Todas as manhãs de domingo ele saía silencioso do quarto. Ia à padaria, comprava pães quentes, derretia queijo, fazia café, tirava as sementes do mamão. Trazia até a cama e me acordava com brincadeiras. Fazia tudo isso sagazmente, premeditando receber recompensas.
Era desse jeito que ele me amava, com rituais e gentilezas, com pequenas coisas que faziam meu amor nunca acabar, nunca perder o encanto. O simples fato dele existir, tornava meu mundo melhor.
Ryan Franco
Desde muito cedo nos tornamos cúmplices, companheiros de vida, de ideias, de sonhos. Tivemos filhos e os vimos crescer cada um a seu tempo. Seguimos a ordem natural que a vida ia nos apresentando.
Ele era um homem bom, desses que conseguia enxergar a amargura nos olhos dos outros, que sabia ouvir quando alguém precisava fazer um desabafo.
Eu descobri nele o melhor amigo. Líamos o mesmo livro, combinávamos no que gostávamos de assistir na televisão, passeávamos de mãos dadas pelas ruas, mesmo depois de muitos anos casados.
No entanto, nossas personalidades eram opostas. Eu, solta e livre. Ele tolhido, tímido. Nossos defeitos faziam com que nada caísse no cotidiano, na mesmice. Discutíamos, levantávamos a voz e daí a pouco, estávamos
Elizabeth Tsung
Os pequenos gestos fizeram com que nosso relacionamento se sedimentasse em algo maior do que os da maioria que conheço. Conseguíamos e nos esforçávamos em surpreender um ao outro com ternura, com carinhos explícitos, com atos cuidadosos, e principalmente muitos, muitos beijos.
Se eu pudesse prever o futuro, antes o teria embrulhado em papel celofane, desses transparentes, brilhantes, frágeis, onde se colocam maravilhosos buquês de flores. Teria o cuidado de apreciar cada centímetro do seu rosto e corpo, cada falange dos seus dedos. Teria guardado o perfume da sua pele em algum frasco hermético que só seria aberto quando a saudade fosse muito grande.
Agora, enquanto caminho sozinha nas calçadas da noite, uma lua me acompanha veloz e eu o enxergo dentro dela. De lá, ele me olha firme e anda comigo pelas esquinas, ladeiras, empurramos latas de lixo, ouvimos gatos miarem. Ele continua sendo meu companheiro, meu amor, minha saudade.
▪ Fragmento do livro “Tempo de Contar Telhas”, em conclusão.