(Thiago Andrade Macedo) Seu nome se confunde com a própria arte à qual se dedicou por toda a vida, desde muito pequeno. Há pouco mais de 330...


(Thiago Andrade Macedo)

Seu nome se confunde com a própria arte à qual se dedicou por toda a vida, desde muito pequeno. Há pouco mais de 330 anos, nasceu, um dos mais prolíficos e talvez o maior compositor da música ocidental: Johann Sebastian Bach. O número exato de suas obras é desconhecido, mas o catálogo BWV assinala mais de mil composições, entre elas inúmeras peças com vários movimentos e para extenso conjunto de executantes.

Além de ter sido um dos organistas mais talentosos da história da música (tinha dedos ágeis e velozes e uma habilidade incomum no uso dos pedais do instrumento), o alemão, nascido numa família luterana de longa tradição musical, também foi um mestre na arte da improvisação, o que seria, mutatis mutandis, o equivalente ao que hoje fazem os músicos de jazz. Como ninguém nunca escreveu improvisações, jamais saberemos como eram essas suas viagens alucinantes.

Bach foi bastante produtivo, e não só no terreno da música: teve vinte filhos (haja vitalidade!) – ao menos tomou conhecimento da existência desses. Entre os mais famosos, podemos citar Wilhelm Friedemann Bach, Carl Philip Emmanuel Bach e Johann Christian Bach, os quais também ajudavam o pai na cópia de suas composições musicais.

A vastidão da obra de Bach fica ainda mais evidente quando se sabe que possivelmente metade dela se perdeu ao longo do tempo. Produziu concertos, suítes, oratórios, cantatas, solos para cravo, órgão, flauta, cordas. Apesar de ser protestante, Bach compôs um pequeno número de missas latinas. Revelou-se um gênio na arte da fuga e do contraponto. A fuga era uma espécie de composição extremamente complexa, em geral escrita para quatro linhas ou vozes musicais. Cada melodia é semelhante às outras, mas só começa depois que uma outra já começou. O impressionante é que todas elas soavam bem juntas! Já o contraponto eram duas, três, quatro ou mais linhas melódicas tocadas a um só tempo, produzindo incríveis harmonias.

A música do gênio alemão é universal e vai além do Barroco, estilo musical que cultivou e do qual foi o nome mais importante. A lista de compositores notáveis ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX que demonstraram ter recebido sua influência é extensa: Mozart, Haydn, Beethoven, Brahms, Chopin, Liszt, Wagner, Mahler, Debussy, Ravel e nosso fabuloso Heitor Villa-Lobos (as Bachianas brasileiras são sublimes). Seu alcance foi tão poderoso que reverberou até mesmo na cultura popular: ele se tornou uma imagem icônica, chegando a ser incluído no rol dos santos da Igreja Luterana (sua data é comemorada no dia 28 de julho), tendo sido homenageado como compositor ilustre no calendário da Igreja Episcopal dos Estados Unidos.

O impacto de sua música não mais se restringe à música erudita: vários de seus formatos foram utilizados também na música pop, no rock progressivo e pesado e até mesmo no jazz, por nomes como Dave Brubeck. O melhor de tudo é que, a despeito de muitas de suas composições terem se perdido, um imenso número de obras-primas foi salvo, o que nos permite, até nossos dias, ouvir suas camadas de sons celestiais. A música de Bach, transcende, alimenta e nos põe em contato com as esferas superiores. Ela é a prova inconteste de que, em espírito, o homem não é só miséria.
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Nota: Link para o vídeo sobre a vida e obra do compositor à disposição no canal do arquiteto e bacharel em música, Germano Romero, produzido na Alemanha, em 2016: http://bit.ly/2XyS9Af

(Milton Marques Júnior) Para quem estranhou o título, gostaria de esclarecer alguns pontos, antes de iniciar a discussão sobre o assunto. De...


(Milton Marques Júnior)

Para quem estranhou o título, gostaria de esclarecer alguns pontos, antes de iniciar a discussão sobre o assunto. De literatura entendo alguma coisa, devido à minha vivência de professor na área, já com três décadas de atuação. De psicografia, por outro lado, nada entendo, a não ser por alguns testemunhos que tenho visto e por algumas leituras que, ultimamente, ando fazendo. Leituras teóricas e leituras literárias. Aproveito também para esclarecer que o que passarei a discutir não pode e não deve ser confundido com proselitismo, pois não professo nenhuma religião, ainda que o Espiritismo me seja muito simpático. Mesmo que professasse alguma religião, aqui não seria o espaço para isto.

A simpatia, que me inspira o Espiritismo, deve-se ao fato de que, diferentemente de outras religiões que conheço, o Espiritismo é mais expressão de religiosidade do que, na realidade, religião. Seu foco, explicando melhor e incorrendo na possibilidade de estar errado, não é em uma instituição a partir da qual se estabeleçam hierarquias e, consequentemente, haja disputa ou concentração de poder. A sua espinha dorsal se estabelece, pedindo a devida vênia aos espiritistas e arriscando a ser reducionista, não em obrigações e punições impostas e previstas por uma doutrina muitas vezes mal interpretadas, mas no amor e na caridade, tendo como Jesus como guia. Feitos tais esclarecimentos, passo a discutir, ainda que de forma incipiente ou insipiente, se quiserem alguns, o tema proposto.

O que me leva ao tema deste artigo é o impacto que senti após ler algumas obras psicografadas por Chico Xavier. Em dois meses, li Sexo e destino (1963), Nosso lar (1944), Há dois mil anos (1939), Ave Cristo, (1953) e Paulo e Estevão (1942). Todas me impressionaram seja pelos assuntos variados que nelas encontramos - obsessão sexual, vida após a morte, Cristianismo nascente -, seja pelo apuro da linguagem, seja, enfim, pela precisão das informações, no que concerne às chamadas narrativas históricas, sobre o Cristianismo primitivo.

