Alexandra caminhou sentindo os pés descalços tocarem a água espumosa que morria mansamente na praia. Antes, e isso não fazia muito tempo, ...

O milagre de Alexandra

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Alexandra caminhou sentindo os pés descalços tocarem a água espumosa que morria mansamente na praia. Antes, e isso não fazia muito tempo, essa sensação lhe dava muito prazer. Adorava ver as ondas espocando contra as pedras, o sol caindo no horizonte e as palhoças dos pescadores.

Pensou no quanto se encantava com os barcos no mar, com o vôo das gaivotas, as andorinhas se movimentando freneticamente no ar, e quão delicioso era sentir a mesma brisa que agitava as palhas do coqueiral soprar em seu rosto, trazendo o gosto úmido da maresia.

Ela nem queria ter saído para caminhar, pois depois da morte da sua mãe tudo se fizera tão indiferente e desinteressante que a paisagem, à sua frente, assemelhava-se a um cenário em preto e branco.

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Alexandra se olhava no espelho e a imagem refletida era a de um cão cinzento, grande e feio, que a entristecia e devorava suas esperanças e a vontade de viver. Os dias pareciam intermináveis, as noites uma espécie de buraco negro que a sugava, transportando-a para uma dimensão insana e alucinante.

Quando decidiu pedir ajuda, disse ao médico que vivia com a impressão de ter caído num poço de areia movediça, num lamaçal de angústia, desalento e desencanto pela vida. Os medicamentos e as sessões com um psicólogo provocaram certo alento, mas o sentimento de medo, tristeza e indiferença ainda a acompanhava feito a própria sombra.

Por isso, como disse acima, ela nem queria sair para caminhar, mas inesperadamente uma força incontrolável, que ela não sabia explicar, arrastara-a de casa e fizera seus pés andarem ao longo da praia.

O que seria?

Pelo caminho ela encontrou pessoas, que também caminhavam, e até se distraiu observando as casinhas de palha onde havia redes estendidas em traves de estacas e pequenas embarcações presas à areia. Sem acreditar, disse de si para si que iria até o maceió, o ponto mais distante da praia.

Quando alcançou o maceió, decidiu seguir em frente, atendendo a um chamado do seu insconsciente. Agora a praia estava deserta de tudo: de barcos, pescadores e daquelas pessoas que caminhavam até o maceió.

Mas havia alguém. Aproximou-se. Era uma mulher. Tinha sua altura e a cor da sua pele, assemelhando-se ainda nas feições e nos cabelos ondulados. Quanto à idade, se muito tivesse, chegaria ao dobro da sua.

Ela sorriu e a mulher também sorriu.

— Olá!

— Olá!

— A tarde está muito agradável, não é? – disse Alexandra, enquanto enrolava os cabelos e os prendia para trás.

— É, realmente está muito agradável — respondeu a senhora, e disse numa expressão tão serena que, de imediato, cativou Alexandra, deixando-a um tanto impressionada.

— Estive poucas vezes aqui, e passei rápido, de bugre. Estou numa casa lá atrás. A senhora tem casa por aqui... bem... não exatamente aqui... porque essa área é bem deserta, né? – perguntou, erguendo os ombros, meio atrapalhada.

— Não, minha filha, mas acho que todos gostariam de ter.

— Huuum... bem, eu mesmo sou uma delas – disse rindo. — Então a senhora e eu devemos estar na mesma situação, na casa de amigos, tentando esquecer um pouco dos problemas da vida. Vez ou outra a gente precisa ficar sozinha. Mas... as pessoas não querem que eu fique sozinha... Elas... elas não querem que eu fique só – disse insegra.

— Nem sempre estar só significa estar perdido ou desamparado. De vez em quando precisamos de recolhimento. No silêncio, Deus nos ouve melhor. Por isso, às vezes, o silêncio também é resposta. Deus pode estar nos pedindo um pouco de paciência.

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— A senhora está sozinha?

— Eu vim encontrar uma amiga.

A palavra ‘amiga’ provocou um súbito choque na expressão de Alexandra, deixando-a meio desolada. Disse:

— Eu perdi minha melhor amiga: a minha mãe. Foi muito difícil ficar sem ela.

— É muito difícil ficar distante das pessoas que amamos. Mas uma hora todos vão passar por isso. – Ela fez uma pausa e continuou: — Você precisa olhar para frente e seguir, precisa tomar conta de você. A missão da mãe é criar o filho, e a do filho é seguir seu caminho. Há muitos caminhos, mas apenas um sentido, portanto você não pode desistir, por mais difícil que se lhe apresente o trajeto. Afinal, foi você quem fez a escolha, apenas não lembra.

