Não me venham confundir o papagaio com o “Urubu Malandro” composto por Pixinguinha. O choro do mestre é obra prima. Pixinguinha, como sabem, faleceu, em estado de graça, ao participar de um batismo. O Brasil lamentou, chorou a perda do grande compositor e músico.
Quanto ao papagaio, em cores vibrantes, o bico em vírgula, não se dava a respeito. Dona Maura, a mulher com quem vivia o agiota, ensinava pornografias à ave multicolor. Dava lições de mal tratos, falando alto, dedo em riste, afrontando o marido (cujo nome eu oculto); principalmente
Everaldo Lima
Aqui, o homem pausava o trabalho e começava os dengos com o papagaio. Uma forma de relaxar, escutando sair cantigas do bico, que lhe enchiam de satisfação. Dava lá suas gaitadas quando, entre um cantar e outro, deixava escapar uma expressão reprovável pela mais amena censura. A mulher vinha fumaçando de raiva, dava um cocorote no marido, praguejava contra aquele intruso vestido de penas, um invasor e perturbador da ordem da casa. “Você é um nojento, sujeito! ”
Pela janela se podia perceber, em altos voos, urubus malandros à procura de algum alimento putrefeito pelos lados do matadouro. Nenhum deles era o de Pixinguinha. O marido, coitado, ficava calado, jamais reagia. Diga-se que somente tinha coragem e voz grossa para os devedores: pobres aposentados ou quem ganhasse mixaria. Camuflava o exercício de sua, digamos, profissão, como se fora advogado; usava anel de bacharel em Direito, vestia paletó e gravata, mantinha postura de causídico.
Fabiane Secomandi
Aconteceu de um devedor chegar para negociar com o emprestador: não podia, alegações gerais, queria adiar para um mês o pagamento. O agiota avermelhou, se levantou e aberturou o proponente: “Jamais. Você é um enrolão. Quando pretende pagar?” O papagaio veio em defesa do dono, gritando: “Você é um nojento, sujeito! ” Foi quando o devedor aplicou um soco no agiota, prostrando-o. O papagaio bateu as asas, de satisfação. Maura chegou aflita. A ave foi deportada, sabe Deus para onde. Definitivamente.