agosto 15, 2019
(Germano Romero) Os pedaços de melão desmanchavam-se na boca. Doce néctar a inundar todo o nicho de papilas. Que prazer. Logo pus-me a imagi...

(Germano Romero)
Os pedaços de melão desmanchavam-se na boca. Doce néctar a inundar todo o nicho de papilas. Que prazer. Logo pus-me a imaginar as mandíbulas da caveira triturando aquela polpa, deglutida pouco a pouco pela goela agradecida.
Salivares atuavam no preparo que descia ao estômago ansioso, próxima etapa digestiva. Que perfeição. E as fatias engolidas se faziam cachoeiras em suco deleitoso escorrendo pelo esôfago.
Ó melão que veio da terra arada, adubada, trabalhada e tão sofrida! Colhido e acolhido no gradil do caminhão rumo à feira a se vender. Três por dois, quem manda é o freguês. Ou nos tais supermercados, ordeiros e seguros, carimbados e lavados, prontos para ser levados.
Agora já me são e em mim se formarão pele, unha e cabelo que não param de crescer. Da divina combustão a energia gera vida. Movimento e pensamento fluem em plena evolução. Do pó nos refazemos e no pó reviveremos. Não quero ser cremado. Cinza morta não aduba. Que meu corpo um dia sirva de alimento ao que veio nas delícias do melão. E às minhocas a fartura fermentada deste corpo que vestiu durante anos uma alma bem vivida.
Já no último bocado prossigo ensimesmado com a mesma sensação. Por certo a doce fruta já se misturou no bolo que percorre seu trajeto. Assim nada se perde, não se cria e se transforma. Da terra vem a vida. Pouco mais recebe a morte. Como são bem parecidas, antagônicas se completam. A do fim, que é recomeço, nunca foi compreendida. Refutada, desprezada, temida, injuriada, razão de muita angústia, apavora até Augusto que aqui é bem lembrado. Chegada seja a hora de aceitá-la como parte de tudo o que acontece na espiral do firmamento! C'est la vie et non fini!
O melão que virou pele, em pó se tornará. A caveira que mastiga será idem devorada pela mãe que nos acolhe. Os ossos durarão quase uma eternidade. Não serão agraciados com a festa lá do céu, onde a roupa é bem mais leve. De bordados mais sutis, os sorrisos são de alma. Não há mais hipocrisia nesta nova sintonia em que o amor se torna música.
Vejam só que maravilha. De uma fruta bem comida voejou a inspiração nos mistérios que transcendem a rotina pueril. Das lições que há em tudo, disponíveis no prazer de quem olha e também vê.
Lua cheia vem e volta. Maré mansa ou na ressaca. Chuva e vento de agosto, tudo grita em devoção. E naquilo que é mais simples, muitas vezes num melão ou no vôo da borboleta, no aroma de um café que escapa da janela na paz do entardecer, pode haver felicidade. Regozijo bem descrito na poesia de Orlando que conclui estas bobagens. Mil perdões!
"Felicidade é
uma canoa no rio
uma sardinha na brasa
um cobertor para o frio
e um amor em casa".
agosto 15, 2019
agosto 13, 2019
(Milton Marques) O Oitavo Círculo do Inferno é dividido em 10 valas ou covas concêntricas, chamadas por Dante Alighieri de “Malebolge” (Can...
(Milton Marques)
O Oitavo Círculo do Inferno é dividido em 10 valas ou covas concêntricas, chamadas por Dante Alighieri de “Malebolge” (Canto XVIII, verso1), onde se encontram os fraudulentos. Em cada vala, são punidos os que cometeram crimes específicos – rufiões e sedutores ( Canto XVIII, vala 1), os aduladores, que enganam com falsas promessas (Canto XVIII, vala 2) ; os simoníacos (Canto XIX, vala 3), os magos e adivinhos (Canto XX, vala 4), os interceptadores, traficantes de influência que se aproveitam dos cargos públicos (Canto XXI e XXII, vala 5)...
No Canto XXI, onde se encontram os “barattieri”, os interceptadores de objetos, traficantes de influência, que tiram proveito dos cargos públicos que ocupam, Dante se refere à mudança de opinião em favor próprio, quando, em vida, o agora condenado, era movido pelo dinheiro:
“del no, per li denar, vi si fa ita”
“do não, por dinheiro, ali se faz sim” (verso 40)
O acompanhamento de Dante e Virgílio, ao longo da 5ª vala, por dez diabos, já nomeados no Canto XXI – Alichino, Calcabrina, Cagnazzo, Barbariccia, Libicocco, Draghinazzo, Cirïatto, Graffiacante, Farfarello e Rubicante (versos 118-123) – dá azo ao poeta florentino a fazer uma referência irônica a essa companhia, trazendo à tona um dito popular de muita verdade:
“Ahi fiera compagnia! ma ne la chiesa
coi santi, e in taverna coi ghiottoni.
Ai, fera companhia! mas na igreja
com os santos, na taberna com os glutões (Canto XXII, versos 14-15).
Todo esse Oitavo Círculo, onde se encontram os fraudulentos, nos mostra a atualidade do texto de Dante, a quinta vala, sobretudo, aplicando-se como uma luva ao Brasil. Veja-se, por exemplo, que os “barattieri” são os que se aproveita dos cargos públicos para a autolocupletação e que é impossível alguém se acompanhar frequentemente das mesmas pessoas e não adquirir os seus hábitos. Ou melhor, as pessoas buscam, frequentemente, as companhias daqueles com quem se afinam.
Do ponto de vista do ritmo, foi ótimo perceber que, com um decassílabo e meio, dá para formar, sem perda na tradução, um belo e harmonioso heptassílabo duplo, meio caminho andado para um epigrama:
Na igreja com os santos, na taverna com os glutões,
Sob a luz, honestidade; já nas trevas, uns ladrões.
Ah, estes condenados estão imersos em pez fervente. Dante dando ideia...
agosto 13, 2019
agosto 13, 2019
(Clóvis Roberto) “Não me iludo/Tudo permanecerá do jeito que tem sido/ Transcorrendo/ Transformando/ Tempo e espaço navegando todos os senti...
(Clóvis Roberto)
“Não me iludo/Tudo permanecerá do jeito que tem sido/ Transcorrendo/ Transformando/ Tempo e espaço navegando todos os sentidos”. É o que diz o mestre Gilberto Gil em “Tempo Rei”. É que se há uma coisa que não muda é a transmutação do tempo. Revolucionário, ele tem poderes diversos. É vida, morte, saudade, renovação, decepção, fúria, bálsamo, cura.
Implacável, o tempo não é certo ou errado. Ele apenas avança para cravar no passado arquivos que vagam pelas nossas memórias (ou somem no labirinto da nossa existência), lembrados ou não. Pode ser um segundo com sensação de horas, dias semelhantes aos minutos, anos com sabor de séculos. Mas aí não é o tempo e sim a essência do ser atuando e alterando o relógio interno, o nosso próprio tempo, mas jamais o tempo que rege a todos.
Eis que surge outra música. Era o Legião Urbana tocando já nos idos de 1985 pela voz de Renato Russo sobre o “Tempo Perdido”: “Todos os dias quando acordo/ Não tenho mais/ O tempo que passou/ Mas tenho muito tempo/ Temos todo o tempo do mundo... Temos nosso próprio tempo”.
Com a canção vem a reflexão. O espaço temporal é variável também. E parecem seguir uma regra. As voltas dos ponteiros parecem que para cada indivíduo têm rotação diversa. Ora é célere para um, ora lenta para outra. Para os mais jovens, o relógio geralmente é mais veloz; para o os mais velhos, tudo é mais vagaroso, ao menos nesse nível de existência, e ele pondera mais ao usar seu tempo. Às vezes, os mais velhos simplesmente ignoram o tempo, meio que afirmando que superaram a necessidade de provar ao relógio que a vida independe dos ponteiros. Ele conquistou o seu próprio tempo.
E outra música entoa. “O tempo passa em meio a momentos que fazem um dia monótono/ Você perde tempo gastando as horas de modo descuidado... Cada ano que passa fica mais curto/ Parece nunca arranjar tempo/ Planos que tampouco deram em nada/ Ou meia página de linhas rabiscadas”, alerta “Time”, escrita por Roger Waters, no clássico álbum “The Dark Side of The Moon”, do Pink Floyd.
E a vida segue, pois “saiba que ainda estão rolando os dados/ porque o tempo, o tempo não para”, lembra a canção de Cazuza. E mesmo que você pare, o tempo está ali para afirmar que ele seguirá, provocando suas transformações no seu ser. Pois o seu tempo deve seguir, não deve ser encerrado por decisão sua.
Que sejamos o gerente do nosso tempo, seja ele qual for. Que o nosso “Tempo Rei” seja para servir ao nosso reinado.
agosto 13, 2019
agosto 12, 2019
Quando nasci, ganhei seu nome: Carlos Romero. Não sei se foi uma escolha dele ou de mamãe. Só sei que sempre tive orgulho desse nome. Quan...
Quando nasci, ganhei seu nome: Carlos Romero. Não sei se foi uma escolha dele ou de mamãe. Só sei que sempre tive orgulho desse nome. Quando eu era menino só queria ser como ele. Achava-o bonito,inteligente. Sempre foi meu ídolo, meu herói. Quando mamãe partiu, muito precocemente, eu e Germano, meu irmão caçula, sofremos muito. Ficamos os três sem ela. Papai dizia que éramos uma “tristíssima trindade”. Sem ela, mas lá estava ele no centro, para nos orientar, nos guiar. Era nosso sol. E assim seguimos nosso caminho com ele. Os primeiros anos muito difíceis, mas de grande aprendizado. Nessa época, escreveu um livro: A Dança do Tempo. Um livro que para ele, representou uma verdadeira catarse, transformando sofrimento em arte. Um livro que conta uma parte da história dele, da nossa história também. Um livro escrito com o coração.
agosto 12, 2019
agosto 11, 2019
(Ângela Bezerra de Castro) Escrito em 1914, é um dos mais destacados sonetos de Augusto dos Anjos, incluído entre os que Órris Soares acresc...