Adianto que os títulos citados não são livrinhos, nem no diminutivo quantitativo, nem no qualitativo. Além de se tratar de narrativas de razoáveis para excelentes, são obras alentadas em seus números de páginas. Paulo e Estevão, por exemplo, é uma narrativa de 550 páginas, editada pela Federação Espírita Brasileira, em 1998, na sua 31a edição. Esta obra, cuja primeira edição é de 1942, foi psicografada por Chico Xavier, ditada pelo espírito Emmanuel.

Particularmente falando, fiz a leitura de Paulo e Estevão de uma assentada, entusiasmado com o tema e com a fluência da escrita. Tendo me impressionado com os livros anteriores, essa obra motivou-me a escrever algo, porque o rói-rói não me deixava quieto. Impressionava-me, sobretudo, o fato de ter conhecimento do pouco estudo escolar de Chico Xavier, que só fez até o antigo ensino primário. A obra em questão - Paulo e Estevão - trata dos primórdios do Cristianismo, mais precisamente da sua fundação e instituição, a partir do apostolado de Paulo, a verdadeira pedra da Igreja Cristã. Partindo do início da vida de Estevão, sua conversão ao Cristianismo ou à Igreja do Caminho, conforme era chamado o Cristianismo no seu início1, sua perseguição sistemática e inflexível por Saulo de Tarso, até chegar à conversão de Saulo, seu apostolado com as quatros viagens missionárias de Paulo, a ele designadas por Cristo - Galácia, Grécia, Ásia e Grécia, e Roma - e, enfim, sua morte em Roma.

Há quem possa alegar que a obra foi construída em cima dos Atos dos Apóstolos, o que é uma verdade. Porém isto não a desmerece, muito pelo contrário. Trata-se da utilização consciente ou não de um dos recursos mais antigos da literatura – a intertextualidade. Por outro lado, Paulo e Estevão não pode se resumir apenas a uma repetição dos Atos dos Apóstolos, como poderiam inferir leituras menos atentas, mas de uma recriação, como a boa literatura requer. Recriação dos primeiros momentos da vida de Estevão, da relação amorosa de Abigail com o ainda então Saulo, doutor da lei e importante fariseu do poderoso Sinédrio de Jerusalém, até chegar à morte de Paulo, em Roma, sob Nero, fato que o livro do Novo Testamento não retrata. Por outro lado, quem conhece bem os Atos dos Apóstolos sabe das várias viagens que Paulo fez e dos intrincados caminhos pelo oriente e pela Grécia, percorridos pelo Apóstolo judeu convertido em Damasco. Na narrativa de Paulo e Estevão, o personagem Paulo faz aquela viagem, o que seria a sua quinta missão evangelizadora, ao ocidente, evangelizando a Gália, atual França, e a Espanha. Tais fatos encontram-se apenas anunciados como propósitos na Epístola aos Romanos (15, 23-24), de autoria de Paulo. Mesmo para o estudioso do assunto, não é fácil ter em mente essa geografia. A fluência com que a narrativa corre demonstra um narrador muito à vontade em fazer e tecer tais percursos. Como explicar tais coisas? Como explicar que alguém pouco letrado tivesse a capacidade para escrever narrativas de linguagem apurada, com tramas em que a chamada verossimilhança interna me parece inquestionável e, além disso, com informações precisas que, de modo algum, parecem superficiais ou retiradas às pressas de algum manual? Francamente, não tenho como explicar. Alguém poderia explicar que o autodidatismo é um fato e que o livro poderia ser fruto de pesquisa, mas não acredito que essa explicação seja satisfatória, senão vejamos.

Aos que não sabem, Chico Xavier viveu 92 anos (1910-2002) e sua primeira obra, Parnaso de além-túmulo (1932), foi escrita em 1931. Ao longo dos 71 anos de atividade espírita, Chico Xavier psicografou 468 (sim, quatrocentos e sessenta e oito) livros e cerca de dez mil cartas. Considerando, portanto, o ano de 1931, o início de suas atividades de psicografia e o ano de 2002, quando morreu; considerando ainda que ele morreu ainda em atividade – do que eu não tenho certeza -, isso dá uma média de quase 7 livros por ano. Fazer pesquisa para um livro, para alguns livros é plenamente possível. Já não vejo como se pode fazer pesquisa para quase quinhentos livros, escritos a um ritmo de sete por ano. Quem escreve, quem produz sabe exatamente do que estou falando. Sei o quanto a questão é polêmica e está longe de ser resolvida, do ponto de vista da arte literária. Esclareça-se, ainda, que, em momento algum, as entidades, seja Emmanuel, seja André Luiz, expressam uma pretensão literária.

Diante desses fatos, a pergunta é incontornável: alguém já pensou em como se faz para escrever sete livros por ano, ao longo de setenta anos? Como possíveis respostas, só encontro o seguinte: ou Chico Xavier realmente psicografou tais obras ou ele era um escritor de uma prolificidade invejável. E, diga-se de passagem, melhor do que muitos que posam de escritor, no Brasil dos últimos tempos.
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1 Atos dos Apóstolos, 9, 2; 19, 9; 24, 14 e 22. Em Latim, o termo Caminho é traduzido ora como via, ora como secta, nesse caso epitetado como haeresis, doutrina. Como o Novo Testamento foi escrito em grego, o termo que lá se encontra é (o do/j, caminho, via, também existindo o epíteto ai(/r esij. Para a Bíblia em português, usamos a Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo e Barueri, Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. Para a Bíblia em grego e latim, usamos o Novum Testamentum Graece et Latine, Stuttgart, 1928.


(Germano Romero) Quando o meu amado pai ficou subitamente sem poder andar, por causa de uma estenose lombar aguda, encontrávamo-nos em Tel-A...


