No outono de 1684, o grande poeta do período Edo, Matsuo Basho, passou pelo Monte Fuji, que estava escondido por névoa e chuva, mas ...
Nevoeiro e chuva, um dia de Fuji invisível
A maior liberdade a que me permito é não me sentir obrigada a satisfazer expectativas alheias.
Aprendi a silenciar
O sol se deita suavemente na borda azul do mar. Com ele se vai mais um ano da minha vida. Aniversário. A lágrima desliza, descuidada, p...
Agora e depois, o meu amor
Entro no quarto como se pisasse em território sagrado. Da varanda vem uma brisa fresca e os verdes da primavera. Neste lugar, ele mor...
A casa do amado morto
Minutos antes eu caminhara por uma adorável estradinha cercada de árvores. Pássaros cantavam e meu coração feliz respondia. Finalmente iria visitar a casa dele. Há anos eu esperava por isso.
Para os apaixonados pela obra de Edgar Allan Poe, recomendo “A Queda da Casa de Usher”, na Netflix. Não é uma adaptação direta do c...
Atmosfera misteriosa feita de luzes e sombras
Não é uma adaptação direta do célebre conto homônimo de Poe, mas é ousada e engenhosa o suficiente para usá-lo como espinha dorsal a fim de explorar um tema contemporâneo – a pilha de cadáveres vítimas de opioides vendidos pela indústria farmacêutica.
A deusa de róseos dedos põe cores no céu da Califórnia enquanto leio “I am” (Eu sou), de John Clare. Tristeza, solidão e o desejo de...
Tristeza, solidão e o desejo de encontrar a paz
Tantas coisas me ocorrem diante da beleza agoniada dos versos escritos há mais de 150 anos. “Eu sou – mas o que eu sou ninguém sabe” e “mesmo os mais queridos, os que eu mais amei, são estranhos – mais estranhos que os demais” soam familiares a tantos humanos que anseiam por ser compreendidos. Conhecer o vasto e tortuoso território do coração alheio é ilusão que a realidade e a maturidade retiram. Não é apenas o poeta deprimido que se sente um estranho para os amados. Cá estamos nós todos carregando a solidão do ser e, à medida que envelhecemos, cada vez mais conscientes de que a riqueza dos fios entrelaçados que compõem o nosso espírito é captada superficialmente, como um novelo de muitas linhas que, visto de longe, permite identificar apenas um ajuntamento de cores e o formato redondo.
“Eu sou o autoconsumidor das minhas aflições” é um verso que gosto demasiado. Diz tanto sobre o hábito de cultivar e aprofundar as dores. Clare transita pelas flutuações da mente, expondo o tormento das sombras que surgem e desaparecem: agonias delirantes e sufocadas do que chamamos amor – esse tão ansiado sentimento que, mal se assenta à nossa mesa com seu cortejo de plumas e canções, não raro é convertido em chicote e espada. Prova máxima da nossa vocação para o paradoxo, o auto boicote ou a estupidez.
Ponho os versos mais sofridos de John Clare na conta da depressão do poeta. Assim como van Gogh e Virginia Woolf, Clare batalhava contra a própria mente. Transpôs tudo para versos impactantes (“no mar vivo dos sonhos despertos não há sentido da vida ou alegrias”) e depositou suas esperanças em um futuro pós-morte, em que adormeceria docemente, como na infância, aconchegado nos braços de seu Deus, em cenários tecidos de sonho e jamais tocados pelas paixões humanas. Um lugar em que se deitaria, imperturbável, sentindo a grama abaixo do corpo, e tendo acima a abóbada do céu. Tal imagem me remete a outra cena criada por um escritor brilhante, Liev Tolstoi, em “Guerra e Paz”: a do príncipe Andrei caído no campo de batalha, sereno, contemplando o céu azul, pondo a existência em perspectiva, focado no que realmente importa.
Retiro da ordem e subverto o sentido de um verso para encerrar este texto: “E, ainda assim, eu sou e vivo”. Afasto as tristezas do poeta e celebro a minha própria vida, transbordando de gratidão por esse tempo curto em que experimento a alegria única de existir.
