Sim, ainda estou aqui!
Tomo o título emprestado ao belíssimo filme de Walter Salles, adaptado da obra de Marcelo Rubens Paiva (li o livro quando lançado em 2015, e muito me impactou a história vista pelo viés da sua mãe, Eunice). Vi o filme há algumas semanas e saí de coração partido. E com uma sombra me angustiando, pelo tempo vivido e assombrado. O título me invadiu por esses dias de festa, terminando o ano.
Sim, ainda estou aqui! Assistindo à série Cem Anos de Solidão, adaptada da obra de Gabriel García Márquez (Netflix, 2024), e mergulhando na cidade de Macondo e da saga dos Buendías, com Remédios, Rebeca, Amaranta, Aureliano, Pilar, Úrsula, José Arcádio, Melquíades… Fiquei por um tempo amarrada à uma árvore também. A árvore da vida. Que passa e passa.... As águas, os pântanos, as guerras, os descalabros de uma aldeia que é universal e atravessa o tempo. Os amores. Os cânticos. Os terremotos dos desejos. Os filhos que brotam. As putas, nada tristes. O desbravar e os sonhos de um povo que marcha, anda, luta, resiste e morre.
Cem Anos de Solidão Netflix
Sim, ainda estou aqui! Organizei ceia de Natal, juntei os filhos e neta e família, tentando compreender a minha realidade, a do mundo, desigual, preconceituoso, doente e individualista. Mas também, a minha vida particular, solitária e tão diferente da que eu tinha antes. Me olho no espelho e vejo uma mulher de cabeça branca e vivendo uma vida que é possível. Atenta às alegrias, mas também à irreversibilidade dos dias e circunstâncias.
Ana Adelaide Peixoto Acervo pessoal
Kanenori
Sim, ainda estou aqui! Tentando entender as minhas horas e dias nos últimos 11 anos. De repente e não mais que de repente, fiquei viúva, os filhos partiram para seguirem as suas vidas, me aposentei formalmente, eu não tenho pets, nem sou boa jardineira, mas uivo. Uivo feito loba solitária que olha para trás e vê uma casinha no Bessa, com rotina atordoada. Trabalhando e com pouco tempo. Muriçocas à noitinha. Reclamando que não conseguia ter os almoços de domingo familiar com aquele alvoroço dos filmes italianos. Uma casa que tinha movimento, brigas, calmarias, filmes e pipoca na TV, futebol dos filhos, apuração das eleições, cerveja gelada enquanto cozinhava a macarronada do domingo,
Ana Adelaide e Lucas Peixoto
Acervo pessoal
Acervo pessoal
Sim, ainda estou aqui! Tentando sorrir para a foto, como Eunice. Para não deixar a peteca cair. Obrigada Eunice. Por sua luta e resistência, os óbitos foram atestados, os esqueletos respeitados, crimes inafiançáveis, e anistias negadas. Obrigada Marcelo, por contar essa história de uma casa, de uma praia de uma Leblon bucólica, de um suflê, de uma dança, de um piquenique, de um banho de mar, de um cotidiano doméstico, que é quem faz uma vida durar, se alegrar e subsistir. E obrigada Garcia Márquez por, através dos sonhos e delírios, nos presentear com Macondo e a esperança por dias melhores.
Feliz 2025!