(Germano Romero)

Quando o meu amado pai ficou subitamente sem poder andar, por causa de uma estenose lombar aguda, encontrávamo-nos em Tel-Aviv, numa viagem que ainda tinha pela frente três dias em Londres. Com 89 anos, e mesmo novinho em folha, o imprevisto nos preocupou.

Após o diagnóstico recebido no hospital israelita, fomos tranquilizados pelos médicos daqui, por telefone, de que não havia gravidade nem urgência. Que poderíamos seguir viagem. Mesmo porque, sentado ou deitado, nenhum incômodo ele sentia. Só não conseguia andar. Que coisa.

Esquecidos os problemas, chutamos a bola para a frente e tomamos o avião para Londres, com uma breve escala em Zurique. Já instalados no hotel, com muita dificuldade com o nosso paraplégico, eis a questão: e agora? Três dias pela frente, sob um surpreendente céu azul e a capital da Europa a nossos pés. Pés? Nem pensar! Só se fossem rodas… Eureka! Eis a ideia, junto com a dúvida: será que ele topa?

Bem, conhecendo o cronista, amante da vida e da saúde, elegante e apreciador da elegância, era natural supor que ele não topasse andar de cadeira de rodas numa cidade que conhecia tão bem com a palma dos pés.

Arriscamos. Através das facilidades da internet, em minutos o mais apropriado e confortável veículo para a ocasião era entregue na recepção do St. James, da Pall Mall.

Agora, o suspense. Pois nada havíamos lhe dito sobre a iluminada ideia. Na expectativa de sua reação, batemos na porta de seu quarto, com a cadeira em punhos.

“Vamos passear?” – perguntamos, já adentrando e empurrando a bendita em sua direção. Ele estava sentado na lateral da cama, esfregando os olhos, como já se preparando para ver a novidade. Levantou a cabeça, olhou para a cadeira de rodas, e, imediatamente esboçando um largo sorriso, sapecou: “Só se for agora!”

Ora vejam só, e nós receando sobre a sua impressão diante da situação e do inesperado convite. Mas, logo entendemos que aquele era o Carlos Romero que conhecíamos, há 90 anos, tão bem vividos com alegria e bom humor.

Foram três dias inteiros na rua. Livrarias da Charing Cross, concerto no Royal Festival Hall, balé no Coliseum, pontes, parques... como é bom andar numa cidade inteiramente acessível, sem ao menos 2 centímetros de batente.

Não era surpresa que o bom humor do cronista estivesse sempre presente. Dava gosto vê-lo sorridente, cumprimentando as pessoas, completamente esquecido da estenose. Chegou a olhar para mim, o seu “motorista”, e disse: “Se eu soubesse que era tão bom, já teria alugado uma cadeirinha dessa antes”. E todos gargalhamos.

Numa das movimentadíssimas esquinas da Leicester Square, aguardávamos o sinal abrir para atravessar pela faixa de pedestres. Então ele percebeu, ao lado, um rapaz segurando o carrinho de seu bebê, também à espera do sinal. Cutucou-me, falando baixinho: “Diga-lhe que, no futuro, eles trocarão de lugar e ficarão como a gente”.

É, meu pai, como foi bom trocar de lugar com você, nesses últimos anos. Quantas vezes você dizia aos outros, carinhosamente, que, agora, eu é quem era seu pai… E como foi bom poder, na hora do banho, lhe dizer: “Feche os olhos que agora vou ensaboar seu rosto”… Que sensação inesquecível era passar minhas mãos por suas pálpebras macias, que, há poucos meses se abriram para definitivamente enxergar o caminho, a verdade e a verdadeira vida...


Eu subia. Na escada rolante. E ela, a alguns degraus à frente. Pareceu-me uma escultura andante. Lá estava ela. Uma mulher de costas. Com ...



Eu subia. Na escada rolante. E ela, a alguns degraus à frente. Pareceu-me uma escultura andante. Lá estava ela. Uma mulher de costas. Com um vestido estampado, pouco acima dos joelhos, sem mangas, mas o que tinha de comportado no comprimento, ultrapassava no decote das costas, profundo até a cintura. Suas costas brancas imaculadas. Com alguns sinais marrons, espalhados por aquela pele de porcelana. Juventude e beleza.

Era uma mulher jovem. Nos seus trinta anos. Não muito alta, mas usava uma sandália de salto grosso. O cabelo, castanho dourado, preso desarrumadamente. Sem brincos. E sem maquiagem. Um leve batom cor de boca. Olhando de costas, eu fiquei literalmente impressionada. Uma mulher como aquela, vestida assim às 3 da tarde, num shopping, chamava muita atenção. A minha!

Pensei que seria um vestido para a noite. Penumbras dos bares. Dancing. Drinks. Mas o que é a noite frente à luz do dia? Prazerosa e deliberadamente. Uma mulher elegante. Silenciosa. Em outra qualquer estaria vulgar. Nela? Sensual e assertiva. E quem há de saber os limites e as horas se não ela mesma?

Entramos juntas na loja de artigos de casa. Eu não conseguia tirar os olhos daquelas costas. E quando a olhei de frente? Um vestido que deixava seus seios à mostra dos lados. Seios belos e firmes que teimavam em sair pela super cava, um pouco mais decotada que o habitual. Só um corpo escultural daqueles permitia tamanho limite entre o (não) mostrar. E a moça perambulava por entre as louças, os potes, as tábuas de madeiras, as taças de acrílico, os conjuntos de cozinha. Já eu, nem mais sabia o que tinha ido procurar. Sim, uma tábua de pão para que os farelos não sujassem tanto a minha cozinha. Quão doméstica senti-me! Sem vestido. Sem decote! E com a minha pele já gasta pelo tempo....

Fiquei a pensar em mim. Quando mocinha. Magra, morena, com um corpo que caberia naquele vestido. Mas, ao invés, estava eu - ou com saias longas de hippie-chic, ou de shorts jeans e top, ou ainda com calças frouxas de alfaiataria e camisas largas.

