Numa manhã sem graça, há mais de vinte anos, quando minha irmã comunicou pelo telefone que nossa mãe havia morrido, após deixá-la no hosp...

Duas cadeiras vazias

Numa manhã sem graça, há mais de vinte anos, quando minha irmã comunicou pelo telefone que nossa mãe havia morrido, após deixá-la no hospital na noite anterior, abaixei a cabeça como último gesto em reverência àquela que concluía sua paisagem humana entre nós e, retornando à casa do Pai Eterno, deixou lições e saudades. Nunca estamos prontos para receber semelhante notícia, mesmo sendo algo inevitável, que desejamos demorar chegar.

Dos amigos e conhecidos meus que a pandemia fez sucumbir, causando pesar na mesma proporção de entes queridos, junto-me à Paraíba na reverência a dois de seus filhos que se fizeram merecedores do apreço e da nossa admiração, porque ajudaram na edificação de sonhos. São eles, Juarez Farias e José Maranhão, que nos espaços conquistados na vida pública, - ambos governaram a Paraíba, um de forma alternada e em menor espaço de tempo, e o outro em três oportunidades de longa duração – cada um ao seu modo, estenderam as mãos para minimizar as mazelas do povo. Cada um na infância, em suas regiões com peculiaridades idênticas, presenciaram famílias mendigando sobrevivência, marcando profundamente a vida de ambos.

Lembrando desses dois paraibanos e de outros amigos que a pandemia carregou, mas que continuarão em nossa lembrança, encontro uma expressão de Shakespeare que se aplicaria ao momento de incertezas que vivemos. O poeta inglês colocou em duas de suas peças de teatro, de grande repercussão, personagens diante da morte inevitável, ambos expressando o mesmo sentimento, quando afirmam que importa estar pronto. Pronto para o momento derradeiro.

No Rei Lear, com o exército derrotado, Edgar propõe arrastar o pai cego para fora do cenário de perigo, mas esse afirma que os homens deverão aguentar até o fim da batalha, e acrescenta: “O que importa é estar maduro”. Em Hamlet, com serenidade, o príncipe dialoga com Horácio sobre o que irá causar sua destruição:

"Existe uma providência especial na queda de um pardal!... em tudo é estar prevenido". (Solha, conhecedor do teatro de Shakespeare, me corrija se estiver errado nas duas citações)

Diante desse dragão com sua cauda invisível que parece varrer toda a terra, as duas citações do poeta inglês questionam se realmente estamos prontos para essa batalha no escuro. Devemos, sim, ficar preparados porque nunca sabemos quando será o dia e nem a hora. Mas enquanto esse dia e essa hora não chegam, - cedo ou tarde chegará -, resta-nos vestir o gibão como proteção, sem prestar a atenção aos profetas da destruição.

Juarez trouxe de Cabaceiras as marcas da terra esturricada, com a sua paisagem desolada, lugar onde basta um tiquinho de chuva para rebrotar os roçados. Tinha a consciência da necessidade de estar com a mente e o coração voltados para aquele povo. Aliado ao pensamento desenvolvimentista de Celso Furtado, era homem afável, singelo no trato às pessoas, que muito se importava em montar projetos para ajudar na exploração das potencialidades econômicas do semiárido. Maranhão, partindo do cume da serra de Araruna, cedo enveredou pelas trincheiras da política, recolhendo os anseios daqueles que habitavam os recôncavos paraibanos, para transformá-los em sonhos e levá-los à tribuna como um grito de alerta. Sempre pautado por posições moderadas e de fidelidade partidária, não praticou gesto que desabonasse a conduta de homem público que durante mais de sessenta anos estendeu a mão para conciliar as diferenças.

Tenho grande apreço pelos dois, a começar por Maranhão a quem servi como repórter escalado para registrar o dia a dia do seu governo nas três ocasiões em que ocupou o Palácio da Redenção, o que tentei exercer com prazer. Quanto a Juarez, a literatura nos aproximou, fazendo-me seu discípulo com as bênçãos de Gonzaga Rodrigues.

Talvez não estivéssemos preparados para essas ausências, mas resta-nos conviver com as lições que deixaram, as boas lições de que somente os sábios são protagonistas.

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