(Ângela Bezerra de Castro)
Escrito em 1914, é um dos mais destacados sonetos de Augusto dos Anjos, incluído entre os que Órris Soares acrescentou à primeira edição do EU. Pela temática atemporal, pelo enfoque único, pela estrutura perfeita, é um poema eterno que os séculos hão de repetir, como repetem os sempre atuais camonianos, em suas sínteses "de ouro" sobre as mudanças da Fortuna e os enganos do Amor.
Em O Lamento das Coisas, desenvolve-se o tema do desperdício das potencialidades, expondo-se a dor do que pode ser e não é, permanecendo em estado rudimentar. Daí a tristeza do eu lírico, na constatação do tempo que passa inutilmente, enquanto as coisas não atingem a dimensão própria, a dimensão de sua natureza.
O poema é elaborado a partir da percepção auditiva. De início, há um personagem "Triste, o escutar, pancada por pancada, / A sucessividade dos segundos". Essa passagem do tempo é perceptível não apenas pela revelação confessional, mas também no ritmo criado pela repetição intencional de sons oclusivos e sibilantes, como uma marcação a reproduzir cada fragmento do tempo que se esvai.
Tal acuidade auditiva permite que esse personagem também possa ouvir os "sons subterrâneos do orbe oriundos". Através da expressão sonora do sofrimento, identifica-se cada coisa selecionada para a composição do poema: "O choro da Energia"; "a dor da força"; "o cantochão dos dínamos"; "o soluço da forma, da transcendência e da luz"; tudo sintetizado pelo "subconsciente ai formidando da Natureza, chorando."
Atribuindo a todas as coisas qualidades humanas, o poeta, pelo mesmo processo retórico, considera o "ai formidando" como "subconsciente", equiparando, assim, pela forma e pelas extraordinárias e inexploradas potencialidades, o orbe e o cérebro humano.
Percebe-se um maior esforço construtivo na caracterização do estado de letargia das coisas que não atingem a concretização de sua essência: "a Energia abandonada"; "a Força desaproveitada"; "os dínamos jazem na estática do Nada"; "a forma, ainda imprecisa"; "a transcendência que se não realiza"; "a luz que não chegou a ser lampejo"; "em suma, a Natureza que parou no rudimentarisrno do Desejo."
A síntese do conteúdo desenvolvido ao longo do poema é programaticamente anunciada pela expressão adverbial "em suma", no último terceto. Todas as coisas se resumem na Natureza e todos os lamentos se condensam no "subconsciente ai formidando", ou seja, no gemido triste, doloroso e amedrontador vindo das entranhas da terra e imaginariamente captado pelo eu-lírico (O que hoje pode ser ouvido por qualquer visitante no museu INHOTIM, em Minas Gerais, graças a potentes amplificadores de sons).
É tão perfeita a estrutura do soneto que pode ser reorganizada para efeito de análise, a partir dessa tríade: coisas, lamento, estado de desperdício. A sequência vertical dos elementos oferece uma leitura didática, de absoluta objetividade e mais acessível compreensão, pelo acompanhamento do processo reiterativo de vocábulos do mesmo campo semântico.
Em sua constituição original, O Lamento das Coisas é uma configuração metafórica do subdesenvolvimento, ferida eternamente aberta, realidade onde a natureza, especialmente a humana, se consome na fatalidade de não ser. Tragédia que "as sopas populares não remedeiam", conforme ensina a insofismável reflexão de Exupéry ante “uma bela promessa de vida" condenada "à estranha máquina de entortar homens".
Este soneto magnífico tem sofrido historicamente com a persistência de um erro gráfico ou de interpretação, que transforma o substantivo ai no advérbio aí e altera substancialmente o último terceto, a conclusão do poema. Felizmente, as mais confiáveis edições já o corrigiram, há muito tempo: a de Houaiss, a de Zeni Campos Reis e a de Alexei Bueno.
(excerto dos anais de um congresso)