Queríamos esconder o corpo. Chamar atenção para nossas ideias, outros charmes, e outros erotismos. Que também são afrodisíacos, sei. Mas nunca tive aquela feminilidade ditada pela cultura. Aquela, a da moça das costas nuas. E menos ainda aquele poder circunscrito pelo andar. Na época, já tinha meus parâmetros da rebeldia que contestavam as curvas, os apertos, e as mostras. Sonhava com os olhares das atrizes francesas.

Mas ao ver aquela moça tão camafeu, tão simples e tão sofisticada, tão desnuda, tão dona de si, do corpo, da sua beleza, do seu poder, e da sua autonomia, por entre pires e xícaras, fiquei a pensar nisso tudo. No poder da beleza! Sim! Aquela mesma!

Proclamada secularmente pela supremacia dos valores. Claro que, por agora, já não tenho mais esse rosto magro, nem peitos firmes, nem costas lisas. O tempo passa. Mas uma mulher assim, numa escada rolante, com um vestido desses, tem o poder de despertar um olhar devastador. Hoje não mais aquele olhar objetificado do gaze masculino. Confesso até que, por um instante tive, mas o olhar de outra mulher, que por aquele degrau, contemplou uma beleza, é bem verdade renascentista, mas mesclada com o contemporâneo, com a altivez das mulheres jovens e poderosas dos nossos tempos.

Por um piscar de olhos, eu quis aquele vestido. E não só... Acho que quis sim, ser aquela mulher subindo na escada rolante. E que despertasse um olhar. O meu!


Multiverso (Walter Galvão) A poucos dias de morrer no ano passado, o gênio britânico Stephen Hawking mais uma vez surpreendeu o mundo. O pro...


Multiverso
(Walter Galvão)

A poucos dias de morrer no ano passado, o gênio britânico Stephen Hawking mais uma vez surpreendeu o mundo. O professor lucasiano, astrofísico, cosmólogo e ícone transmidiático pop da superação, revisou um artigo sobre a existência dos universos paralelos.

Os fãs do Homem-Aranha vibraram. O que seria uma fantasia delirante embutida na animação “Homem-Aranha no Aranhaverso” conquistou inusitada potencialidade científica.

A mesma emoção atinge quem assiste à série do canal Netflix “Como seu eu não tivesse te conhecido”. A história é um misto de fábula sci-fi e drama romântico sobre perdas e o peso das decisões pessoais. Acontece em surpreendentes universos paralelos. Vai ao encontro do artigo por Hawking revisado antes de morrer.

O autor de “Uma breve história do tempo” na verdade revisou um texto disruptivo na perspectiva dos fundamentos da cosmologia que usamos para explicar, ou ao menos tentar explicar, para além da fantasia artística e das cosmogêneses mitológicas, como tudo surgiu, espaço, tempo, galáxias, estrelas, planetas, porque estamos aqui e como ficaremos no universo (?) em expansão.

Disruptivo por considerar adequada, melhor dizendo: considerar inevitável a demolição de quase tudo o que aprendemos e pensamos com a ciência da física, principalmente.

Há uma cosmogonia alternativa no artigo de Hawking. Nela, a noção de universo, de uma totalidade exclusiva que a tudo abarca e sustenta, é substituída por uma nova visão, a do multiverso, conjunto de universos, alguns muito parecidos com o nosso, outros com diferenças expressivas - dimensões alteradas, mentes e personalidades alternativas, mas com cópias reconhecíveis da gente por lá - todos originários do big bang.

Uma leitura interessante a esse respeito é propiciada por Brian Greene. Em “A realidade oculta” (Companhia das Letras), o cosmólogo norte-americano especula sobre a existência, no mínimo, de nove versões de universos paralelos matematicamente concebíveis. Ele parte dos fundamentos da teoria da relatividade, avança sobre a mecânica quântica e conduz o leitor com linguagem acessível e exemplos eficazes à fronteira das supercordas onde Stephen Hawking finca uma bandeira.

O caminho trilhado por Hawking foi desbravado por Einstein. A teoria da relatividade foi a chave por ele usada para abrir as portas da imaginação de cientistas, líderes espirituais, filósofos e artistas.

Pensamento analítico, mente especulativa, raciocínio lógico excitados pelas possibilidades inauguradas pela física e seus novos ramos, quântico, computacional, ondulatório…

Ramos geradores de teorias comprovadas como a da quarta dimensão, do entrelaçamento do espaço e do tempo, a do nível quântico em que a mesma partícula ocupa dois lugares ao mesmo tempo, os buracos negros, a matéria invisível, a matéria escura, a teoria do big bang…

Tais circunstâncias confirmaram antigas intuições, delírios proféticos conceituais e fantasmagorias teóricas que afirmavam a existência de uma realidade sob a realidade em que vivemos e também de outros mundos que escapariam aos parâmetros da matéria e das energias de que somos feitos e também ao nosso espaço-tempo.

A arte sempre esteve na vanguarda dessas especulações com suas antenas direcionadas para a latitude do impossível e a longitude do improvável. Ao declarar ser a arte uma coisa mental, Leonardo, de quem lembramos os 500 de morte no último maio, atraiu a ciência para a teia imaginativa capaz de transformar tempo e espaço. Não fosse uma projeção mental de Einstein - o postulado da constância da luz - formulada quando ele tinha apenas 16 anos e nós não estaríamos usando o GPS para encontrar a nova tapiocaria. A ciência como coisa mental.

Um craque em universos paralelos foi o poeta Fernando Pessoa. Seus heterônimos resultam de uma poderosa intuição de vivências em realidades alternativas, assim como ocorre no universo criativo diverso do genial Arthur Bispo do Rosário. A arte como coisa mental.

