Edward Louis Bernays (1891–1995) foi um dos arquitetos da manipulação moderna da opinião pública. Sua relevância decorre do modo como ...

Desejo, repressão e compensação

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Edward Louis Bernays (1891–1995) foi um dos arquitetos da manipulação moderna da opinião pública. Sua relevância decorre do modo como traduziu conceitos psicanalíticos para o campo da comunicação e da propaganda. Inspirado pelas teorias de seu tio, Sigmund Freud (1856–1939), Bernays enxergava os desejos ocultos como forças determinantes no comportamento humano, os quais podiam ser explorados estrategicamente para moldar escolhas, hábitos e valores.

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Bernays e Freud, seu tio, em quem se inspirou no estudo da psicanálise medium.com
A perspectiva psicanalítica parte da ideia de que grande parte da vida psíquica é inconsciente. Freud já havia demonstrado que o sujeito é movido por pulsões e desejos recalcados, que se manifestam por meio de sintomas, atos falhos e formações substitutivas. Bernays, atento a essa concepção, percebeu que esses mesmos mecanismos poderiam ser mobilizados no campo social e político. Assim, a publicidade, a propaganda e as relações públicas se tornaram tecnologias de manipulação simbólica do inconsciente coletivo.

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GD'Art
Para Bernays, os indivíduos não agem primordialmente de maneira racional. Embora possam acreditar que compram um produto ou defendem uma ideia por motivos conscientes e objetivos, na realidade são conduzidos por necessidades emocionais e simbólicas. O consumo, nesse sentido, não é apenas um ato de satisfação material, mas também uma forma de suprir carências afetivas, de obter reconhecimento social ou de expressar identidade.

Essa tese é nuclear na aplicação que Bernays fez da psicanálise à propaganda: não se vende um objeto, mas um significado. O cigarro, por exemplo, não deveria ser apresentado como simples mercadoria de tabaco, mas como símbolo de liberdade, sofisticação ou emancipação. Na prática, trata-se de uma estratégia para associar o ato de fumar a um desejo inconsciente de igualdade e poder. O automóvel não se reduz a um meio de transporte, mas encarna status e virilidade. Tais associações simbólicas respondem diretamente a desejos ocultos, situados na esfera inconsciente.

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Criação publicitária de autoria de Edward Louis Bernays medium.com
A psicanálise enfatiza que o desejo humano é estruturado pela falta. Como a satisfação plena é impossível, os indivíduos buscam objetos substitutivos que lhes prometam compensação. Bernays compreendeu que a publicidade poderia explorar essa dinâmica: ao associar um produto a uma promessa simbólica, cria-se a ilusão de que aquele objeto preencherá o vazio interior do sujeito.

Esse mecanismo se articula com o conceito freudiano de sublimação, processo pelo qual impulsos inconscientes encontram saídas socialmente aceitáveis. Ao transformar o consumo em canal de expressão de desejos reprimidos, a propaganda opera como espécie de válvula de escape, permitindo que pulsões recalcadas se convertam em práticas economicamente úteis.

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Criações publicitárias de autoria de Edward Louis Bernays medium.com
Outro aspecto explorado por Bernays foi a fusão entre inconsciente e medo. Freud já havia indicado que a angústia é um dos afetos fundamentais que atravessam o psiquismo humano. Na esfera social, o medo da exclusão, do fracasso ou da desaprovação coletiva pode ser manipulado para induzir comportamentos. A propaganda, nesse sentido, não apenas excita desejos positivos, mas também mobiliza ansiedades inconscientes. Produtos e ideias são oferecidos como respostas simbólicas a esses medos, conferindo ao sujeito uma sensação de segurança.

Por exemplo, campanhas de higiene pessoal e beleza não vendem apenas sabonetes ou cosméticos, mas a promessa de aceitação social e a fuga da rejeição. Da mesma forma, campanhas políticas podem despertar o temor do caos ou da ameaça estrangeira para legitimar lideranças que se apresentam como garantidoras da ordem.

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Criações publicitárias de autoria de Edward Louis Bernays Ilustração Mike Thompson
A utilização da psicanálise por Bernays levanta questões éticas fundamentais. Se os desejos ocultos determinam grande parte do comportamento humano, e se especialistas em comunicação são capazes de manipulá-los, surge o risco de reduzir os indivíduos a marionetes do mercado e da política. A promessa de liberdade individual se converte em mecanismo de controle invisível.

Sua obra revela que os processos simbólicos e inconscientes são centrais para a vida social. A publicidade, a política e a cultura popular ampliam o alcance da psicanálise para além do consultório.

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  1. Texto atualíssimo e oportuno. Como nos defendermos da manipulação? Grande questão. Parabéns, Klebber. Francisco Gil Messias.

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