Numa manhã sem graça, há mais de vinte anos, quando minha irmã comunicou pelo telefone que nossa mãe havia morrido, após deixá-la no hosp...

Numa manhã sem graça, há mais de vinte anos, quando minha irmã comunicou pelo telefone que nossa mãe havia morrido, após deixá-la no hospital na noite anterior, abaixei a cabeça como último gesto em reverência àquela que concluía sua paisagem humana entre nós e, retornando à casa do Pai Eterno, deixou lições e saudades. Nunca estamos prontos para receber semelhante notícia, mesmo sendo algo inevitável, que desejamos demorar chegar.

Tomé era um homem preguiçoso. Ninguém sabe o porquê, mas já faz uns anos que bateu uma imensa preguiça nesse cidadão. Preguiça daquelas, b...

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Tomé era um homem preguiçoso. Ninguém sabe o porquê, mas já faz uns anos que bateu uma imensa preguiça nesse cidadão. Preguiça daquelas, bravas. De fazer inveja àquele bicho de unhas compridas que carrega no nome o estigma da inércia, da lombeira, do marasmo, da sornice e não sei mais lá quantos desses adjetivos. Sabem de qual bicho estou falando, não sabem? Pois é ele mesmo. Tanto foi que nosso amigo passou a ser chamado de Tomé Sossego ou Doutor Sossego, já que era delegado de polícia na cidadezinha que aqui chamaremos simplesmente de P.

O último dia 20 de abril marcou mais um aniversário de Augusto dos Anjos. Há 137 anos, ele veio ao mundo; há 109, a força de sua poesia fo...

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O último dia 20 de abril marcou mais um aniversário de Augusto dos Anjos. Há 137 anos, ele veio ao mundo; há 109, a força de sua poesia foi plasmada em um livro singular, sob todos os aspectos – título, vocabulário, ritmo, sonoridade, concepção... –, há 107, morria o homem e, com ele, o poeta, desconhecidos ambos, mas deixando um legado incomparável à literatura.

A passagem de efemérides, principalmente de datas cheias, leva ao reavivamento de fatos passados relacionados com as comemorações. E não...

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A passagem de efemérides, principalmente de datas cheias, leva ao reavivamento de fatos passados relacionados com as comemorações. E não seria diferente no caso dos oitenta anos de Roberto Carlos, indiscutivelmente nosso cantor mais popular.

Era fim de ano de 1953, uma manhã de redação só animada pelos sinais de radiotelegrafia do noticiário. Eu estava sozinho antecipando o not...

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Era fim de ano de 1953, uma manhã de redação só animada pelos sinais de radiotelegrafia do noticiário. Eu estava sozinho antecipando o noticiário nacional da Meridional, a agência Associada, enquanto Felizardo Montalverne, o supervisor trazido de Fortaleza, era aguardado para o fechamento da página que ao meio-dia entraria em composição. Era o tempo do jornal quente com linhas fundidas em estanho e chumbo, que eu vi com um misto de espanto e milagre ao encarar a linotipo.

"O que tem de acontecer tem muita força" José Américo de Almeida é conhecido como admirável escritor e político, do século pa...

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"O que tem de acontecer tem muita força"

José Américo de Almeida é conhecido como admirável escritor e político, do século passado. Além de ser orgulho para o nosso Estado, ele povoa minha mente sob outro ângulo: intérprete da essência da Vida. A didática é simples e direta: suas brilhantes frases, exemplificadas por lições objetivas, se encontram revestidas de pura sensibilidade.

Para um amigo sertanejo Eu morava com meus pais e mais doze irmãos. Te digo que a vida hoje é mole demais, mas naqueles tempos, o sofr...

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Para um amigo sertanejo

Eu morava com meus pais e mais doze irmãos. Te digo que a vida hoje é mole demais, mas naqueles tempos, o sofrimento era tão grande que as vezes dava dó até de viver. Morava num sítio chamado Massapê, mas não sei o porquê, já que tudo ali era seco e esturricado. Talvez o nome fosse por conta de uma glebazinha de terra em que a curva do rio banhava, lá nos fundos da propriedade. Ali sim, bom torrão que Pai plantava até arroz vermelho.

Veio e se sentou no banco do calçadão. Emplumado em cetins e lantejoulas, os sapatos bicudos, a cara mastigada pela idade avançada. Retir...

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Veio e se sentou no banco do calçadão. Emplumado em cetins e lantejoulas, os sapatos bicudos, a cara mastigada pela idade avançada. Retirou da maleta uma peruca colorida em vermelho e azul. Deu uma gargalhada e cantou um estribilho fácil de cançoneta perdida no picadeiro de finado circo. Geléia se apresentou a um público distanciado.