A série “Como seu eu não tivesse ...” especula sobre a teoria da decisão, mexe com o conceito de destino, discute as viagens no tempo, aborda livre arbítrio na perspectiva da ética, dialoga com a psicologia da personalidade, formula uma teoria do amor interdimensional, indaga sobre como trabalhamos o nosso passado e dá uma explicação dos universos paralelos.

O diretor espanhol Joan Noguera (os diálogos são em delicioso catalão, o elenco é ótimo) usa a teoria do buraco de minhoca combinada com a tese da realidade cósmica como tecido dobrado em espiral, camadas superpostas através das quais se poderia construir passagens. Provocativa e atualíssima, a série nos estimula a ter fé na ciência. Um show de imaginação.

(Ângela Bezerra de Castro) O romance Suíte de Silêncios, de Marília Arnaud, é um texto para ser lido como um poema, tal o nível de elaboraçã...


(Ângela Bezerra de Castro)

O romance Suíte de Silêncios, de Marília Arnaud, é um texto para ser lido como um poema, tal o nível de elaboração e densidade da linguagem, no desenvolvimento do tema do amor habilmente reinventado pelo enfoque original. Amor que não conheceu “momentos pequenos, nem gestos de fastio ou indiferença, tampouco palavras banais ou mesquinhas”.

Duína é a protagonista-narradora que, vivendo uma situação extrema, escreve para João Antonio espécie de carta-testamento, onde reconstitui a intensidade da história de amor compartilhada pelos dois e o seu desnorteamento ante o desfecho cruel que o amado anunciou, optando pelo “pacto tácito de conforto e comodidade”.

Enquanto escreve, a personagem recupera lembranças marcantes e decisivas de sua existência que evoluem em contraponto com o conflito central do romance: o desamparo e a vergonha pelo abandono da mãe; a difícil interação com o pai, sempre amargurado; a convivência salvadora da avó paterna com a ternura de seus sábios conselhos; o bloqueio que a isolava das brincadeiras com outras crianças; o abuso sexual a que foi conduzida pelo velho professor de violino; a repulsa do primeiro namorado, ante a revelação de seu traumático segredo; a morte da avó; a impossibilidade de ser compreendida pelo irmão e pela amiga, em seu dilaceramento de amar o perdido, o “existido que continua a doer eternamente”.

A ligação da protagonista com a música, por admiração ao pai, um devotado maestro, se reflete na semântica do romance, desde o título que associa a construção da narrativa à composição musical caracterizada por reunir diversos movimentos inteiramente livres quanto ao número e ao caráter melódico. Assim se alternam os movimentos ou conflitos do romance, sem subordinação à sequência temporal, cada um em seu andamento melódico lancinante, agônico e enternecedor.

Duína resiste à “insuficiência da vida” e desvela para o grande amor, “erguido no mistério urgente da carne e nutrido na grandeza do imaginário”, “os jardins secretos do próprio ser”, sem reservas, sem limites, como a última, completa e definitiva entrega. Agora mais que “a integridade do seu corpo-alma” a “melodia-existência, labiríntica como o espírito”.

Despertando silêncios abismais com a música das palavras, a romancista recupera para o grande amor sua verdade essencial, que transcende as convenções e aparências para encontrar, na inteireza e densidade de ser, a sua eternidade. Um romance ousado e verdadeiro, que veio para ficar na história.

Ela jazia abandonada por sobre a calçada. Um e outro pedestre lhe roçaram as pétalas com solas rápidas. Alguém quase a chutara. Pisaram-lh...



Ela jazia abandonada por sobre a calçada. Um e outro pedestre lhe roçaram as pétalas com solas rápidas. Alguém quase a chutara. Pisaram-lhe o caule e ela girou sobre si.

Tais suplícios não lhe roubaram, contudo, o frescor e a beleza. À luz escaldante do meio-dia, sua cor amarela vibrava num incandescente intercambio de energia com o sol.

E os pesados pés em passos apressados passavam perto, alheios à sua presença. Afinal, eram simples mortais mortos de fome, caçando o almoço de cada dia. Correndo e se entrecruzando por caminhos permutados, opostos.

Cada um por si.

Caoticamente.

Queria o destino que simples mortais não a notassem. Era preciso mais.

Era preciso alguém com fome de devaneio...

Quando se dirigia ao edifício de apartamentos onde residia, o escritor sentiu que pisara em algo que era mais perfume que matéria. Quis saber o quê.

Consciente da dificuldade física decorrente da idade avançada, o senhor agarrou-se fortemente à bengala. Abaixou-se com suma cautela, para não se desequilibrar e nem deixar caírem os óculos, sem os quais não enxergava bem.

Cuidadosamente, mansamente, num ademã sonhador, levantou a rosa amarela, deixando estendidas no calçamento três pétalas que dela se haviam desgarrado. Uma aragem litorânea quase descolou as outras pétalas, que se agitaram em ondas como as das águas do Cabo Branco.

O pequeno senhor de parcos cabelos brancos quebrou-se assim, por infinitos segundos – uma mão apoiada na bengala, a outra segurando o recém-encontrado tesouro. Por que seria tão amarela aquela rosa? Por que amarela? Qual o significado escondido por detrás de cada pétala de sol?

Ajustando os óculos de vidros grossos e circulares, tentou decifrar a plurissignificância inerente àquele misto de suavidade e agressividade: A suavidade emprestada pelo aroma, textura e forma. A agressividade da cor.

Sentiu sua vista morrer um pouco. Fechou, por um segundo, as pálpebras. Cambaleou. Teria sido pelos excessos de tão iluminado amarelo?

Ante a vertigem, o senhor se firmou na bengala com ambas as mãos, deixando escapar a rosa. Viu-se a, então, cair molemente ao chão, salpicando pétalas que revoluteavam qual borboletas ao sabor do vento.

Entregue àquele instante de magia, o escritor rendia-se ao palpitar intenso de seu coração. Embaçavam-se-lhe as lentes. Com uma mão, tateou o bolso do paletó.

