Um livro de referência a grandes escritores, que se espragata do alto da estante aberto em página dedicada a Elias Canetti, foi o que lucrei trepado em perseguição a uma aranha avistada da rede a se enfiar por entre os dorsos. O livro não foi o que lhe deu consagração, o Auto de fé, do qual, numa leitura precária, ainda pude guardar a terrível impressão que lhe causaram as multidões enraivecidas, mordidas de nazifascismo nas ruas da Viena de 1935. Dele não consigo me livrar de uma sentença que anotei com força de praga: “Tudo o que foi esquecido brada por socorro nos sonhos”.
Além do inglês aprendido naturalmente, o menino é forçado a absorver nova língua a cada mudança de domicílio da mãe, que fala o alemão de Viena, berço da família dela e língua que dava expressão aos seus momentos de intimidade e ternura com o marido, morto aos 36 anos por um ataque cardíaco que o fulminou no meio da sala.
Onde ficava o lar do menino Canetti? A impressão que nos deixa nessas memórias, é de um lar itinerante. Coisa de cigano. Tem uma tia na Suíça, outra em Paris, deixando a impressão de que o ponto mais estável e constante dessa fase entre a criança e a adolescência do futuro Nobel de literatura era a superfície constante de um lago. Um lago que sempre dava para a sua janela, fosse em Manchester, Viena ou Zurique.
Celyn Kang
Elias e Mathilde Canetti (Zurique, 1917) DUW
Talvez eu esteja errado, a criação contemporânea desviou o menino do rigor estudioso, de só largar o livro ou o exercício quando não precisar mais deles. É o que se vê nessa página, para nós, realmente dramática de formação do menino europeu, tendo na própria mãe o que para nós representou o Aristarco de “O Ateneu”.
* publicado originalmente em A União






















