Sem ser muito de sair de casa, salvo por obrigação, restava o Piauí com sua Teresina na minha querença mais íntima pelo Nordeste. De...

Entro afinal no Piauí

Sem ser muito de sair de casa, salvo por obrigação, restava o Piauí com sua Teresina na minha querença mais íntima pelo Nordeste. De volta de uma viagem a São Luiz, o velho DC-3 desceu para abastecer em Teresina. Pela primeira vez enfrentei um sol mais sufocante que o de Santa Luzia, da nossa Paraíba. Pouco depois, em 1973, voltando pela BR da mesma São Luiz, me vi perdido entre os picos e esculturas fenomenais do Parque das Sete Cidades.

Parque das Sete Cidades (Piauí) Acervo ICMBio
E agora me chega de graça, ainda por cima premiando-me, o Piauí na sua linguagem afetiva, no seu espírito, que é o Piauí da crônica de Rogério Newton. Afundo-me na leitura, e à medida que leio vou me achando ao lado desse escritor de apurada leveza de escrita, nada forçado, numa depuração espontânea de respeito ao leitor comum e a todos os níveis de leitura que não sei onde encontrar, hoje, via jornal, nas matrizes que modelavam e dava a palavra final às letras brasileiras.

A crônica foi feita pra isso. Não importa se é gênero menor ou se não chega a ser literatura. É o que melhor e mais acessível se presta, como leitura de bom gosto, a revelar o humano que cada vez mais se esconde por trás
Celyn Kang
do celular. Há 25 anos morando no mesmo prédio, 150 vizinhos com passagem obrigatória por 2 elevadores, é raro o dia em que nos entreolhamos. Mais rara ainda a graça de um bom-dia. Todos nas regiões etéreas da Internet.

Sempre fui um atado fora do meu terreiro. O Rio que comecei a gostar foi o que andei pisando na crônica de Rubem Braga e Genolino Amado, republicados no jornal que eu revisava. Genolino, um escritor que a bibliografia crítica da literatura brasileira omite ou desconhece.

Um dia tive que enfrentar a manhã fria numa fila de hospital em São Paulo, tiritando a pé por entre os penhascos cimentados que me levavam até lá. Voltando ao hotel, apanho na banca um “ Um homem sem profissão”, livro de fim de carreira de Oswald de Andrade, ” e termino com outro ânimo “sob o domínio da mamãe, numa casa de varandas, todo um vergel renascido ou replantado na leitura de uma memória com alo de crônica, como “As Florestas” de Augusto Schimidt.

Tinha do Piauí um clarão forte que me encandeou ao chegar à porta do avião naquele desembarque, há mais de cinquenta anos. Nas minhas contas, o piauiense tem custado
Machado Bittencourt A União
a descobrir João Pessoa. Quando a descobre, torna-se paraibano como o inesquecível Machado Bittencourt, nascido em Piracuruca, tendo feito do cenário nordestino um dos mais preciosos foto-jornalismos da paisagem regional. Deixou acervo que a arte ou a comunicação brasileira segue em dívida com a sua preservação. Parte foi confiscada pela ditadura, outra parte se mantém na FUNESC, como consta em verbete do Dicionário de Artes Visuais de Dyógenes Chaves.

Outro piauiense das minhas amizades é Bené Siqueira, professor emérito de matemática, Mas o mestre Bené é ocupadíssimo, ainda tem idade pra isso, e conversamos de passagens. Deles todos havia de surgir quem viesse lá de dentro, do corredor, dos quartos, da cozinha; quem abrisse as portas, a janela e arrastasse a cadeira até a calçada da Eliseu Martins, “rua de Terezina para república brasileira nenhuma botar defeito” e me fazer sentir na Rua da Saudade, aqui no Tambiá, ou rezando com esse “pescador de leitores” que me abraça aquele belíssimo “Evangelho dos mortos do cemitério da Praia de Barra Grande”, elegia que dá título ao livro.

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