O LAMENTO DAS COISAS
(Augusto dos Anjos)
Triste, a escutar, pancada por pancada,
A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da energia abandonada!
É a dor da Força desaproveitada,
- O cantochão dos dínamos proofundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!
É o soluço da forma ainda imprecisa...
Da transcendência que não se realiza...
Da luz que não chegou a ser lampejo...
E é em suma, o subconsciente ai formidando
Da natureza que parou, chorando,
No rudementarismo do Desejo!
agosto 11, 2019
agosto 11, 2019
"Meu pai não foi um santo, um indivíduo perfeito, imaculado. Mas por ter sido um pecador como qualquer mortal, acabei aprendendo com os...

"Meu pai não foi um santo, um indivíduo perfeito, imaculado. Mas por ter sido um pecador como qualquer mortal, acabei aprendendo com os seus erros. Saudades, pai".
(Petrônio Souto)

"Meu pai nos amava e nos dizia isto em suas ações mais do que por suas palavras. Deu-se completamente à família, assim como a minha mãe, em estafantes duplas jornadas de trabalho. Não só criou os nove filhos que teve, mas tomou para si o encargo de criar os netos, quando as adversidades imperiosamente o convocaram para essa ação. A nenhum discriminou, a nenhum sonegou oportunidades, de todos exigiu retidão e decência; a todos abriu os devidos caminhos para a aprendizagem. Homem de pouca escola formal, fez da vida a sua grande escola e nunca abandonou o gosto pela leitura e pelo conhecimento. Mais de uma vez, eu o vi responder a algum incrédulo, com relação ao que falava – “Eu leio!”
(Milton Marques Júnior)

Meus dois amores!!! (pai e avô). A lua e o sol, o sonho e a realidade, a água e a terra: amores que se unem para firmar minha vida, minha personalidade, meu destino. Me ensinaram coisas diferentes e, ao mesmo tempo, tão parecidas... diferentes formas de lutar e de aprender, mas sempre com ética, respeito, paciência e abnegação. Hoje entendo melhor e consigo chegar mais perto... gratidão!! Que Deus os abençoe onde estiverem! E até breve!!
(Renata Simões)

"Costumo refletir que sou uma pessoa agraciada com as bênçãos divinas.
Tive um pai que me deu muito orgulho. Com ele, aprendi um legado de ética, de idealismo, de coragem para enfrentar a vida, de amor à família e de busca pela paz e conciliação.
Tempos depois de aprender esse legado, virei pai. E procuro passar para meu Vini tudo que herdei de meu querido pai. Sobretudo de ser plena devoção ao meu filho.
Não sei se consigo ser um grande pai, mas faço o que minha capacidade de discernimento dos deveres e amores de um pai permite.
Meu pai hoje está no Céu, tenho certeza. Esperando Lili chegar em definitivo ao seu descanso merecido.
E Vini é um anjo aqui na terra. Hoje vou permitir-me a alegria de ser pai de um anjo.
(Linaldo Guedes)

"Carlos é só vida e alegria.
Fico tão feliz em ter percebido que ele soube amar e ser amado!
Foi a razão de ser um homem feliz"
(Ângela Bezerra de Castro)

"Germano,
Você sempre foi um grande filho e no crepúsculo da vida de Dr. Carlos, você foi um grande pai."
(José William Montenegro Leal)

RINCÃO DAS FLORES
Meu pai sempre foi um rastro
nos prados da minha infância.
Rosto farrapo cercando
alambrados e ventanias.
Tordilho do galope ao trote.
Raio, relho e espora.
No mapa da cavalgada era
um príncipe de bombachas.
Laço e lenço no capricho.
Pala voando na
geografia ondulada.
Meu pai foi um riso que secou.
Bandeira rota nas trincheiras.
Foi bravio. Teve medo.
A vida sempre por um fio.
Chegava
antes e partia...
sem deixar rastros.
(Lau Siqueira - Rincão das Flores é o distrito de São Lourenço do Sul-RS, onde nasceu meu pai)

"A beleza desse amor entre Germano e seu pai ecoará por muitos anos mais e será eloquente exemplo para próxima geração! Parabéns!"
(Daniel Seixas)

"Não me lembro se fui pai
nem dos filhos que já tive
fora bicho, livro e planta
Mas na última jornada
de pão e de pai nosso
me veio uma fornada
Bom filho sei que fui
e com ele sou feliz
na vida que ainda flui"
(Germano Romero)
agosto 11, 2019
agosto 10, 2019
Numa matinê de sábado, depois de uma semana com rinite alérgica e sinusite, e de perder pessoas queridas da cidade, queria me distrair. E ...