Eu sou. Eu vivo. Nas minhas veias ainda flui o sangue, meu rosto se ruboriza de prazer ou de vergonha, carrego experiências únicas. Eu sou um mundo semidesconhecido, um planeta inteiro de sonhos e tropeços, que gira como bailarino em uma galáxia imensa. Ao meu redor há tantos vizinhos. Neles percebo a vida pontuada por delícias, aflições e espantos. Não disfarço o encantamento. Nada pode ser mais fascinante que estar aqui, agora, testemunhando o teatro cósmico, pleno de som, fúria e flertes com a felicidade.
Há uma diferença básica entre artigo de opinião e reportagem. Nesses tempos árduos, vale a pena repetir que um jornalista deve, por dev...
A bênção do jornalismo independente
Os dinheiros muitos, os luxos me são estranhos. Não saberia pisar sem receio tapetes excessivamente macios. Sou desajeitada. Tenho me...
Contento-me com tão pouco
Sou dos que se distraem com os pequenos favores do cotidiano. Respirar, por exemplo, é meu luxo particular. Pois tenho asma. Também me alegra achar morangos bem grandes e vermelhos na feira, ou descobrir árvores cheias de flores.
“Eu sou Kala, o tempo, destruidor de mundos, manifestado em minha plenitude para o extermínio da linhagem humana. Nenhum sequer dos...
O que realmente importa
Krishna. Bhagavad-Gita.
Quando o que fui neste mundo estiver reduzido a cinzas, o que terá valido a pena? Penso enquanto o carro percorre uma estrada empoeirada.
Poucas coisas são tão poderosas quanto voltar a um lugar em que se foi feliz na infância. Rever paisagens em que seus risos de criança...
A sua bênção, meu rio
Em Veneza há uma lenda consolidada, a de que os amantes que passam de gôndola debaixo da bela Ponte dos Suspiros estarão apaixonados pa...
A Ponte dos Suspiros
Mas há outra versão, muito distante dos suspiros de amor. Um dos mais famosos pontos turísticos de Veneza, a construção em estilo barroco data de 1603 e foi projetada pelo arquiteto Antonio Contino. Com 11 metros de largura, inteiramente feita de pedra de Istria, uma rocha calcária, a Ponte dos Suspiros é toda fechada e coberta. Tem apenas duas janelas com barras de pedra. É que ela servia para ligar dois prédios, o Palácio Ducal e as Prisões Novas, o primeiro edifício do mundo a ser construído para ser uma prisão.
Queridos amigos, nesta segunda-feira (24/7) vou iniciar uma última jornada como repórter. Quero encerrar a carreira jornalística escrev...
Última jornada
Ontem, eu olhava o pôr do sol nesta terra incendiada. Havia fuligem a flutuar, junto com um cheiro de coisas perdidas. Estava tão distr...
É lá que vou te esperar
Estendemos uma toalha – dessas de piquenique – sobre o gramado. E comemos doces, lambendo os dedos, rindo de coisas tolas.
A umidade me é familiar; ela me envolve como um útero materno — penso, enquanto contemplo o sol nascer no deserto de Nevada. Ardem as p...
No deserto
Em 8 de dezembro de 1980, John Lennon foi empurrado para o território das sombras. Tinha completado 40 anos dois meses antes, era pai ...
Saudades de John
Foi no outono de 2006 que eu a vi pela primeira vez. Estava eu perambulando por Paris, tentando decidir se gastava meus magros euros ...
A Dama e o Unicórnio
A viagem começou tão linda, entre vinhedos, livros e dólmens que já estou considerando escrever só um tantinhozinho assim bem miúdo, um...
Entre vinhedos, livros e dólmens
Conta a tradição cristã a entrada triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém. Sentado sobre um burrinho, foi saudado pela multidão em delíri...
Solidão e paz
"Sempre é tempo de desconstruir velhas crenças. Nem tudo é o que parece no teatro de sombras do mundo", é um mantra q...
Sim, não, talvez
Comecemos por sim e não. Uma costuma representar aceitação plena e a outra rejeição absoluta. Pares de opostos – há até uma palavra sânscrita para isso: dwandwas. Noite e dia, chuva e sol, alegria e dor, sim e não.
Fico magoado, sim, quando o livro de outra pessoa é censurado, pois esse livro geralmente é um ótimo livro e há poucos deles. Charle...
David veste jeans
Charles Bukowski, em carta de 1985
George Orwell, 1984
Aldous Huxley