Encontrou o lenço. Introduziu uma pontinha sob os óculos, bem a tempo de interceptar uma lágrima...

Sentiu-se só! Confinado. Único. Prisioneiro de uma solitude atroz. Solidão só sua. Inacessível. Invisível aos indiferentes transeuntes passageiros de outros destinos.

Mas sentiu, também, toda a energia que cabia nessa sua solidão. Pensou no negativo fotográfico, que a um tempo contrapõe e preentifica uma imagem. Estranhamente, havia uma completude invadindo os vazios de sua alma, fazendo-o perder a noção da gravidade. A bengala já não era seu eixo de equilíbrio. Oscilava, com todo o seu ser.

Vieram-lhe ânsias. Ia vomitar tudo aquilo. Esvaziar-se. Esvair-se. Evadir-se numa última viagem.

Uma brisa mais forte o susteve. Refrescou-lhe o corpo e o espírito. Era o Aracati que compunha um redemoinho de partículas amarelas. De repente, o escritor viu-se no centro da ciranda doirada de pétalas dançantes.

E então se sentiu um agraciado dos deuses.

Sorriu. Ensaiou uma prece sem destinatário definido. Uma prece ao sol, talvez... ou a uma rosa amarela...


Cronista de variados matizes, arraigado naturalmente ao literário, Gonzaga Rodrigues tem olhos que descortinam realidades. De sua pena e d...



Cronista de variados matizes, arraigado naturalmente ao literário, Gonzaga Rodrigues tem olhos que descortinam realidades. De sua pena e de sua visão privilegiada criam-se cenas irretocáveis, quando fixadas na crônica do jornal. Capaz de transformar, como ato de criar, um olhar sobre a cidade, um comentário que parece en passant sobre um amigo vivo ou morto, uma crítica sobre política ou o que seria um mero documento sobre um fato ou lugar, na perenidade incontornável do poético.

Homem do povo, ser da cidade, trazendo no sangue a terra grávida do Brejo paraibano e na alma o senso de justiça em prol dos desvalidos, Gonzaga é o manso enérgico. Manso quando se propõe a ouvir quem fala, sendo sempre bom ouvinte; enérgico, quando defende suas causas, sem nunca ser o chato doutrinador. Quando se põe a contar “causos”, é um narrador impagável, pois guarda como um dos segredos de sua longevidade o bom humor.

A cabeleira farta, a tez acobreada, boa altura, ombros largos e o perfil característico do indígena, Gonzaga é para mim o Gregory Peck de Alagoa Nova. Não foi fazer sucesso no cinema, mas na imprensa paraibana, que reinventou; sucesso que guarda humildemente para si, mas que é do conhecimento de todos. Doutor honoris causa, diz-se um mero leitor a quem, machadianamente, tudo falta. Sua escrita, no entanto, mostra que o cronista é pleno e as lacunas, na realidade, estão nós.

Mesmo tendo passado dos 80, Gonzaga jamais será multado. Como multar uma amizade que conquistei na maturidade. Não é, Mago?

(Sérgio de Castro Pinto) A coruja São todo ouvidos Os teus olhos de vigília. Olhos acesos, Luzeiros De sabedoria. Olhos atentos À geografia ...


(Sérgio de Castro Pinto)

A coruja

São todo ouvidos
Os teus olhos
de vigília.

Olhos acesos,
Luzeiros
De sabedoria.

Olhos atentos
À geografia
do dentro,

és uma concha.

Um encorujado
Caramujo

Monja em voto de silêncio.

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Do leão, a juba

Sol de Pêlos
ao redor
da cabeça

a fulva juba flameja:

estrela
de primeiríssima
grandeza!

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Poeta X poema

Nem sempre o poeta
Ronda o poema
Como uma fera à presa

às vezes, fera presa e acuada
entre as grades do poema-jaula

doma-o o chicote das palavras


Dize-me como tratas os animais que te direi quem és. Eis uma pista muito eficaz para definir o espírito e o caráter de um ser humano....

Dize-me como tratas os animais que te direi quem és. Eis uma pista muito eficaz para definir o espírito e o caráter de um ser humano. Aliás, entre as atitudes que delineiam com indubitável nitidez a índole e o nível de evolução de uma pessoa, está o tipo de tratamento que dispensa aos subordinados, aos humildes, assim como aos irmãos que nada têm de irracionais.

(José Leite Guerra) Vem-me à lembrança o professor Manoel Viana. Nossa turma o estimava pelo comportamento nivelado que mantinha conosco, se...


(José Leite Guerra)

Vem-me à lembrança o professor Manoel Viana. Nossa turma o estimava pelo comportamento nivelado que mantinha conosco, sem perder a autoridade e a desabrochada ternura sobre nós. Ensinava Filosofia em nossa turma irrequieta e estudiosa; também no Curso Superior da mesma ciência das ciências (consoante se propalava) em edifício contíguo ao velho Liceu Paraibano.

Guardo dele a expressão mais simples e espontânea do método de ensinar. Não chegava a ser uma aula-espetáculo das que emgrande número espalhou Ariano Suassuna pelos rincões do Brasil, de onde jamais saiu, defendendo com ardor e humor a Cultura - perfil de nosso povo, desde o folclore, este a envolver cantigas, costumes, ladainhas, enfim a produção de raiz tão bela e rica.

Mas professor Manoel Viana nos deixava relaxados com suas tiradas de humorismo, sempre ligado à matéria tratada na aula. Quando adentrava à sala de aula, afrouxava a gravata, tirava o paletó (era costume o mestre-escola vestir-se a caráter, opcionalmente, quando não usava jaleco, a exemplo do notável professor Iveraldo Lucena).

