E eis que de repente, sem ele notar e ninguém ao seu redor, o geógrafo e professor Modesto Siebra Coelho chega aos oitenta anos, essa marca cronológica invejável, sinônimo de plenitude existencial. Não há, realmente, quem dê ao nosso geógrafo e gestor essas oito décadas bem vividas e aproveitadas: nem ao corpo esbelto nem ao espírito ágil, as duas metades identificadoras de seu ser personalíssimo.
Oitenta anos de luta ininterrupta, pode-se dizer, como costumava acontecer com os filhos de famílias nordestinas do interior, mesmo as abastadas ou de classe média. Pois tinha-se que buscar o estudo redentor em cidades maiores ou na capital, o que, por si só, já implicava em consideráveis sacrifícios para os pais e para o infante. Como é ainda hoje, a educação era a salvação, difícil portal para a ascensão intelectual e social, galardão ilustre que geralmente ia-se conquistar longe da casa paterna.
Itapipoca (Ceará)lFabio Barros
Parecia destinado à batina, pois cedo foi estudar no Pré-Seminário Cura D’Ars, na cearense Itapipoca, seu torrão natal, para depois seguir, sempre em progresso, para o Seminário São José, de Sobral, e para o célebre Seminário Arquidiocesano de Fortaleza, onde estudaram tantos brasileiros importantes do século passado, a exemplo de Dom Hélder Câmara e do jornalista Austregésilo de Athayde.
Ele é um daqueles paraibanos de coração, definitivamente seduzidos pelas águas mornas de Tambaú ou pelas serranias da Borborema. Tal como um Waldemar Solha, um José Alberto Kaplan, um Neroaldo Pontes e uma Maria Valéria Resende, entre outros e outras. Uma gente valorosa que veio enriquecer com seus talentos o cenário humano e cultural paraibano. Aqui chegou pela porta da Paraíba profunda, Cajazeiras, como professor da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e onde exerceu também o cargo de secretário municipal de administração e planejamento. Depois, viria para a UFPB, onde só faltou ser
Modesto Siebra Coelho
Acervo pessoal
Acervo pessoal
Já consagrado no magistério e na gestão, foi acolhido na cadeira de número seis do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, onde senta ao lado de seu grande amigo, o historiador Humberto Fonseca de Lucena. E em 2006, nossa Assembleia Legislativa honrou-se ao lhe conceder oficialmente a cidadania da Paraíba, já que de forma oficiosa e afetiva ele já era, para todos os efeitos, nosso legítimo concidadão. Com isso, sabiamente foi repartida com o Ceará uma riqueza que de início estava destinada a pertencer exclusivamente à terra de José de Alencar. E na contemporaneidade, essa é uma maneira sutil de a pequenina engrandecer-se com os valores de fora, já que com José Américo parece ter se encerrado o ciclo dos nossos gigantes tabajaras.
Um autêntico cearense-paraibano. Assim podemos definir o professor Modesto, do ponto de vista da naturalidade. Uma dupla naturalidade, como se vê, pois o homem tem essa capacidade de nascer e renascer: a primeira vez no lugar onde de fato vem ao mundo; as outras vezes, onde ele mesmo, por necessidade ou opção, decide criar-se a si próprio, autoconcebido como filho de outras geografias.
Modesto Siebra Coelho
Acervo pessoal
Acervo pessoal
Duas instituições o marcaram e o definiram na vida e na profissão: o seminário e a universidade. Ambas voltadas para a educação. E mais ainda: para a formação de gerações. Não se pode falar em Modesto sem associá-lo a esses dois pilares fundamentais. O imenso alicerce está, não há dúvida, no grande Seminário da Prainha. Sobre ele é que foram erguidas a graduação na Universidade Federal do Ceará e a pós-graduação em Paris, esta última, pela rica experiência humana e intelectual, moldando seu civilizado cosmopolitismo, sua saudável e profícua abertura para um mundo grande que ia e vai além, muito além de Itapipoca, mas sem que isso diminua em seu coração um centímetro sequer da importância fundadora de suas raízes aldeãs.
Wanderly e Modesto Siebra
Acervo pessoal
Acervo pessoal
Vê-se, portanto, que, ao chegar ao cume da maturidade, o professor Modesto acha-se pleno, mas não findo. Armazenou a sabedoria dos caminhos percorridos e a distribui dadivosamente pela palavra e pela escrita. Aos sábados pela manhã, na venerável condição atual de vice-decano da Confraria de Mirabeau Dias, sempre traz aos companheiros os testemunhos, depoimentos e lições do mestre que nunca deixou de ser. Um potencial formador de almas tornado um efetivo formador de cidadãos. Um educador na mais alta expressão pedagógica.
A Paraíba e o Ceará unem-se nesta celebração. É uma data festiva, significativa e radiosa a chegada dos oitenta anos do eminente professor Modesto Siebra Coelho, patrimônio de dois estados, patrimônio do Brasil, desse Brasil cada vez mais precisado de homens decentes como ele.


















