Os dinheiros muitos, os luxos me são estranhos. Não saberia pisar sem receio tapetes excessivamente macios. Sou desajeitada. Tenho medo de quebrar taças de cristal. E de deixar cair migalhas às roupas.
Sou dos que se distraem com os pequenos favores do cotidiano. Respirar, por exemplo, é meu luxo particular. Pois tenho asma. Também me alegra achar morangos bem grandes e vermelhos na feira, ou descobrir árvores cheias de flores.
WFlare
Nas manhãs de verão eu me contento com bolo de laranja e chá preto na varanda, olhando os passarinhos ou o céu claro. Então leio livros – em geral muito velhos – com um cobertor sobre os pés, pois a felicidade é inimiga de pés gelados.
Quando vou à praia, a voz do mar me faz ficar bem quieta, como quando ouvia o meu pai. E essa lembrança me faz ter vontade de sorrir.
Construo o meu paraíso a cada dia. Ergo jardins dentro de mim, com cercas-vivas para me proteger do que habita lá fora.
É que de vez em quando, percebo uma inquietação. Algo que espreita nas sombras. Vem vestido de ingratidão, falsidades, feiuras de alma, maledicência e crueldade. Olho tudo isso sem medo. Até com certa piedade. Jamais com espanto. E me afasto sem me sentir obrigada a explicar coisa alguma. Esse é o sentido da minha liberdade.
D. Valke
Tudo o mais é impermanente.