O maior ladrão da sua vida não é o tempo. É a espera. Sim, porque o tempo, coitado, não tem culpa nenhuma. Ele segue firme, sem p...

À sua espera

tempo espera paciencia
O maior ladrão da sua vida não é o tempo. É a espera.

Sim, porque o tempo, coitado, não tem culpa nenhuma. Ele segue firme, sem parar, cumprindo o seu papel de caminhar para frente. Mas a espera... esta, sim, sabe roubar com astúcia.

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EsperandoJean-Pierre Laurens, c.1905 ▪ Museu de Belas Artes de Mulhouse, França.
Todo mundo espera alguma coisa. Espera o amanhã, como se o hoje fosse apenas um rascunho. Espera a sexta-feira, como se os outros dias não tivessem valor. Espera as férias, como se a rotina fosse um castigo. Espera ter dinheiro, como se a vida só pudesse começar depois que a conta bancária sorrir.

Enquanto isso, o presente vai escorrendo pelos dedos, como areia fina que não se segura. A xícara de café que poderia ter sido saboreada com calma esfria sem percebermos. O abraço que poderia ter sido dado fica para depois. O livro que repousa na estante envelhece junto com a poeira.

E a vida? Essa não espera.

A grande ironia é que acreditamos que estamos guardando o melhor para o futuro, mas o futuro não é cofre. O futuro é apenas um lugar onde depositamos ilusões. O presente, esse sim, é o único tesouro que podemos tocar.

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A esperaFelix Edouard Vallotton, 1899 ▪ Col. particular
Talvez viver seja isso: deixar de esperar. Comer o bolo ainda quente, rir no meio da segunda-feira, viajar sem aviso, ligar para alguém agora, e não "quando der". Porque o tempo não é ladrão, ele só cumpre a sua função. O verdadeiro ladrão é a espera, essa ladra disfarçada de paciência.

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Cardeal à esperaJosé Frappa, 1904 ▪ Col. particular
E se há uma forma de não ser roubado, é começar já, porque os sonhos não envelhecem. Mesmo que lá se vá mais um dia sem realizá-los, essa chama, que não tem pavio, é o crepúsculo que se despeja sobre a cidade com a mesma ternura dourada de sempre, à nossa espera.

Observe da janela os transeuntes, cada um carrega seu fardo invisível de horas, e uma estranha persistência de paisagem interior, que o tempo não consegue erodir. Os cabelos embranquecem, a pele marca seu território, os joelhos reclamam de subidas que antes eram voos, e o corpo, é um relógio de areia implacável. Mas há algo dentro dele que não aceita a contagem.

Não depende de um combustível comum, não se apaga com o vento passageiro das decepções. Mora no centro do peito, um pequeno sol pessoal e teimoso. Já tentaram chamá-lo de ingenuidade, loucura ou falta de juízo. Eu prefiro chamá-lo de sonho, que descobri que não envelhece.

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EsperandoEttore Tito, 1883 ▪ Col. particular
Ele podem ficar adormecido, soterrado sob a poeira grossa das obrigações. Pode ser esquecido no fundo de uma gaveta, como uma fotografia desbotada. Mas, um dia, ao arrumar a vida, você o encontra. E surpreende-se: a imagem não embaçou, as cores não desbotaram. Aquele desejo de viajar para um lugar específico, o projeto de aprender um instrumento, a vontade de escrever, de plantar um jardim, de simplesmente ser uma versão mais leve de si mesmo, tudo está lá, intacto, pulsando com a mesma força do primeiro instante, à sua espera.

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