Assim desembaraçado da indumentária devido, segundo ele, ser avesso a certas formalidades e ao calor reinante, começava a passear conosco; com ele viajávamos à Grécia, a encontrar os luminares de Sofia: Platão, Aristóteles, nos conduziam a outros gênios do saber, dos “arqueólogos” incansáveis de indagações e respostas bem fundamentadas. As lições trazidas de lá, nos deixavam menos obscuros no pensar. Um pensar conduzindo sempre à reflexão (re-flexão) curvar-se sobre si mesmo.

A Filosofia nos clareava noites do espírito, nos deixava despregados de conceitos petrificados, nos dava asas. Lembro-me de famosa sentença do Ministro e intelectual José Américo de Almeida constante da parede do edifício-sede da Reitoria da Universidade Federal da Paraíba, da qual foi um dos fundadores: “Eu vos dou raízes; outros vos darão asas e o selo da perpetuidade”.

Professor Manoel Viana nos fazia escavar as raízes e nos dotava de asas para voos do pensamento – pensamento que faz a diferença extrema entre o ser humano e o animal de outras espécies. A Filosofia nos incluía num mundo fascinante, num “carisma de explorar” os porquês do quando, para que, para onde, de onde, etc. Tinha a vocação de ilustrar e trazer à presença dos alunos problemas existenciais os mais diversos e diamantes jamais suspeitados por nós, adolescentes ainda, começando a indagar sobre o mundo.

Saudades do inesquecível professor Manoel Viana Correa.


(Sérgio de Castro Pinto) exílio desarvorada, a madeira do móvel desata os seus nós e estala a árvore que foi (no exílio da sala). __________...


(Sérgio de Castro Pinto)

exílio

desarvorada,
a madeira
do móvel
desata
os seus nós e estala

a árvore que foi (no exílio da sala).
___________

as cigarras

são guitarras trágicas.

plugam-se/se/se/se
nas árvores
em dós sustenidos.

kipling recitam a plenos pulmões.

gargarejam
vidros
moídos.

o cristal dos verões.
___________

o homem conduzindo a
máquina de fotografia


na máquina
a paisagem é intestina
(o fora está dentro),
não pode mostrar-se ainda.

a máquina
guarda o que havia fora
e o homem a conduzindo
conduz duas memórias:

uma a da máquina (mais dentro)
e a outra a do homem (mais fora).

(Mia Couto) A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor...


(Mia Couto)

A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados. Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.

A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos «ricos». Aquilo que têm, não detêm. Pior: aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas. Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de poderem ser roubados. Necessitavam de forças policiais à altura. Mas forças policiais à altura acabariam por lançá-los a eles próprios na cadeia. Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade. Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem.

O maior sonho dos nossos novos-rícos é, afinal, muito pequenito: um carro de luxo, umas efémeras cintilâncias. Mas a luxuosa viatura não pode sonhar muito, sacudida pelos buracos das avenidas. O Mercedes e o BMW não podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados que estão em se esquivar entre chapas, muito convexos e estradas muito concavas. A existência de estradas boas dependeria de outro tipo de riqueza. Uma riqueza que servisse a cidade. E a riqueza dos nossos novos-ricos nasceu de um movimento contrário: do empobrecimento da cidade e da sociedade.

As casas de luxo dos nossos falsos ricos são menos para serem habitadas do que para serem vistas. Fizeram-se para os olhos de quem passa. Mas ao exibirem-se, assim, cheias de folhos e chibantices, acabam atraindo alheias cobiças. Por mais guardas que tenham à porta, os nossos pobres-ricos não afastam o receio das invejas e dos feitiços que essas invejas convocam. O fausto das residências não os torna imunes. Pobres dos nossos riquinhos!

São como a cerveja tirada à pressão. São feitos num instante mas a maior parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais o copo que o conteúdo. Podiam criar gado ou vegetais. Mas não. Em vez disso, os nossos endinheirados feitos sob pressão criam amantes. Mas as amantes (e/ou os amantes) têm um grave inconveniente: necessitam de ser sustentadas com dispendiosos mimos. O maior inconveniente é ainda a ausência de garantia do produto. A amante de um pode ser, amanhã, amante de outro. O coração do criador de amantes não tem sossego: quem traiu sabe que pode ser traído.

Na rede, na vida e na lida diária eis ele, com sua amorosa presença! Ganho lambeijos, "pãozinho amassado" e me derreto toda. Co...


Na rede, na vida e na lida diária eis ele, com sua amorosa presença!

Ganho lambeijos, "pãozinho amassado" e me derreto toda. Corro, para não perder a captura do melhor ângulo deste filhão.

Miau, miau faz o meu gatinho, o meu Bebé, o meu Betinho!

Só para não dizer que não fui explícita! O nome é, simmmmm, uma homenagem; um bem-querer a um dos homens mais humanos, solidários e belos que habitou este Cosmos.

Saudade intensa de Herbert de Souza e do meu Brasil de antes!
Vontade imensa de ver o Brasil futuro, que já está bem próximo de (re)nascer...


Thamara Duarte é mestre em direitos humanos, ambientalista, e jornalista

As palavras, como as pessoas, nascem e morrem. A diferença entre elas e nós é que podem ressuscitar. Um dia, quando menos esperamos, depar...



As palavras, como as pessoas, nascem e morrem. A diferença entre elas e nós é que podem ressuscitar. Um dia, quando menos esperamos, deparamo-nos com um arcaísmo que nos faz voltar à infância (esse “deparamo-nos”, com o pronome enclítico, já não seria um?).

Outro dia eu estava listando uns termos que ouvia quando era menino e que hoje praticamente não se dizem mais. Alguns se tornaram esquisitos; outros preservam um sabor que nos desperta o desejo de resgatá-los.

Hoje se diz de alguém convencido e presunçoso que é esnobe. Antigamente, uma pessoa desse tipo “só queria ser as pregas”. Por que as pregas? Pedi a ajuda da minha mulher, que logo matou a charada: na roupa feminina, as pregas são o que dá mais trabalho. Constituem um requinte, uma marca de distinção.