Numa matinê de sábado, depois de uma semana com rinite alérgica e sinusite, e de perder pessoas queridas da cidade, queria me distrair. E fui assistir o filme Mamma Mia 2. Já tinha visto o primeiro (e adorei!) e assisti também o musical na Broadway, em 2015. O que me levou a sair do teatro com a lombar doída de tanto cantar e dançar na cadeira a trilha do grupo Abba. Realmente uma catarse !
Pois sábado fui ver a continuação do musical da menina e seus três pais. E passeando pelas Ilhas Gregas, e ouvindo aquelas músicas, me peguei choramingando. Um filme sobre a saudade. Saudade de uma filha pela mãe (a personagem de Meryl Streep no Mamma Mia 1). A história dessa vez, é sobre a vida de Donna (Meryl Streep), antes de chegar à Grécia, agora vivida pela linda Lilly James, atriz que tinha acabado de assistir no dia anterior, em outra ilha idílica, no filme – Sociedade Literária e a Torta de Casca de Batatas.
E nessa saudade, viaje nas minhas lembranças pela Grécia, numa viagem esplendorosa que fiz em 1987; pelas mussakas que comi; pelos caminhos imbricados das ruelas brancas e azuis de Mikonos, e o meu êxtase particular de me ver perambulando também em Santorini a comer Octopus grelhado e me perder no azul anil do Mar Egeu.
Tive amigos gregos no meu ano de Mestrado na University of Warwick, na Inglaterra 1986/7. Chorei de saudades deles também. E de saudade em saudade, foi me dando um sentimento esquisito. Um misto de alegria e nostalgia. E quando dei por mim, estava aos prantos em Mamma Mia!
No meio do filme, me veio á tona a paixão pelos atores Colin Firth, meu eterno Darcy, e que, dançando desengonçadamente, fica ainda mais sedutor, e de Stellan Skarsgard (meu estranho querido de Melancolia, Dançando no Escuro, Dogville), e no filme, um dos dançarinos alegres e fanfarrões na festa pra Donna! Ah! Minhas paixões cinematográficas!
Cinema é diversão sim. E como foi reconfortante estar esparramada naquela Sala Vip, sessão da tarde, com os olhos rasos d´água cantando Mamma Mia, e passeando nas lembranças de um inverno em NYC com minha irmã Claude; ou re-lembrando minhas andanças, quando jovem, pelas Ilhas Gregas, com minha saia de chita, comprando brincos de alpaca , e identificada com aquelas figuras dançantes daquela ilha com portas azuis (pintei as da minha casa uma vez, só para ter o gostinho dessa lembrança; como também pintei a casa de terracota para me sentir no filme de Bertolucci – Beleza Roubada!). O cheiro de azeite fino e pepinos nos iogurtes, pude sim fazer uma viagem nas memórias afetivas de uma vida passada a limpo na diversão e arte. Como diz um amigo filósofo: “o esquecimento como lembrança!”
Saí do cinema de olhos gordos e empapados de lágrimas. Um choro pelos mortos da semana (Juvenal e Jorge – que nem conhecia, mas que fazia parte do meu grupo de Caminhantes). Um choro também pelos meus mortos. Minhas saudades tantas. Mas nem por isso triste. O sentimento de efusão da celebração ao amor da filha pela mãe; dos brindes à amizade e ao amor, me deram mais ânimo e alegria para seguir direto à UFPb, Sala de Concertos Radegundis Feitosa, e assistir o Recital do menino Vitor Diniz, filho da minha amiga da infância, Dodora Diniz e Luismar , e que , desde a barriga acompanho os passos e os sopros da sua Flauta Mágica.
Quando lá cheguei, vi, pela primeira vez, o belíssimo mural- A Bagaceira – do artista Flavio Tavares. E por entre engenhos, cabritos, carros de boi, e senhoras com o olhares perdidos no horizonte, também me deixei perder no interior paraibano, no cheiro enjoativo do melado do açúcar, da minha infância pelos engenhos e usinas das primas queridas.
E do Brejo às Ilhas Gregas, a distância se fez pequena. Minhas lágrimas enxugaram. E o meu sábado terminou em pizza. Literalmente. Brindando à vida com as amigas, Margarida Assad e Fátima Duques. Na esquina de casa.
agosto 10, 2019
agosto 08, 2019
(Sérgio de Castro Pinto) A boa leitura sempre consistiu, para mim, numa espécie de revolução silenciosa. Dela,...
(Sérgio de Castro Pinto)
A boa leitura sempre consistiu, para mim, numa espécie de revolução silenciosa. Dela, sempre saí diferente de quando entrei. Ou seja, mal concluo a última frase de um romance ou o último verso de um poema, sinto-me com uma nova percepção da vida e do mundo. Pena que nem todos pensem assim e tratem o escritor, sobretudo o poeta, com certo ar de mofa e de desdém. Isso sem falar que os editores e os livreiros discriminam a poesia, gênero literário que, dificilmente, é exposto nas vitrines das livrarias, mas, quase sempre, escondido nas últimas prateleiras, nos locais mais longínquos e ermos. Tanto que, quando encontro numa livraria alguém de joelhos, numa posição contrita e genuflexa, não tenho dúvida: esse alguém esta à cata de um livro de poesia. É um leitor de poesia. E dos bons!
Sobre o livro, escreve João Cabral de Melo Neto: “(...) modesto: só se abre se alguém o abre”. Pois bem. Nestes meus sessenta e dois anos de vida, outra coisa não fiz senão abrir livros, devassá-los e gozar de sua intimidade. Não somente livros, mas tudo o que, feito de papel e tinta, me caia às mãos: jornais, revistas, gibis, almanaques, e até mesmo um vetusto tomo de um médico alemão, de cuja leitura o meu pai – jornalista, hipocondríaco e completamente leigo em medicina – extraía conclusões estapafúrdias para “diagnosticar” os achaques e as mazelas do filho único que eu sou e continuo sendo. O livro, que povoou a minha infância e parte da minha adolescência, denominava-se salvo engano, O conselheiro médico do lar.
Li, e ainda hoje leio, bulas de remédio, receitas culinárias e “fórmulas de preparados para pele”, como o fez – no caso dessas últimas – o poeta Manuel Bandeira para encontrar os caminhos tortuosos e íngremes do verso livre, segundo ele uma conquista difícil, pois, situando-se na confluência do Parnasianismo com o Simbolismo, habituara-se naturalmente, quase sem esforço, ao ritmo metrificado e às formas fixas dessas duas correntes líricas.
A minha primeira leitura foi um livro de crônicas do meu pai, cujo narrador – um menino da década de 30 – discorria a propósito do conflito entre liberais e perrepistas. Eram crônicas lidas ao sabor de uma profunda nostalgia, sentimento estranho para uma criança que, ainda sem passado, sentia uma saudade atávica do menino antigo que fora o seu pai. Daí, para também escrever as minhas “memórias”, foi um passo, apenas com uma diferença: impossibilitado de explorar o tempo pretérito, de convertê-lo em matéria bruta do meu texto, não me restou alternativa senão inventá-lo. O que fiz, inconscientemente, na esteira do verso de Manuel Bandeira: “A vida inteira que poderia ter sido e que não foi”.
Aprendi, a partir de então, que uns mais, outros menos, os livros quase sempre encerram uma espécie de “invenção da verdade”. E que essa, mesmo de forma velada, sub-reptícia, denota o inconformismo do escritor diante do mundo, o conflito que se estabelece entre “a vida vivida e a vida pensada”, pois já não disse Oscar Wilde que, “Para a maioria de nós, a vida real é a vida que não vivemos”? Cumpre-nos vivê-la, então, através da leitura. Mas principalmente, disseminar a leitura, pois o leitor “sozinho não tece uma manhã”.
(excerto de “O leitor que eu sou”)
agosto 08, 2019
agosto 07, 2019
(Ângela Bezerra de Castro) “Estética e Trabalho. Respondo ao chamamento dessa divisa que vem a ser o mesmo da primeira descoberta em relação...

