Sou um simpatizante do movimento feminista, pois acho que a emancipação do homem depende da emancipação da mulher. Mas sou um feminista...

Galanteios

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Sou um simpatizante do movimento feminista, pois acho que a emancipação do homem depende da emancipação da mulher. Mas sou um feminista comedido e crítico. É preciso estar prevenido contra o mau feminismo, que, a pretexto de liberar a mulher, quer retirá-la de todos os embates com os homens — inclusive (ou sobretudo) os que se travam no domínio da sedução. Nesse domínio, elas têm armas mais poderosas do que as deles e a capacidade de transformá-los, de chefes, em escravos galanteadores.

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Edmund Leighton
Tudo começou com Leonor da Aquitânia e sua corte. Uma das mulheres mais poderosas da Idade Média, ela foi uma figura central na promoção do Amor Cortês e, consequentemente, na elevação do papel da mulher na literatura e na sociedade da época.

Com a refinada educação que recebeu (era fluente em occitano, o dialeto do sul da França), Leonor encheu sua corte de trovadores e, por vezes, se constituía em inspiração para os poemas. O movimento do Amor Cortês colocou a Dama no centro da criação literária, tornando-a objeto de adoração e serviço. Essa foi uma forma de inverter simbolicamente as relações de poder do sistema feudal.

Uma parte do feminismo discorda da estratégia do galanteio, com o argumento de que a propalada superioridade da mulher no terreno da conquista amorosa tem sido usada em benefício masculino. Tanto é assim que essa “virtude” não raro se volta contra ela — às vezes sob a forma de agressão... Lembrem-se, as que menosprezam o jogo da conquista, de que nem todo galanteio é assédio; e de que o assédio — em sua obsessiva e desigual persecução — está muito longe da lírica persuasão do galanteio.

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GD'Art
O galanteio representa, na verdade, uma evolução de método e ocorreu em função, basicamente, da mulher. Foi uma conquista dela, apareceu para ela, já que ao homem (hoje e sempre) interessavam basicamente os fins, e não os meios. O homem primitivo não perdia tempo com sutilezas. Premido pelo desejo, subjugava a fêmea puxando-a pelos cabelos e consumava o ato. Se ela resistia, ele tinha argumentos literalmente de peso — como pedras, rebolos, fundas ou o que estivesse à mão. Foi preciso muito tempo e uma outra visão da mulher para que essa forma de conquista evoluísse: primeiro, para o sorriso e a cara simpática; depois, para as fórmulas que, com o intento de seduzi-la, iriam levar em conta a sua vontade.

O galanteio é um apelo e um tributo. Com ele, o macho afirma o desejo sem esquecer de lisonjear o objeto. Pela originalidade com que pratica essa lisonja é que se faz atraente.

O galanteio veio substituir os sangrentos combates através dos quais, em épocas passadas, o macho disputava a fêmea. De troféu conquistado com sangue, ela foi passando a motivo e tema de engenhosas expressões,
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GD'Art
refinando-se como objeto pela delicadeza e argúcia com que era requestada. O corpo anatômico dava lugar ao corpo erótico, fonte de inspiração artística e alvo de uma espécie de culto; a lírica trovadoresca bem demonstra isso.

Não é à toa que o verbo escolhido para traduzir o apelo da conquista é “cantar”. Cantar uma mulher é pedir a ela que venha executar com o homem um dueto. É abdicar do solo primitivo e uivante com que o antepassado das cavernas, subjugando-a, acabava por reduzi-la a um objeto silencioso e inerte.

Pouco importa que o galanteio seja, por vezes, uma tática em função da qual o homem disfarça suas reais intenções. Talvez o melhor seja mesmo esse conteúdo implícito, que o disfarce torna difuso e atraente — só para homenageá-la. Quem, dentre elas, não se sentir à altura da homenagem, pode afastar (mas com jeito) o galanteador.

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  1. Aqui temos o cronista e o psicanalista de mãos dadas, a decifrar essas esfinges que são as mulheres, senhoras do mundo desde sempre (os homens é que não entenderam e, pela força, acharam que eram eles os senhores). Parabéns, Chico. Francisco Gil Messias.

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