Fui ao supermercado fazer as compras da semana. Notei tudo mais caro uns 15%. Peguei um Uber na volta.

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Fui ao supermercado fazer as compras da semana. Notei tudo mais caro uns 15%. Peguei um Uber na volta.

Conheceram-se na universidade. Além da mesma idade, gostavam das teorias da Física e compartiam incurável urticária pela Química, exceto p...

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Conheceram-se na universidade. Além da mesma idade, gostavam das teorias da Física e compartiam incurável urticária pela Química, exceto pelas monitoras que auxiliavam nas aulas práticas, com seus impecáveis jalecos brancos, luminescentes, flutuando por entre os tubos de ensaios como os gases da tabela periódica de Mendeleiev.

Ritual de abril Em dia de chuva, somos pingos soltos sem para-quedas, libertos rumo ao abraço, concreto na atração do beijo, do ...

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Ritual de abril
Em dia de chuva, somos pingos soltos sem para-quedas, libertos rumo ao abraço, concreto na atração do beijo, do cheiro da terra molhada, do espelho no uniforme ballet sem ensaio apenas céu em despejo sobre o nada e o tudo somos multidão de água dividida em indivíduos da nuvem à poça, ao copo, ao corpo ritual de abril, de novo

Há mais de um século, o cinema atua como um universo paralelo onde os seres humanos se espelham e que por sua vez — espelha a odisseia da ...

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Há mais de um século, o cinema atua como um universo paralelo onde os seres humanos se espelham e que por sua vez — espelha a odisseia da humanidade. O cinema condensa uma temporalidade particular que nos regata da crueldade do tempo cronológico devorador; portanto, nos salva do medo da finitude e nos atira numa dimensão paralela, catártica, que nos arrebata e nos encoraja para agir afirmativamente na espessura da vida vivida.

O mito é o nada que é tudo O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo O corpo morto de Deus Vivo e desnudo. Fernando Pessoa ...

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O mito é o nada que é tudo O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo O corpo morto de Deus Vivo e desnudo.
Fernando Pessoa

O registro sobre os mitos se compõe de um vasto estudo de autores que foram imprescindíveis para a compreensão e o aprendizado da Literatura Clássica. Ao estudar Eurípedes, Hesíodo, Sófocles, Ovídio, Platão, Ésquilo, Virgílio, Homero — entre tantos outros —, vamos concluir que todos os heróis inseridos nos escritos nos ensinam por meio de uma sutil simbologia.

Se o poema é triste, tal circunstância não quer dizer que o autor também o seja. O eu-lírico pode até ter escrito o poema movido pela mais...

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Se o poema é triste, tal circunstância não quer dizer que o autor também o seja. O eu-lírico pode até ter escrito o poema movido pela mais profunda tristeza, mas isso não quer dizer necessariamente que o autor seja um triste em regime de tempo integral e dedicação exclusiva. Por essas e outras é que alguns leitores de Augusto dos Anjos tendem a misturar alhos com bugalhos. Ou seja, julgam o autor, o homem Augusto dos Anjos, tão ou mais triste quanto os seus poemas, sem saber dos versos humorísticos que ele publicava nos jornaizinhos que circulavam durante os festejos de Nossa Senhora das Neves, padroeira da cidade de João Pessoa, anteriormente denominada Parahyba do Norte.

  Sem encontrar palavras para expressar minha saudade e meu agradecimento ao conterrâneo, amigo e mestre Nathanael Alves, nos quarenta ...

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Sem encontrar palavras para expressar minha saudade e meu agradecimento ao conterrâneo, amigo e mestre Nathanael Alves, nos quarenta anos de sua morte, recorro ao poeta Luiz Augusto Crispim, igualmente revelador da alma humana, cujas crônicas de profundo lirismo abordam temas do cotidiano e nos enche de prazer a sua leitura. Nathanael Alves nasceu no povoado de Arara, então município de Serraria. Conterrâneo que se fez merecedor de nossa admiração, porque carregava a paciência franciscana e a compaixão de padre Ibiapina pelo sofrimento alheio.

Newton Leite, que nos deixou na última segunda-feira, aos 84 anos, foi uma das minhas surpresas quando fez de um projeto difícil, com a co...

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Newton Leite, que nos deixou na última segunda-feira, aos 84 anos, foi uma das minhas surpresas quando fez de um projeto difícil, com a complexidade que sugere a implantação de um hospital-escola num meio precário de recursos e de apoio técnico, uma vitoriosa realidade. Refiro-me ao Hospital Universitário, iniciado no reitorado do capitão Guilardo e franqueado ao grande público na gestão de Lynaldo Cavalcanti.