(Ângela Bezerra de Castro)
“Estética e Trabalho. Respondo ao chamamento dessa divisa que vem a ser o mesmo da primeira descoberta em relação à palavra. Do primeiro arrebatamento diante de uma forma imprevisível de dizer ou de um ritmo inesperado, descortinando o reino onde “estão os poemas que esperam ase escritos”. O reino das palavras. Cedo me encantou o poder libertário de seus estatutos. Concretizado, na memória mais antiga, por aquele Pássaro Cativo de fala doutoral, mas que me fez enxergar a escravidão e a dor, onde antes eu pudera alcançar somente a beleza e o canto. A eloquência pedagógica de Bilac estabelecendo para os meus oito anos o impacto de uma nova ordem de sentimentos e valores.”
“A vida reinventada através da palavra arrebatou-me sempre mais que qualquer outro entusiasmo. Decidiu minha escolha profissional. Destinou-me amizades verdadeiramente inestimáveis. Assegurou-me as mais compensadoras alegrias. Fez-se parâmetro de minhas grandes admirações. Conduziu-me até aqui, reservando-me a eternidade deste instante. Instante-síntese, que parece acumular todos os tempos e todas as emoções.”
“Na leitura de um texto, não existe verdade sustentável, alheia às estruturas de linguagem que lhe emprestam forma e substância. Minhas convicções hermenêuticas se apoiam neste princípio, que se articula à distinção essencial entre a atividade crítica e a opinião descomprometida com a informação teórica e com a realidade histórica."
(excertos de discurso)
agosto 07, 2019
agosto 05, 2019
Devíamos agradecer ao ouvidor-geral Martim Leitão pela escolha do lugar onde mandou erguer o forte e, subindo a colina, a cidade do edito ...

Devíamos agradecer ao ouvidor-geral Martim Leitão pela escolha do lugar onde mandou erguer o forte e, subindo a colina, a cidade do edito real. Não houvesse ele chegado em novembro, pleno verão, poderíamos supor que tivesse atravessado o ribeirão do Jaguaribe e alcançado o Cabo Branco em dia de forte chuva. Encharcado, sem poder trotear no areal pedregoso das restingas, o lendário fundador só poderia ter se fixado na “planície de mais de meia légua, muito chã, de todas as partes cercada d’água”.
Mas água que não afoga, que encontra logo o caminho do mar ou do rio. Planície muito chã - assim descrita pelo frade que abriu caminho para a nossa História - livra-se em meia hora de uma noite inteira de chuva, ao contrário do Recife, fundado entre rio e maré por alguém que não a escolhera como morada para toda a vida.
Nisso os portugueses eram insuperáveis, manjados na experiência de ilhas e continentes como plantadores centenários de cidades.
Aqui, podiam ter começado pela península de Cabedelo, ao lado do forte. Mas nada garantia que a cidade não ficasse vulnerável aos surtos do índio e do corsário. Penetraram rio acima e só quando a colina se pronunciou alta e sobranceira, muito acima das águas e das armas, resolveram ordenar a fundação do casario, a começar pela capela matriz, no mesmo lugar da basílica de hoje.
Ficamos, pois, a salvo da enchente. Pelo menos até os limites urbanos traçados pelo ouvidor, seguidos e pela primeira vez planejados, trezentos anos depois, pelo administrador ainda hoje frequentando a memória histórica, Henrique de Beaurepaire Rohan.
O ponto fraco, que era a Lagoa, bacia das águas de inverno dos bairros que a rodeavam, foi urbanizado e convertido, numa quadra próspera de lavouras de exportação, no cartão postal da cidade modernizada. E como tivemos sorte, nisto! Já que se iria cavar um escoadouro para as do entorno, que se transformasse a grande bacia numa praça especial, num parque já visto como dos mais belos do mundo. Saturnino de Brito, a quem devemos o primeiro sistema de galerias e de esgotos, faz referências, na justificação do seu projeto, à “incolumidade da Capital da Paraíba aos flagelos da chuva e da maré.” Diz isso, dando uma de modesto, quando lhe elogiam a eficiência do sistema que implantara. “A topografia da cidade ajuda muito” – alegava.
É bom lembrar, entretanto, que a cidade inicial se limitava às bordas da colina, tendo Jaguaribe e Cruz das Armas como estrada. Nos anos 20, a balaustrada de Trincheiras era um ornamento urbano abrindo vista para o vale verde onde hoje escorrega a favela que, por absurdo, ganhou o nome de Saturnino de Brito, símbolo ou marco da modernização.
Vale verde, dizia Coriolano; anfiteatro, batiza José Américo. Anfiteatro e vale verde que são hoje, dali da balaustrada, um atentado aos foros cultos de um Camilo de Holanda, que tanto fez por uma João Pessoa bonita, ornada de lavores, moderna. Como paga, haviam surrupiado o pincenê da estátua e, para fechar, levaram agora o bronze inteiro. Resta só o pedestal em meio à ruína.
agosto 05, 2019
agosto 05, 2019
(Whashington Luís Fernandes Silva) Em contraste de suas representações, como a bandeira e o próprio nome, me vêm no sentimento os encantos d...