— Mas por que isso foi acontecer comigo?

— Todos nós temos uma missão aqui na Terra, e Deus mostra o caminho, sabe por onde e até onde você precisa ir. Ele é a luz, nós somos os condutores. Portanto, precisamos assumir responsabilidades e sermos vigilantes. Se erramos, o erro é nosso. E não importa se você erra, importa a demora na correção. Muitas vezes o erro cresce e contamina regiões saudáveis da nossa existência, porque demoramos assumir a culpa. E por que demoramos? Porque achamos que os outros são sempre os culpados por nossos erros.

“Não se cura doença com choro e lamento, mas com coragem e ação. Contudo, ninguém está livre do que chamamos de 'imprevisível e fatalidade' nem das injustiças, porque este não é o mundo verdadeiro. Aqui não é nossa casa, é apenas uma estação. Chegamos e partimos!”

“Mas existe um momento — determinado se você achar que é destino e predeterminado se encarar a vida como uma responsabilidade constante — para cada acontecimento e a vez de cada um. Para quem vê apenas como destino, Deus é um pai superprotetor que está no comando absoluto; para quem acredita no livre arbítrio, encontrará um Deus que assiste, ajuda e que faz a parte dele. E se perguntará: e a outra parte, quem fará por mim, senão eu mesma? Você não pode depender dos outros nem esperar que os outros venham consertar o que está errado em sua vida. Não é verdade?“

A mulher curvou o rosto e Alexandra contemplou sua expressão. Tinha olhos parecidos com os seus.

Houve um silêncio que demorou o tempo de contemplarem uma jangada, a meia distância, que seguia na direção Sul. A embarcação foi se distanciando, até desaparecer na curva da praia. A mulher continuou:

— Você agora me parece bem, até vejo que voltou a sorrir!

— Não sei por que, mas é verdade, de repente senti uma sensação muito agradável dentro de mim. Acho que a senhora tem razão. Eu tenho que dar uma chance a mim mesma, tenho que ser menos egoísta e seguir em frente. Não posso desistir. Preciso enfrentar meus medos, e vencê-los.

— O caminhante agradece à canoa por tê-lo ajudado a atravessar o rio, mas ele não pode seguir seu caminho carregando a canoa nas costas. A canoa cumpriu sua missão, o caminhante deve continuar e cumprir a sua. É uma lei, e você não pode mudar a lei.

Ela fez outra pausa e disse:

— Agora volte, as pessoas já devem estar preocupadas com você!

— Pois é, conversamos e nem me dei conta do tempo. São quase seis horas. Preciso voltar.

A mulher se aproximou e estendeu as mãos para encontrar as de Alexandra.

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— Minha filha, ninguém pode mudar o que está diante dos olhos sem antes mudar o que está dentro da alma.

Quando aquelas mãos tocaram as pontas dos seus dedos ela pensou em sua mãe, mas esta lembrança já não lhe causou angústia nem falta, mas gratidão. Se antes estava triste pelo que lhe faltou, agora estava grata pelo que lhe sobrava.

Nesse instante, sentiu-se aliviada e leve, como se tivesse retirado um grande peso do seu coração. Foi quando a mulher olhou para ela e sorriu, parecendo ter visto o que se passava em seu interior.

Despediram-se.

Alexandra começou a fazer o percurso de volta. A praia continuava deserta e quase não havia claridade. Adiante, girou o corpo e acenou para ela. A mulher sorriu e repetiu seu gesto com os braços abertos.

— Até mais! – gritou aliviada.

— Até mais! – respondeu a mulher, também gritando.

Algumas dezenas de passos, outro pensamento. Voltou a pensar na mãe. E disse baixinho:

— Espera aí... Ela lembra alguém...

Sem precisar pedir à mente, as pernas deixaram de se mover. A adrenalina ferveu seu sangue e se espalhou por todo o corpo, ressecando-lhe a garganta.

Quando encontrou alguma força, foi movendo lentamente a cabeça para trás. Ficou pasmada ao ver que aquela mulher não estava mais na praia. Em seu lugar havia um facho luminoso na areia, erguendo-se e rodopiando incessantemente.

Neste instante, Alexandra teve os olhos atraídos para o céu. Lá em cima uma luz branca e incandescente adiava o anoitecer, elevando-se em direção à primeira estrela.

— Não, não pode ser!!

Alexandra passou as costas da mão trêmula nos lábios molhados pelas lágrimas, fechou os olhos e desabou, de joelhos, sobre a areia macia. Então orou em voz alta, sentindo a água respingar nos cabelos e no rosto de encanto.

Quando abriu os olhos o céu ainda estava iluminado, e seu coração mais iluminado que o céu.

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