No ano passado, retornei ao lugar onde nasci, com propósitos diferentes das vezes em que ali estive. Desejava apenas caminhar pelas cap...

O candeeiro do Zé

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No ano passado, retornei ao lugar onde nasci, com propósitos diferentes das vezes em que ali estive. Desejava apenas caminhar pelas capoeiras onde realizava minhas caçadas imaginárias, utilizando baladeira. Mesmo que o lugar contenha resquícios da paisagem de setenta anos atrás, a casa conserva os mesmos armadores de rede e o suporte para o candeeiro. O Tapuio de minha infância está mudado.

O candeeiro, alimentado por querosene e usando pavio de algodão que nossa avó tecia, soltava fumaça persistente. Na boca da noite, sentados em tamboretes ou deitados à rede, observávamos os rodopios da fumaça em direção ao telhado, desenhando réstias na parede.

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GD'Art
Em certas ocasiões, quando a lua estava grande, as salas ficavam mais iluminadas, enquanto as janelas permaneciam abertas. Recordo, com saudade, essa paisagem melancólica, de boas e más lembranças.

Folheando jornais de tempos atrás, uma nota me fez lembrar de quando José Maranhão era governador. Não faz tanto tempo. É como se tudo tivesse acontecido em décadas passadas.

Entre tantas e tantas obras de cunho social — da chegada de água do rio sagrado que corta os sertões até a construção de rodovias, ao incentivo à criação de caprinos — a decisão de apagar o último candeeiro foi uma marca na administração de Maranhão.

Assim como Ascendino Leite, nos anos finais da década de 1930, jovem repórter de A União, que tinha a prerrogativa de acompanhar o expediente do Palácio da Redenção, também fui deslocado para executar semelhante atividade durante a gestão de governadores, a partir de Ronaldo Cunha Lima até José Maranhão, em seu último mandato.

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Ascendino Leite Biblioteca Nacional
Não desejo falar da minha modesta contribuição no acompanhamento das atividades desses governadores. Apenas destaco ações empreendidas pelo governador Maranhão, num momento em que a Paraíba clamava por programas sociais que contribuissem para amenizar a situação de penúria de grande parcela da população, em diferentes regiões do Estado.

O governo empreendia uma iniciativa simples, mas de grande alcance social, que obteve repercussão entre famílias residentes no mais isolado socavão, do Litoral ao Sertão.

Apagar o último candeeiro deixou de ser ficção. Onde existiam lamparinas e pavios fumegantes, Maranhão propunha colocar um bico de lâmpada fluorescente para iluminar quem antes tinha as estrelas como aliadas para clarear seus terreiros e salas da casa.

Permitam-me revelar: a expressão “apagar o último candeeiro”, utilizada por Zé Maranhão com obstinação, foi um refrão revelado em momento de discurso, quando falava das atividades do governo em uma
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José Maranhão em uma comunidade rural pb.gov.br
comunidade rural. A comunidade onde o governador fizera a revelação era pobre. Ele disse que, se estava levando cisterna para armazenar água da chuva, seu desejo era levar energia elétrica a todas as casas. Então, na intuição de camponês revelado em Tapuio e de repórter modelado por Agnaldo Almeida, deduzimos que seria “apagar o último candeeiro”. Colocando a expressão no texto distribuído entre os jornais, os marqueteiros perceberam que seria oportuno como slogan. Tornou-se uma marca.

Certamente, casas ainda estão sendo iluminadas por lamparinas com pavio umedecido no querosene, ou por outros tipos de energia; entretanto, a iniciativa de Maranhão permanecerá na lembrança como louvável. Apesar de todo o esforço, ainda existe candeeiro a alumiar casas de pau-a-pique, de chão batido, nos grotões.

O candeeiro é destacado pelo poeta Fernando Pessoa como luz que acompanha a quietação da casa após o final do dia. Mesmo que seja dia com sol ameno ou noite suave, após fechadas as portas e janelas, os ambientes são iluminados, enquanto uns conversam, a rede range nos armadores e, lá fora, o silêncio verte a solidão na imensidão da noite, nos sertões, brejos e cariris.

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  1. O jornalista/cronista em sua melhor forma. Parabéns, Nunes. Francisco Gil Messias.

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