(Whashington Luís Fernandes Silva)
Em contraste de suas representações, como a bandeira e o próprio nome, me vêm no sentimento os encantos dos apaixonados. Seus flamboyants, os paus d'arcos, do Sol de Tambaú, da Lagoa, onde antes navegavam lindos gansos, tão bem desenhado na crônica de Carlos Romero, faz com que todos nós despertemos para pura vontade de amar. Ah como seria a vida dos seres contundentemente apaixonados sem a porta do sol, na mata verde, esperançosos por mais um dia e não sermos o Sol do extremo oriental?
Lindo o sabor configurado nestas paisagens, tornando a rotina um poema.
Somos restos de quimera, abraçando o crepúsculo no rio Sanhauá, como um pedido incessante dos enamorados para sua permanência e não se dissolver na cadência de Ravel.
Somos eternos apaixonados... esperando uma nova aurora para nos encantarmos em Tambaú e bater na porta do sol, para abrir sorrindo e balbuciar: BOM DIA JOÂO PESSOA!
(dedicado ao mestre do prelúdio da lua e dos sete mares, Germano Romero)
agosto 05, 2019
agosto 04, 2019
(Milton Marques Júnior) *para Germano Romero Almoçava ontem, quando veio-me à mente o quanto comer pode ser poético. Eu comia um spaghetti c...

(Milton Marques Júnior)
*para Germano Romero
Almoçava ontem, quando veio-me à mente o quanto comer pode ser poético. Eu comia um spaghetti com paillard e molho à bolonhesa, enquanto Alcione comia uma salada com farfalle. Foi o que ocasionou a associação entre poesia e gastronomia. Farfalle é aquela massa que as pessoas, comumente, chamam de gravata ou gravatinha, sem atentar para o fato de que ela tem o desenho de uma gravata borboleta. Não é à toa. Farfalla é borboleta em italiano, cujo plural é farfalle. Comentei, então, com Alcione que o nome, em italiano era, provavelmente, de origem onomatopaica – depois, fui conferir e realmente é –, pois nos induz ao bater das asas da borboleta. Chamar uma massa, que, normalmente, é antepasto na cozinha italiana, de farfalle é associar a leveza do inseto com a delicadeza e a leveza da massa que se ingere. Em suma, criativo, poético.
Ao chegar em casa, lembrei-me do filme O Tempero da Vida (Politike Kousína, 2003), direção de Tasso Boulmete (excelente filme, recomendo!), que nos ensina sobre como a vida tem que ser temperada, no dia-a-dia, ou na mesa. O personagem central, um professor de astronomia em Atenas, aprende com o avô, em sua infância na Turquia, que o saber temperar é essencial para saber viver. Recordo, en passant, que o verbo sapĕre, em latim, tanto significa ter o conhecimento de alguma coisa, saber, como sentir o sabor de algo. Sabor é saber e vice-versa, pois. É notável, no filme, o momento em que, na aprendizagem, o avô revela ao neto a relação entre gastronomia e astronomia, ao dizer que a segunda palavra está contida na primeira. Gáster, em grego, é estômago (stoma, por sua vez, é boca...) e áster, é astro, estrela; nómos é lei. A aproximação lúdico-etimológica faz com que um termo esteja contido no outro, trocadilho que fica melhor em grego, pois o termo gáster só nos remete para a doença gastrite... Assim, a lei que rege os astros é semelhante à lei que rege a vida, em que o estômago tem função primordial.
Nessa relação, o avô começa a descrever o nosso sistema solar, colocando os planetas na ordem que conhecemos, a partir do sol. O Sol relaciona-se com a pimenta, pois assim como o sol vê tudo (conceito de Homero), é quente e queima, e a pimenta dá vida a todas as comidas; Mercúrio, também quente, está relacionado com a pimenta vermelha em pó; Vênus é canela, doce e amarga, lembrando as mulheres; a Terra é o sal, pois na terra encontra-se a vida; para viver precisamos de comida e o que torna a comida mais saborosa é o sal. Magnífico! O neto não só aprenderá a cozinhar, como também, posteriormente, tornar-se-á um astrônomo respeitado.
Um único nome – Farfalle – desencadeou todo um voo do pensamento, batendo as suas asas, em busca do equilíbrio entre comida e natureza, ambas essenciais à vida, expressas na massa-borboleta, leveza poético-gastronômica.
Bom Domingo e bom apetite!
agosto 04, 2019
agosto 03, 2019
(Miryan Lucy de Rezende) Lembro-me bem. Foi quando julho se foi, que um vento mais gelado, mais destemperado, que arrastava ainda folhas dei...

(Miryan Lucy de Rezende)
Lembro-me bem. Foi quando julho se foi, que um vento mais gelado, mais destemperado, que arrastava ainda folhas deixadas pelo outono, me disse algumas verdades. Convenceu-me de que o céu começaria a apresentar metamorfoses avermelhadas. Que a poeira levantada por ele daria lições de que as coisas nem sempre ficam no mesmo lugar e que é preciso aceitar que a poeira só assenta depois que os redemoinhos se vão.
Foi quando julho se foi que a minha solidão me convidou para uma conversa. E me contou de tempo de esperas. E me disse que o barulho das árvores tinha algo a dizer sobre aceitação. E eu fiquei pensando como elas, as árvores, aceitam as estações que, se as estremecem, também lhes florescem os galhos. Mas tudo a seu tempo. Foi em agosto que descobri que os cachorros loucos são, na verdade, os uivos que não lançamos ao vento. São nossos estremecimentos particulares que a nossa rigidez de certezas não nos permite encarar.
O mês de agosto tem muito a ensinar. Porque agosto é mês jardineiro, é dentro dele, berço do inverno, que as sementes dormem. Aguardam seu tempo de brotar. Agosto é guardador da boa-nova, preparador de flores. Agosto é quando Deus deixa a natureza traduzir visivelmente o tempo das mutações.
Mude, diz agosto, em seu recado de sementes. Aceite, diz agosto, com seu jeito frio de vento que levanta poeira e a faz avermelhar o céu. Compartilhe, diz agosto. Agasalhos, sopas quentinhas, cafés com chocolate, abraços mais apertados – eles também aquecem a alma e aninham o corpo. Distribua mais afetos, que inverno é acolhimento, é tempo de preparar setembro. E, de setembro, todos sabemos o que esperar. Esperamos a arrebentação das cores, que com seus mais variados nomes vêm em forma de flores.
Vamos apreciar agosto, recebê-lo com o espanto feliz de quem não desafia ventos. Que ele desarrume e espalhe suas folhas e levante suas poeiras.
Aceite as esperas, mas coloque floreiras na janela.
Só quem vive bem os agostos é merecedor da primavera!
agosto 03, 2019
agosto 01, 2019
(Luiz Augusto de Paiva) Ele fazia Química na universidade e ela no mesmo curso, um ou dois semestres atrás. Conheceram-se ali pelos corredor...