Pirralho mal-educado a gente tratava “no cascudo”. Ou no “cocorote”. Levei vários deles, por sinal, e nem por isso fiquei ruim da cabeça. Ruim da cabeça? Naquele tempo ninguém falava assim. Dizia-se “leso”, “abilolado”. Os cascudos eram para mostrar que a criança tinha de obedecer aos pais “sem tugir nem mugir”, eu seja, sem murmúrio nem grito.

Homem usava “brilhantina”. Mulher, “laquê”. Cheguei a acompanhar meus pais a alguns bailes em que os cabelos dos homens eram um lustre só. Ainda não entrara em cena o xampu com a sua variedade de nutrientes que se ajustam aos vários tipos de fios. Fossem os cabelos secos, oleosos, lisos, encaracolados, louros, pretos ou brancos, a inevitável brilhantina os untava da mesma forma e impedia, se fosse o caso, que se revolvessem no atropelo da dança (mas que risco para isso as dolentes valsas podiam representar?).

Nesses bailes, por sinal, chamava-se a mulher para dançar pedindo-lhe que “concedesse uma parte”. Ela nem sempre se dispunha a saracotear com o “janota”, que achava “espeto” receber a negativa. “Espeto” se aplicava a pessoa ou situação difícil de suportar. Surgiu, certamente, por analogia com o objeto perfurante encontrado hoje nos rodízios de carne, peixe, pizza. A rejeição da mulher era mesmo um golpe, um furo na autoestima do cavalheiro, que tinha vontade de por causa disso provocar um “sururu”.

Mas ele nem sempre se dava por vencido, e às vezes conseguia se vingar. Dando uma “rabiçaca” em quem o rechaçou, por exemplo, ou esfregando-lhe na cara um “pedaço de mau caminho”. Isso: uma garota boazuda, fornida, “de fechar o comércio”, que fazia a outra se sentir um “sibito baleado”.

E os nomes? Naquele tempo os homens se chamavam Anfilófio, Eleutério Salustiano. As mulheres: Eudóxia, Escolástica, Alaor. E os utensílios? Como nos quartos não havia banheiro, fazia-se xixi no “urinol”, que após o uso era pudicamente colocado embaixo da cama. Comida se guardava no “petisqueiro”, e no guarda-roupa se amontoavam sapatos ao lado de roupas. Algumas, para o gosto de hoje, muito “ababecadas”.

(Germano Romero) E mmanuel é considerado o eminente guia espiritual de Chico Xavier, o maior médium de todos os tempos. Nos 500 livros publi...

(Germano Romero)



Emmanuel é considerado o eminente guia espiritual de Chico Xavier, o maior médium de todos os tempos. Nos 500 livros publicados por Chico, sem se dizer autor de nenhum deles, mais de 100 foram ditados por Emmanuel, através da psicografia. Dos mais de 60 milhões de livros vendidos, traduzidos em 30 idiomas, o “santo” de Uberaba não ficou sequer com um centavo para uso pessoal. Que diferença de outros religiosos...

O cronista Carlos Romero costumava enfatizar em textos e palestras que o Espiritismo nasceu de um livro. Sim, “O Livro dos Espíritos”, publicado por Allan Kardec, há 162 anos, em Paris, fundava a doutrina recentemente documentada em um espetáculo cinematográfico de alta qualidade.

A importância do livro como instrumento maior de propagação das ideias e do conhecimento humano foi enfatizada por Emmanuel na célebre frase - “A maior caridade que podemos fazer pela doutrina espírita é a sua própria divulgação”. Estimulado pelos efeitos da poderosa capilaridade das letras, o cronista Carlos Romero criou, há mais de 10 anos, o “Sorteio do Livro Espírita”, na Federação. Depois de seu desenlace, a iniciativa continua mantida, como sempre, à base de doações espontâneas, todas as quintas-feiras, nas reuniões públicas e doutrinárias, às 15h00.

O pai de meu pai, José Augusto Romero, que presidiu a Federação Espírita Paraibana por 44 anos consecutivos (uma vida!), também era muito sensível ao conselho de Emmanuel. Havia na Federação, logo no início, uma pequena biblioteca com livros que eram emprestados a quem se interessasse. Como as atividades nas casas espíritas são voluntárias, ficou difícil a manutenção desse formato e a biblioteca se transformou em livraria, que recebeu o nome de “Livraria Léon Denis”, por sugestão de José Augusto. Decerto, pela declarada admiração ao autor do livro que o tornou espírita, “O problema do ser, do destino e da dor”, de Léon Denis. Este pensador e escritor espírita, que, com Gabriel Delanne e Camille Flammarion, formou o célebre trio de franceses que deu brilhante continuidade à obra de Kardec.

A livraria continuou abrigada na Federação por várias décadas até atingir agora o seu apogeu, com a grande reforma empreendida na gestão do presidente Marco Lima. Na semana passada, depois de uma reconfiguração geral de alto nível, foi reaberta ao público.

É sempre uma gratificante notícia quando abrem ou ampliam uma livraria pelo mundo. Com a crescente tendência para a leitura em formatos digitais, o livro impresso sofre perdas irreparáveis no mercado. Problemas de espaço, a praticidade, a velocidade da vida moderna e outras razões como a própria comodidade fazem crescer os adeptos do e-book, padrão de inquestionáveis vantagens de manipulação e armazenamento. Embora sem a magia histórica, sem o cheirinho bom de papel e o aconchegante contato tradicionalmente cativante.

Merece aplausos a iniciativa da Federação Espírita Paraibana na realização desse louvável projeto de reforma de uma livraria que já pertence à história do Espiritismo na Paraíba. Para quem não conhece, fica a dica do endereço: Rua Bento da Gama, 555, ao lado do Posto Maia.