelo. O pesadelo de quem caía do alto de um prédio, e lutava em tormenta contra a força do vento e da gravidade, vendo o chão se aproximar como uma vertigem.
Diane Picchiottino
Às vezes, mesmo consciente, vinham essas inquietações. E, quando ele não mais existisse, o que seria dele, e tudo o que ele significava? Seus sentimentos, pensamentos, sonhos, pesadelos também, tudo que apenas um ser tem. Onde seus pensamentos, especialmente, estariam guardados? Ou se perderiam simplesmente? Era pavoroso pensar assim. Pensar é talvez a mais nobre das atividades da mente. E se perder, assim, simplesmente? Mas, então, o fato é que Cilgin acordou, e despertou ainda amargurando as dores de sua queda.
Era uma segunda-feira, mas Cilgin acordou domingo. Cilgin percebeu que o sol, o cheiro, o som, não eram de segunda-feira. Havia um céu de domingo pairando acima, um perfeito teto do mundo flutuando com seus matizes claramente de
Diane Picchiottino
Dava pra sentir na indolência de quem não precisa se levantar já, mas apenas quando der. Então, foi um Cilgin ainda estremunhado que fitou o teto, e começou a lembrar de fragmentos dos sonhos da noite. Na verdade, pesadelos. Pelo que recordava. Coisas de estorvar. Coisas que deixam um incômodo e que, por mais que se tente mudar de pensamento, vão estar sempre lá como um espinho encravado.
* Excerto do livro de Hélder Moura, 'A insana lucidez do ser', publicado recentemente (Editora Ideia), disponível na 👉🏽 Livraria do Luiz.
""Vê-se que a culpa é um forte componente da sua narrativa. A imagem onírica do sapo estuprado pelo porco antecipa o que se evidenciará, linhas depois, na cena do menino sendo violentado pelo adulto (meta-foricamente um “porco”, vocábulo a que se associam imundície e abjeção). A esse animal indiretamente se vincula a figura do pai, que permaneceu omisso e silencioso ante o sofrimento do menino." (Chico Viana)
""Vê-se que a culpa é um forte componente da sua narrativa. A imagem onírica do sapo estuprado pelo porco antecipa o que se evidenciará, linhas depois, na cena do menino sendo violentado pelo adulto (meta-foricamente um “porco”, vocábulo a que se associam imundície e abjeção). A esse animal indiretamente se vincula a figura do pai, que permaneceu omisso e silencioso ante o sofrimento do menino." (Chico Viana)