(Luiz Augusto de Paiva)
Ele fazia Química na universidade e ela no mesmo curso, um ou dois semestres atrás. Conheceram-se ali pelos corredores e pintou entre eles aquela química, não a do curso, mas aquela atração danada, inevitável que faz qualquer elétron escapar de sua órbita. Hormônios pululando a todo vapor, nos dois. Então aconteceu. Não poderia ter sido diferente.
Mas antes que mal digam coisas dessa nossa Julieta, é bom que saibam, nosso Romeu era criatura do mais ilibado caráter e levou a sua mocinha aos cartórios e ao altar. Casaram-se. Ele sem uma pataca no bolso, ela muito menos, mas todo mundo sabe como é esse tal de amor, não é verdade? Os pais dele contra, a mãe dela que era viúva também, mas fazer o quê? Eram, como dizia a senhora – do rapaz – “di maior”, e deviam muito bem saber o que estavam fazendo.
O pai dele ainda deu uma força de início. Foi fiador numa casinha do tipo sala, quarto, cozinha e banheiro, ali por perto da universidade e ajudou na compra do essencial. Nada de primeira mão, tudo de brechó e sem reclamação. Quem mandou não ter responsabilidade? Já a mãe dela, mesmo com gordas economias na Caixa Econômica, não abriu mão de um centavo além do que havia gasto com os ornamentos da igreja e mais alguma coisa que a paróquia exigia para proceder o enlace. E só.
Criar uma filha com tanto zelo e depois entregar para um pé-rapado desses – reclamava a indignada senhora.
Nem é preciso explicar que foi um difícil começo. Para segurar a barra, sempre que havia uma brecha no horário da universidade ministravam aulas particulares. Tempos depois conseguiram alguns colégios para lecionar e assim foram levando a vida, com dificuldades, mas levando.
E o amor? Aceso! Aceso como brasa de churrasqueira. Felizes, iam se dando bem no curso, conseguiram mais trabalho e viviam aquela fase de “como o amor é lindo! ”. Tão lindo que já podiam, vez ou outra, tomar uma cervejinha com os amigos da universidade nos fins de semana, e, mais lindo ainda, porque conseguiram comprar uma Brasília de terceira ou quarta mão.
Que não me apareça com esse carro aqui para não me matar de vergonha – dizia a mãe dela, toda prosa, porque tinha um Monza (que era o carro da moda) novinho em folha.
A vida seguia seu curso, até que um dia... Depois da aula na universidade, o nosso Romeu deixou brotar da alma seu lado boêmio, ou melhor dizendo, seu lado gandaieiro, desregrado (todo homem tem isso, contido mas tem) e numa sexta-feira, depois das aulas da noite, saiu com um amigo para a esbórnia.
Foram para um daqueles estabelecimentos onde moças gentis satisfazem as necessidades afetivas e urgentes da rapaziada. Não era o caso do mancebo em questão, que por sinal era muito bem nutrido nessas necessidades, mas naquele dia resolvera, como se diz, enfiar o pé na jaca. Ali ficaram bebendo com as meninas, beijinhos, carícias poucas. Nada mais que isso. Queriam mesmo é fugir da rotina. Mas tomaram todas e na saída, noite bem avançada, tiveram que usar a Brasília para dar carona para duas daquelas criaturas. Cumprida a gentileza, antes de chegar em casa, parou a “poderosa” e deu um geral para não deixar rastro. Achou uma bijuteria, um batom e uma tiara. Ufa! Provas do crime jogadas fora, portanto devidamente eliminadas.
Em casa, a mulher ainda acordada. Brava! Com aquele bico de ornitorrinco, lembrou nosso transgressor que na manhã seguinte iam ser testemunha no cartório. A prima dela ia se casar.
Acordou daquele jeito. Gosto de cabo de guarda-chuvas na boca. Cérebro como se estivesse solto na cabeça. Tomou café amargo, trêmulo. Botou terno e gravata. A mulher sem dizer uma palavra, só fez lembrar na saída:
Pneu do carro de minha mãe está baixo, vamos passar lá para pegar ela.
Lá, entraram na “poderosa”, a sogra e duas cunhadas. A mulher ao entrar já foi dizendo:
Que cheiro de Avon é esse aqui dentro?
Ele eliminara qualquer vestígio, menos o cheiro. Não pensara nisso. A mulher esticou mais o bico ainda, mas não disse uma palavra (o que é pior!). Na primeira freada, algo resvala no pé dele. Disfarçadamente estica as mãos, toca. Um sapato! Como não vira? Precisava eliminar aquela evidência tão comprometedora. Com a desculpa que um pneu poderia estar baixo para o carro, e disfarçadamente joga fora o sapato. Entra no carro aliviado até que chegam ao cartório. Saem do carro, menos a sogra.
A senhora não vai sair? Vai ficar aí? – interroga nosso Romeu, e ela: "Estou procurando meu sapato. Alguém viu?"
agosto 01, 2019
julho 31, 2019
Decorridos quase 90 anos, fica fácil a um dos meus interlocutores do Ponto de Cem Réis questionar o nome de João Pessoa dado em setembro d...

Decorridos quase 90 anos, fica fácil a um dos meus interlocutores do Ponto de Cem Réis questionar o nome de João Pessoa dado em setembro de 30 à cidade. E pior, atribuir a esse nome o emperro na Projeção turística merecida. “É esse nome que atrapalha” – insiste-se.
Mas por que João Pessoa atrapalha se Florianópolis (em homenagem a Floriano Peixoto) não atrapalha? Sem falar noutras cidades grandes e pequenas com nome que a maioria motivada, comovida consagrou?
No nosso caso, este batismo é o único nascido efetivamente de vontade autóctone, paraibana, fruto da espontânea comoção popular, sobretudo de sua mocidade. Dos restantes topônimos, o que não veio imposto de fora (Filipeia, Frederice) foi Parahyba, que por vir do rio o historiador José Leal queria o Estado no masculino, Estado do Paraíba, como Estado do Rio de Janeiro.
Nascida de sua mocidade? Sim, da mocidade livre das escolas lideradas, na capital, pela ala feminina, pelas meninas da Escola Normal, do Colégio das Neves, que antecipavam um momento especial da projeção da mulher em sonhos de emancipação cultural e social. Nos jornais e revistas dos anos 1930, sobretudo nas revistas e almanaques do gosto da época, a frequência da mulher em suas páginas emula com a dos varões. Desde a “Era Nova” dos anos 1920 que as Analyce Caldas e Eudésia Vieira ganhavam espaço.
E o fervor político de 1930 dispôs desse arrojo trazido às ruas pelas mulheres do povo. Celso Furtado, menino de poucos anos, vem dar esse testemunho em suas memórias. As mulheres eram o maior contingente nas passeatas e procissões que beiravam a sua janela da General Osório, rua que terminou encenando o capítulo inicial do romance de outro menino que descobria o mundo e a paixão desvairada dos seus moradores por um dos postigos que filtravam o tumulto o Virginius da Gama e Melo em seu “Tempo de Vingança”.
E se faltassem outros testemunhos mais vivos desse protagonismo límpido, sem interesses subalternos da mulher, recorra-se ao de d. Olívia Athayde, com seus 102 anos, em entrevista à “A União” de quinze anos atrás. Ela que falou pela juventude na hora em que o presidente Álvaro de Carvalho sancionava a lei que dava nome cívico, verdadeiramente cívico, à capital. No ato do Teatro Santa Roza falaram apenas o deputado Lima Mindelo, representando a Assembleia Legislativa, a senhorita Olívia Athayde, e o governador. A voz incitante do apelo feminino deu força à assinatura do chefe do Executivo paraibano, um catedrático do Liceu, homem de pensamento e de letras, fundador da nossa Academia de Letras, até ali ainda um tanto relutante:
“Proclamo que estais, nesta hora histórica, sendo um distinguido paraibano. Andais, quanto possível, de acordo com o povo. E é isto, precisamente, o que o povo quer. (...) Contai conosco e não leveis a mal uma solicitação de nossa brava gente. A Paraíba nova deu o nome de João Pessoa à nossa linda capital. Nós esperamos, exmo. sr. presidente, o vosso apoio moral para a bandeira com as cores do heroísmo e do sacrifício – rubro e negro”.
Não foi sem motivo que Celso Furtado, homem de emoções depuradas, não se comportou muito diferente da jovem que falava em nome das normalistas: “O assassínio brutal desse homem (...) provocou uma tal angústia coletiva que ainda hoje não posso recordar sem me emocionar. Várias vezes acompanhei aquelas domésticas em longas procissões (...) seguindo um andor sobre o qual ia uma fotografia de João Pessoa de corpo inteiro”.
Não foi um batismo de cima para baixo, imposto pelo rei ou pelo general vencedor.
julho 31, 2019
julho 30, 2019
(Alaurinda Romero) A beleza da vida está nas nossas escolhas, no nosso livre arbítrio e nas responsabilidades que tomamos para nós. A primei...

(Alaurinda Romero)
A beleza da vida está nas nossas escolhas, no nosso livre arbítrio e nas responsabilidades que tomamos para nós. A primeira vez que vi Carlos foi quando fui buscar o meu irmão, João Bosco, em sua casa, e ele estava na entrada do portão. Então, eu perguntei: “o senhor é o pai de Germano?” - “Sim. Eu vim buscar Bosco”.
Carlos simplesmente olhou para mim, e foi aí que não me detive apenas no seu olhar. Senti-o tão forte e profundo que até hoje não encontro palavras para descrevê-lo. Aliás, por mais nítidas e bem escritas, em nenhum idioma as palavras serão capaz de definir com exatidão aquilo que sentimos, aquilo que nos emociona.
Nessa mesma noite, fui convidada para um jantar, na casa de Carlos, oferecido após o concerto de nossa Orquestra Sinfônica – da qual fiz parte, como violinista, durante 30 anos –, em homenagem ao pianista Nelson Freire, à cantora lírica Maria Lúcia Godoy e ao grande maestro Eleazar de Carvalho, na época, nosso regente titular.
A noite só foi minha e dele. Fomos à sua biblioteca, folheamos muitos livros, conversamos sobre viagens, música, literatura. Tudo o que eu mais gostava estava ali com ele. Eu nunca fui tão autêntica, tão eu mesma e ele era ele. Uma verdadeira comunhão de pensamentos e vontades. No dia seguinte, Carlos me telefona e pergunta se poderia me levar para o ensaio da orquestra. “Sim” - respondi.
Quando chegou, vi que ele estava ainda mais bonito, no seu modo lento e cordial de ser. Como é bom ver e sentir a autenticidade transparente de uma pessoa verdadeira... Carlos, durante quase 30 anos, sempre foi e sempre será o mesmo, desde que o conheci. Compreensivo, íntegro, sincero, discreto, elegante, nunca alterou o tom de sua voz mansa e tênue. Quando eu insinuava uma discussão, ele apenas dizia: “Lau, meu anjo, eu não tenho mais tempo para ser infeliz”, e esboçava apenas um sorriso. E assim, costumava dizer, carinhosamente, que eu era “um anjo que apareceu em sua vida”.
Mas, o anjo era ele, que tanto me ensinou. Ah, como aprendi com ele! Às vezes, eu não encontro palavras para me expressar e dizer o quanto Carlos foi e continua sendo valioso para mim. Os livros que ele me indicava, os filósofos que mais amava… Bertrand Russell, Michel de Montaigne e tantos outros. Uma vez perguntaram a Montaigne, porque ele gostava tanto e admirava tanto o seu grande amigo, Étienne de La Boétie? Ele apenas respondeu: “Porque ele era ele”. E é por isso que eu amei e continuo sempre amando o meu Carlos. Porque ele era ele e eu me via nele.
“Amor, eu te amo. Você, fofinho, possui o meu pensamento. Vou tentar conviver com essa saudade eterna, mas, sempre com o consolo e a certeza de um novo reencontro.
De sua Lau”.
julho 30, 2019